A Prevalência do Negociado sobre o Legislado

Descubra como a Reforma Trabalhista impacta a relação entre negociado e legislado e as implicações para empregados e empregadores, respeitando direitos fundamentais.

Com o advento da Lei 13.467/2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, ocorreram diversas modificações na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, com a alteração de vários artigos e introdução de novas regras, para acompanhar o desenvolvimento da sociedade e adequar a legislação à nova realidade.

A Lei ordinária foi pensada e inserida com o intuito de trazer maior flexibilidade nas relações de trabalho, afim de aumentar o interesse de contratação. Isso porque a economia nacional estava (e ainda está) fragilizada, com altos índices de desemprego e baixas ofertas de contratação, o que levou a nova legislação a flexibilizar as normas trabalhistas, de forma a diminuir os encargos para gerar emprego, e, com isso, melhorar a economia do país, sendo considerada uma estratégia política.

Reforma Trabalhista e o Princípio da Proteção no Direito do Trabalho

Acontece que, ao ceder aos anseios dos empregadores, a Reforma tem pontos preocupantes, pois em certos casos pode deixar o trabalhador em situação de desvantagem, indo contra princípios que regem as relações de trabalho. O princípio da proteção é o principal deles, pois garante o equilíbrio entre empregado e empregador, de forma a proporcionar igualdade, é a intervenção do Estado para limitar a liberdade contratual, afim de garantir direitos.

Nas palavras de Souto e Saraiva: “O princípio da proteção, sem dúvidas o de maior amplitude e importância no Direito do Trabalho, consiste em conferir ao polo mais fraco da relação laboral - o empregado - uma superioridade jurídica capaz de lhe garantir mecanismos destinados a tutelar os direitos mínimos estampados na legislação laboral vigente.”.

Prevalência do Negociado sobre o Legislado na Reforma Trabalhista

Por isso, é preciso ficar atento a alguns pontos trazidos pela Reforma, para que não ocorra retrocesso aos direitos trabalhistas, principalmente em relação a nova regra inserida no texto da CLT, através do artigo 611-A, que ampliou a autonomia de vontade das partes para dispor sobre o contrato de trabalho, estabelecendo que o acordado tem prevalência sobre o legislado. Ou seja, o que for negociado através acordos e convenções coletivas de trabalho prepondera, predomina, sobre a lei.

De forma a esclarecer, nas lições de Vólia Bomfim Cassar: “O acordo coletivo de trabalho é o negócio jurídico extrajudicial efetuado entre sindicato dos empregados e uma ou mais empresas, onde se estabelecem condições de trabalho, obrigando as partes acordantes dentro do período de vigência predeterminado e na base territorial da categoria. – art. 611, § 1°, da CLT.

Suas cláusulas são comandos abstratos, gerais e impessoais. Em face disto, a convenção ou o acordo coletivo se assemelham à lei[...]. Por sua vez a convenção coletiva de trabalho é um negócio jurídico extrajudicial pactuado entre o sindicato dos empregados e o sindicato dos empregadores, estabelecendo condições de trabalho para toda a categoria.”

Assim, a nova regra é pautada na intervenção mínima do Estado nas relações de trabalho, dando maior autonomia as partes dessa relação contratual, que passam a estabelecer condições que antes eram impostas por lei. Registre-se que essas negociações não poderão acontecer de forma individual pelo trabalhador, mas somente pela entidade de sua classe, ou seja, o acordo deve ser fruto da atividade coletiva do sindicato.

Isso porque para serem realizadas negociações individuais é necessário que o funcionário possua nível superior e salário maior do que duas vezes o benefício máximo concedido pela Previdência Social.

Ademais, o artigo inserido na CLT (611-A) possui rol exemplificativo, com quinze incisos que demonstram o conteúdo no qual pode ser aplicada a regra e abrangem questões como:

  • jornada de trabalho,

  • banco de horas e intervalos,

  • plano de cargos,

  • organização da empresa e dos empregados,

  • teletrabalho,

  • remuneração,

  • saúde e insalubridade.

Todos estes pontos de negociação - dentre outros - são passíveis de negociação. Conforme redação dada ao artigo: “Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (...)”.

Quais São as Restrições à Prevalência do Negociado sobre o Legislado?

Dessa forma, não é possível a negociação de todos os direitos, pois além das questões exemplificadas no artigo 611- A, foi criado também o artigo 611-B, que estabelece limites e possui rol restritivo à aplicação da regra. Além disso, também ficam resguardados direitos dispostos em normas jurídicas superiores à lei ordinária (Reforma Trabalhista), como, por exemplo, os direitos elencados na Constituição, os dispostos em Tratados Internacionais e os decorrentes de lei complementar.

Caso o artigo 611-B seja desrespeitado, a negociação firmada será considerada nula. Conforme redação: ''Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (...)”.

Outro ponto importante a ser observado é que a prevalência do negociado sobre o legislado pode, inclusive, suprimir direitos trabalhistas, isto é, renunciá-los sem que ocorra compensação. Todavia, quando a negociação resultar em violação ou ser caracterizada vantagem excessiva de uma parte em detrimento da outra, é possível a discussão da constitucionalidade perante o Judiciário, via controle difuso ou concentrado, a depender do caso concreto.

O Julgamento do STF sobre a Prevalência do Negociado sobre o Legislado

Por fim, apesar de muitos acreditarem que a nova regra do negociado prevalecer sobre o legislado viola do Princípio da Vedação do Retrocesso Social, o STF decidiu, em julgamento do recurso extraordinário 590.415, que o dispositivo é constitucional, pois ''o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.'', nos moldes do art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, que considera como direito social do trabalhador o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

Conclusão

Para concluir o artigo sobre a prevalência do negociado sobre o legislado, podemos destacar que a Reforma Trabalhista, ao priorizar o que é negociado em acordos coletivos sobre a legislação vigente, traz à tona um novo paradigma nas relações trabalhistas. Esse movimento visa uma maior flexibilidade e autonomia nas negociações entre empregados e empregadores. Contudo, é essencial que essas negociações respeitem os direitos mínimos garantidos pela Constituição e outras normas superiores, evitando retrocessos nas conquistas trabalhistas e garantindo a proteção dos trabalhadores em um cenário de maior desregulamentação​