Imputação Objetiva, Culpabilidade e Teoria da Pena

Este trabalho toma como referência os estudos de Günther Jakobs para abordar os conceitos de imputação objetiva, culpabilidade e teoria da pena, com base numa nova tendência de adequação social dentro do Direito Penal.

Imputação Objetiva

Sem dúvidas, é um dos institutos mais tratados na atualidade da Ciência Penal.  No entanto, analisa-se no texto somente uma parte da teoria da conduta não permitida. Antes mesmo de se desenvolver a supracitada teoria, fica claro que nem toda causação evitável de um resultado potencialmente típico constituiria ao mesmo tempo uma conduta típica (tome-se em mente a teoria da adequação social em Welzel). Relembrem-se os exemplos dos crimes culposos, os quais violam um dever objetivo de cuidado, de modo que, se um sujeito desenvolve um comportamento permitido pelo ordenamento jurídico, não é condição suficiente para fundamentar a responsabilidade penal.

Essas aproximações foram se ampliando até se elaborar uma teoria, segundo a qual, na explicação de um resultado, não há de se perguntar pelo causante, mas pela competência por um processo danoso, o que pode resultar em algo mais restritivo (a causação per si não é suficiente), porém também pode ser algo mais amplo (o tipo de causação requerido pela comissão é prescindível no âmbito da omissão). Quem é o competente é uma pergunta que não pode ser respondida atendendo ao fato de um curso causal, mas sim atribuindo a uma pessoa. Esse conceito de competência desenvolvido  e abordado na obra pode ser percebido nos crimes omissivos, em que há um nexo de evitabilidade, ou seja, o sujeito responde muitas das vezes por um resultado que não foi causado por ele, mas que deveria ter evitado tal resultado.

Para Jakobs “La competencia se determina según las instituciones que estructuran la sociedade, ante todo según el sinalagma libertad de comportamiento y responsabilidad por las conseuencias”, ou seja, a competência faz-se solidifica-se pelas instituições que são bases da sociedade, diante de uma relação de interconexão entre liberdade de comportamento e responsabilidade pelas consequências. Jakobs preleciona, conforme a teoria dos papéis negativos, que o dano pode ser atribuído à conduta de uma pessoa, quando se ultrapassa o risco que, de acordo com seu papel, estava permitido criar tal risco (transgressão do risco permitido). Ele menciona ainda, em tal teoria, a proibição de regresso, a qual elucida que, se um terceiro mantém-se jungido ao seu papel, não se poderá atribuir-lhe qualquer resultado. Cita-se o exemplo de um devedor que paga a dívida ao seu credor, e este com o dinheiro auferido compra uma arma para matar um desafeto; nesse caso, o devedor está dentro dos limites do seu papel, não lhe sendo atribuída nenhuma punição.

A conduta do sujeito pode ser compreendida agora de um modo consistente, como expressão do sentido socialmente relevante. Jakobs exemplifica esse sentido social da seguinte forma: se uma pessoa dirige dentro da normalidade, de maneira prudente, consoante as normas no trânsito, não significa que causará uma lesão penal ainda que implemente um dano. Mutatis mutandis, se um indivíduo conduz um veículo, de forma a desrespeitar sinalizações, a ultrapassar o limite de velocidade em frente a uma escola, causa uma lesão penal, ainda que não tivesse nenhuma consciência e vontade de produzir algum dano.

Dessarte, o fato não se constitui, segundo Jakobs, a partir de suas propriedades naturais, como o pensamento de Voz Liszt (vontade que coloca interesses em perigo), ou das propriedades individuais do pensamento welzeliano (vontade final). No entanto, deve-se pensar o fato a partir de suas propriedades sociais, ou seja, o fato tem por significação realização típica e competência. O fundamento agora que legitima entender o fato como injusto é a ruptura do papel - o criminoso afasta-se do seu papel, enquanto o cidadão mantém-se fiel ao Direito.

A teoria de Jakobs é passível de crítica, por exemplo, nos crimes comissivos dolosos, é ufanismo, até mesmo risível em certas situações, dizer que quem dispara seguida vezes sobre a vítima com dolo necandi esteja violando o dever de evitar o cometimento de delitos que integraria o papel de bom cidadão, ou seja, a norma que tipifica o homicídio doloso, proíbe matar, no entanto não proíbe que se solape o papel de bom cidadão (no máximo, a norma proibiria de assumir um papel de homicida).

Conceito de Culpabilidade 

Elucida-se que na dogmática atual penal o conceito de culpabilidade é normativo. Consoante esse conceito, observa-se que a culpabilidade não é um fato psíquico, ou a ausência de um fato psíquico, mas sim é a falta de satisfação aos parâmetros ditados pela sociedade, em outras palavras, rompe-se com um parâmetro de fidelidade suficiente ao Direito.

Por conseguinte, infere-se que o delinquente quebra o seu papel de fidelidade com o ordenamento jurídico, não somente com o seu comportamento externo, mas também com a sua motivação. Esses dois aspectos irão constituir um todo.

Destacam-se, no texto, elementos do Código Penal alemão, que trazem causas de exclusão de culpabilidade (o que no Brasil ainda é uma construção doutrinária e jurisprudencial, já que não há nada positivado no Código Penal de 1940, no que tange à excludente de culpabilidade): caso de uma pessoa que apresenta um problema mental, não há como essa pessoa se determinar perante um sentido social (§ 20 do Código Penal alemão); quando a norma é inacessível para o autor do fato, desse modo não se conseguiria manter uma fidelidade ao seu papel (§ 17 do Código Penal alemão). Essa inacessibilidade da norma deve ser interpretada como potencial consciência da ilicitude, uma vez que ignorantia legis neminem excusat. Quando o autor do fato típico encontra-se num conflito existencial não generalizável (§ 33 do Código Penal alemão) - o que se quis elucidar nessa passagem é a questão da inexigibilidade de conduta diversa - não pode o autor de uma fato típico ser punido, se naquela circunstância ele só poderia ter agido daquela forma (caso de coação moral irresistível).

Portanto, pode-se perceber que o Direito oferece às pessoas a tarefa de procurar uma vontade suficiente de ser seguida, sendo a culpabilidade o seu revés, consistindo no fracasso de execução dessa tarefa. Tem-se, assim, que o papel desenvolvido pelo Direito é uma construção social que prima pela estabilização de uma estrutura normativa.

Teoria da Pena - conservação da vigência da norma

 Jakobs diz que “(…) el delincuente ciertamente actúa em contra de una norma, pero que com ello no necesariamente daña la vigencia social de la norma em forma duradera”, ou seja, reconhece-se que o delinquente atua contrariamente a uma norma penal, porém este não causa um dano duradouro à vigência social da norma, pois o criminoso, ao sofrer uma sanção, restaura a vigência social da normal. Pode-se perceber que se faz referência a uma prevenção geral positiva. Uma crítica levantada pela doutrina a essa teoria é que o reforço da norma não está ligado a uma necessária diminuição do crime dentro de uma sociedade, mas pode o reforço de uma norma servir de base tanto a um Estado Democrático, quanto a um Estado Totalitário (crítica ao funcionalismo sistêmico de Jakobs)

Jakobs ainda faz crítica à teoria da prevenção geral negativa (pena como fator intimidatório) desenvolvida na época do Iluminismo, dizendo que uma inclinação ao fato já existente em outras pessoas não seria responsabilidade do delinquente – e à teoria da prevenção especial elucidada por Von Liszt (atualmente é conhecida na dogmática penal como prevenção geral positiva e que vai preconizar, basicamente, a ressocialização do criminoso); Jakobs vai dizer que o criminoso não é atualmente culpável por fatos típicos que cometerá no futuro.

Então, para Jakobs a norma deve proporcionar uma cimentação cognitiva capaz de orientar o cidadão na figura de seu papel. O criminoso, ao lesar essa cimentação normativa, deve sofrer uma sanção aos seus bens jurídicos (liberdade, patrimônio), equivalentemente ao dano que foi provocado; fazendo-se, dessa maneira, uma ratificação da norma penal.

Conclusão

Pode-se perceber que a Dogmática Penal Alemã fora construída por meio do trabalho de inúmeros juristas, tendo sua origem em Carpzov com as compilações das jurisprudências da época até chegar ao estágio do funcionalismo penal. O que é notável é que cada jurista fora importante em sua época, e que, de certa forma, a Dogmática Alemã perpassada por Jakobs foi fruto de um desenvolvimento, sempre tomando por base a teoria anterior e elucidando as críticas para uma construção prospectiva da Dogmática Penal Alemã.

Outrossim, é notório que não houve e – provavelmente não haverá – nenhuma teoria que não seja passível de crítica, até mesmo fazem-se inúmeras críticas a Jakobs, como, por exemplo, que sua teoria do funcionalismo sistêmico poderia servir a Estados Totalitários, coadunando-se num verdadeiro Direito Penal do Inimigo (quarta velocidade do Direito Penal).

O que deve ser trazido a lumen é que a Ciência Penal deve ser pensada numa forma que se interconecte a um Estado Democrático e que, por conseguinte, se consiga fazer uma contenção da tirania punitiva, tutelando-se direito e garantias inerentes à existência humana.

Bibliografia

 

BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal – Parte Geral – Vol. 1, Saraiva: São Paulo,  17ª edição, 2012.

SANTOS, Juarez Cirino dos, Direito Penal Parte Geral, 5ª edição, Conceito Editorial (Jurídico), 2012.

ZAFFARONI, E. Raúl, BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro e SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro I –. Editora Revan: São Paulo, 4ª edição, 2011.

ZAFFARONI, E. Raúl, BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro e SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro II–. Editora Revan: São Paulo, 4ª edição, 2011..

ZAFFARONI, E. Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – volume 1- parte geral. Editora: Revista dos Tribunais, Porto Alegre 9ª edição, 2011.

 

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