O Dano Moral e o Mero Aborrecimento no Direito do Consumidor

Por Márcia Vizeu - 27/01/2020 as 17:48

O dano moral, instituto jurídico utilizado para garantir o respeito aos direitos da personalidade e dignidade da pessoa humana, vem sofrendo modificações quanto a sua aplicação, principalmente devido a figura do mero aborrecimento cotidiano. Quer saber mais? Eu te conto tudo aqui!

Disposto no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal, o dano moral faz parte da realidade da sociedade e do direito, principalmente na esfera cível, trabalhista e consumerista. De acordo com o referido artigo:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(...)”

Desde que o dano moral passou a ser aplicado e tratado com seriedade por juízes e doutrinadores, a demanda objetivando a indenização decorrente do mesmo só aumentou, ensejando ações decorrentes das mais variadas situações.

Acontece que, apesar do dano moral ser uma excelente ferramenta para garantir a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, algumas pessoas viram sua aplicação como uma forma de obter vantagem em situações consideradas banais. Devido a isso, há quem denomine o ocorrido de “indústria do dano moral”.

No direito do consumidor, principalmente, o posicionamento dos julgadores quanto ao dano moral vem se modificando, em razão da grande demanda, que em alguns casos é desnecessária. Nesse cenário, surgiu a figura do mero aborrecimento cotidiano.

Todavia, os referidos institutos jurídicos são totalmente distintos e muita das vezes a tese do mero aborrecimento cotidiano vem sendo aplicada de forma injusta e incorreta. Para fins de esclarecimento vale saber quando deve ser aplicado cada um dos institutos:

Dano moral

O dano moral é lesão subjetiva causada a pessoa, interferindo em valores do homem, como a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual e física, a honra e demais aspectos, causando abalo psicológico, humilhação, sofrimento, desequilíbrio ou outra situação que ultrapasse os limites da normalidade do indivíduo.

No Código de Defesa o Consumidor o dano moral está disciplinado no artigo 6º, incisos VI e VII, que garantem a proteção plena do consumidor, ou seja, observa a lesão em todos os aspectos da relação de consumo, pautado no princípio da reparação integral. Conforme o mencionado artigo:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

       VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; (...)”

Assim, o fornecedor deve ser responsabilizado por todo abalo moral causado ao consumidor, mediante indenização que possui caráter punitivo-pedagógico, com o objetivo não só de reparar a lesão, mas também de punir o ato ilícito/ prática abusiva que muitas das vezes atinge inúmeros consumidores.

Mero aborrecimento cotidiano

O mero aborrecimento pode ser classificado como uma situação, que mesmo sendo lesiva, é comum na vida cotidiana, ou seja, algo visto como normal, compreensível e suportável na sociedade, é um mero dissabor.

Apesar de caracterizar falha no fornecimento do produto ou na prestação do serviço, bem como desrespeito à lei, o mero aborrecimento é entendido como um acontecimento trivial e por isso não enseja indenização, pois mesmo que configure desgaste ao consumidor e de alguma forma prejudique sua rotina, não há agressão exacerbada.

Nos ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho: 

“Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.”. 

Por isso, é imprescindível a análise de cada caso concreto para a devida aplicação do Direito, visando não cometer injustiças e cumprir com sua função social. Apesar de alguns consumidores utilizarem tal mecanismo para obter vantagem indevida diante de situações corriqueiras, não se pode generalizar e consequentemente também banalizar a injusta ofensa moral.

A realidade do judiciário é o aumento de demandas e reclamações pleiteando a condenação por dano moral. Diante dessa realidade a aplicação da indenização deve ser tratada com seriedade, sem generalizar os casos concretos. 

Com isso, a correta aplicação do dano moral deve visar a correção das condutas lesivas na sociedade, garantindo a proteção do lesado/consumidor afim de desestimular as práticas ilícitas/indevidas por parte dos fornecedores.