A omissão inconstitucional

Por Diego Costa Passos - 27/04/2024 as 12:04

Este artigo busca definir o que é omissão inconstitucional e definir quais são as suas espécies.

Análise genérica da omissão inconstitucional

Tem-se que a omissão inconstitucional é uma das grandes problemáticas do direito constitucional contemporâneo brasileiro. Ela fez surgir um embate entre a tradicional separação de poderes pensada por Montesquieu e a garantia de direitos elencados na Constituição que carecem de uma regulamentação para produzir seus efeitos, são as famosas normas de eficácia limitada da tradicional doutrina de José Afonso da Silva. Essas normas nas palavras do referido mestre são conceituadas da seguinte forma:

“Como as normas de eficácia limitada, sua aplicação plena, relativamente aos interesses essenciais que exprimem os princípios genéricos e esquemáticos, depende da emissão de uma normatividade futura, em que o legislador ordinário, integrando-lhe a eficácia, mediante lei ordinária (...) lhes dê capacidade de execução em termos de regulamentação daqueles interesses visados1. (grifos nossos)”

Muito já se discutiu até que ponto poderia o Poder Judiciário fazer o papel de legislador positivo - e se poderia fazer tal papel -, a fim de engendrar as chamadas sentenças aditivas. O fato é que a discussão entre separação de Poderes e  a implementação de normas de eficácia limitadas pelo Poder Judiciário parece ter sido superada (e atualmente parece ser inócua), principalmente, por causa do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos mandados de Injunção 670, 708 e 712, respectivamente, impetrados pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), bem como pela as recentes disposições da lei regulamentadora do mandado de injunção, Lei 13.300/2016. Em suma, ficou consignado que enquanto não for elaborada a lei de greve do servidor público, aplicam-se as disposições da Lei nº 7.783/89 – lei de greve do trabalhador celetista – no que couber.

Portanto, se antes entendia o STF que não se poderia atuar como legislador positivo para garantir um direito, sob pena de violar a separação de poderes, atualmente com o precedente criado no julgamento dos mandados de injunção, tem-se que atuação positiva do Judiciário tende a ser uma máxima. E deve ser uma máxima mesmo, ainda mais quando em uma democracia não se pode usufruir de direitos constitucionalmente previstos, porquanto o Poder Legislativo ou um órgão administrativo não editam normas que garantam o gozo do direito. Não parece razoável que depois de quase 30 anos da promulgação da Lex Fundamentallis, tenham-se direitos que careçam de regulamentação, em outras palavras, como a Constituição não é condição suficiente para o gozo de determinados direitos, deve, mormente, o Poder Legislativo conferir conformação a tais direitos. Quando tal conformação não é feita pelo Legislativo, deve o Poder Judiciário por meio dos mecanismos hábeis dar a devida conformação, a fim de que a Constituição não seja mera figuração, uma letra morta, dentro do ordenamento jurídico.

Configuração da omissão inconstitucional, seu conceito e suas espécies

A omissão inconstitucional nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso é definida como: “descumprimento de um mandamento constitucional que atue positivamente, criando uma norma legal”2. Sendo assim, a inconstitucionalidade por omissão, que é um fenômeno relativamente novo dentro dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, é algo desafiador para doutrina e jurisprudência, porquanto ela está representada pela inércia na elaboração de atos, os quais são necessários à realização dos comandos constitucionais4.

É necessário aduzir que a simples inércia (um mero deixar de fazer por parte do legislador) não significa necessariamente que se está diante de uma omissão inconstitucional. Destaca-se, ainda, que o apanágio característico do Poder Legislativo situa-se na faculdade de legislar, por conseguinte a omissão só poderá ser caracterizada quando houver o dever de legislar que está sujeito o Poder Legislativo em algumas hipóteses. Tem-se, então, que a inconstitucionalidade por omissão ir-se-á resultar de um comportamento contrastante com uma obrigação jurídica de conteúdo positivo. Nas palavras de J.J Canotilho: “A omissão legislativa, para ganhar significado autônomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de ação, não bastando o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão inconstitucional”3.

Gilmar Mendes escorando-se na doutrina alemã elenca  duas espécies de omissões constitucionais: I) omissões genuínas, que ocorrem quando o legislador fica totalmente inerte, ocasionando uma omissão legislativa total; II) omissões não genuínas, que são engendradas quando a norma, que já é vigente, não cumpre integralmente o dever de proteção constitucional ou ainda quando a norma, que fora elaborada consoante os ditames constitucionais, torna-se inadequada às circunstâncias fáticas supervenientes.

Já Luís Roberto Barroso tem classificado as omissões inconstitucionais em omissões totais e omissões parciais, estas últimas subdividindo-se em omissões parciais relativas e omissões parciais propriamente dita. As omissões totais ocorrem quando o legislador possuindo o dever jurídico de atuar, fica totalmente inerte quanto ao referido dever, produzindo um vazio normativo na matéria. São dados como exemplos para efeito de se entender a omissão total, o caso da greve do servidor público, art. 37, inciso VII da CF e a antiga previsão das taxas de juros com o teto de 12% a.a., art. 192, § 3º da Constituição Federal.

A omissão parcial relativa é gerada quando a lei exclui do seu campo de abrangência alguma categoria que nele deveria estar abrigada, suprimindo um benefício, em dissonância com o princípio da isonomia, tem-se como exemplo de tais omissões, a concessão de reajuste a servidores militares, sem estendê-los aos civis, ao tempo que a Constituição determinava a paridade de tratamento. 

No que tange à omissão parcial propriamente dita, o legislador não age solapando a isonomia, mas tem uma atuação deficitária relativamente à obrigação que era imposta, ou seja, a norma vige, no entanto, não atende plenamente ao mandamento constitucional por insuficiência ou deficiência de seu texto, tem-se como exemplo a lei que institui o salário mínimo em patamar incapaz de atender aos parâmetros impostos pelo art. 7º, IV da Lex Fundamentallis

É preciso mencionar que a omissão inconstitucional, conquanto seja algo mais comum dentro do Poder Legislativo, ela pode ocorrer no âmbito dos três poderes, desde que um desses deixe de adotar determinada providência que pode ser normativa, político-administrativa e/ou judicial. 

Sendo assim, as omissões são imputáveis ao Legislativo, quando este não edite determinada lei; ao Executivo, quando sendo necessário a expedição de atos de caráter genérico (regulamentos, instruções ou resoluções), não seja realizado o referido ato; e ao Judiciário, no caso de competência atípica prevista constitucionalmente, quando deixe de realizar o comando constitucional (caso de elaboração de regimentos internos dos tribunais).

1Vale destacar que além das normas de eficácia limitada, José Afonso da Silva aduz sobre outras duas normas, quais sejam: I) normas de eficácia plena, aquelas que seus efeitos são imediatos, que, por conseguinte, não carecem de norma regulamentadora para produzir todos os seus efeitos; II) normas de eficácia contida, aquelas que também são hábeis a produzir todos os seus efeitos independentemente de norma regulamentadora, mas que podem, por determinação do poder constituinte originário, ter a sua eficácia restringida por uma outra norma.SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 160.

2 BARROSO, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 55.

3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed. Portugal: Almedina Brasil, 2007. p. 1004.

4 MENDES, Gilmar. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC, e ADO: Comentários à Lei n. 9.868/99. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.p. 362.

5 BARROSO, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 57.