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Direito Sanitário

“Em 30/01/2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto de COVID-19 constitui uma emergência de saúde de importância internacional – o mais alto nível de alerta da Organização. Em 11/03/2020, a OMS anunciou que uma nova doença com alto poder de contágio e de grande velocidade de transmissão havia se espalhado pelo mundo. E criou, para todos nós, um novo vocabulário. Nós, hoje em dia, já sabemos o que é COVID-19, pandemia, isolamento horizontal e vertical, achatamento da curva, imunidade de rebanho etc. Há um novo vocabulário com palavras que, até ontem, ou nós não conhecíamos, ou nunca tínhamos usado, e agora se tornaram correntes na nossa vida” (trecho do voto do Min. Luís Roberto Barroso no julgamento da ADI 6421 pelo Supremo Tribunal Federal).

Ao longo do ano de 2020, várias questões relacionadas ao enfrentamento da pandemia chegaram, em sede de Jurisdição Constitucional, ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, gerando inúmeras decisões sobre o tema.

À luz dessa jurisprudência, que delineou a correta interpretação e aplicação do regime jurídico relativo ao enfrentamento da pandemia, é correto afirmar que:

o SUS é a materialização do que no Direito Alemão se chama federalismo cooperativo. Por isso, compete ao Estado verificar e determinar se em certo Município é necessário ou não interditar bares e restaurantes locais em virtude da proliferação do vírus;

as regras de repartição de competências administrativas e legislativas deverão ser respeitadas na interpretação e aplicação da Lei n.º 13.979/2020. Tal condomínio legislativo deve ser interpretado à luz do princípio da preponderância dos interesses. Por isso, um Estado YY que esteja em fase de Risco Máximo para COVID-19, com elevado índice de casos, óbitos e taxa de internação hospitalar de COVID-19 em seu território, não poderá determinar medidas mais restritivas de contenção da mobilidade social sem prévia pactuação dos Municípios na Comissão Intergestores Bipartite (CIB);

a fiel observância ao princípio da separação de poderes e da forma federal de organização do Estado, assim como às diretrizes constitucionais da descentralização e hierarquização do Sistema Único de Saúde, é essencial na interpretação da Lei n.º 13.979/2020. Nesse passo, um Município XX que apresente em seu território Risco Alto para COVID-19, com elevado índice de casos, óbitos e taxa de internação hospitalar de COVID-19, não necessita de autorização do Estado do qual faz parte para adotar medidas mais rígidas de contenção da mobilidade social, ainda que integre Região de Saúde que, segundo o Plano Estadual de Retomada, esteja em situação de Risco Moderado;

a Lei n.º 13.979/2020 configura norma geral em matéria de proteção e defesa da saúde (Art. 24, §1º, CRFB/1988). E é ínsito ao regime das competências concorrentes que a União Federal, ao editar normas gerais, limite o espaço de atuação dos demais entes federativos, o que é condizente com o papel da União de coordenar o sistema nacional de saúde de vigilância sanitária e epidemiológica (Art. 16, III, c) e d), da Lei n.º 8.080/1990). Nessa ordem de ideias, previsto pela União Federal que o serviço X é essencial e, portanto, não poderá ser impactado pelas medidas de enfrentamento à pandemia da COVID-19, o Município YY não poderá dispor ao contrário no exercício da competência legislativa suplementar para atender interesse local. É absolutamente inviável que cada Estado ou Município defina o que são serviços essenciais e, portanto, conforme sua conveniência e oportunidade, interfira gravemente no abastecimento nacional, no fornecimento de medicamentos e na circulação necessária de pessoas e bens;

a Constituição da República de 1988 confere ênfase à autonomia local ao mencionar os Municípios como integrantes do sistema federativo (Art. 1º, da CRFB/1988) e ao fixá-la junto com a autonomia dos Estados e do Distrito Federal (Art. 18, da CRFB/1988). A essência da autonomia contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que preceitua que os entes possuem diploma constitutivo e competências legislativas próprias. Em alguns casos, como o das regiões metropolitanas, há interesses comuns entre Municípios do agrupamento urbano que podem configurar um interesse regional. Nessa lógica, pode o Poder Público estadual estabelecer medidas mais rígidas de contenção da mobilidade social para uma determinada Região de Saúde que apresente risco elevado de casos, óbitos e taxa de internação hospitalar, ainda que algum Município integrante da referida Região de Saúde esteja em situação de Risco Moderado para COVID-19.

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