Multiparentalidade e Socioafetividade: qual a diferença?

Explore o conceito de multiparentalidade e socioafetividade, e como essas formas de paternidade são reconhecidas e regulamentadas no direito de família brasileiro.

Diante da complexidade das relações humanas, da constante evolução do conceito de família e da atual diversidade dos modelos familiares possíveis, é fundamental que a Justiça seja flexível e versátil para acompanhar as céleres modificações sociais, de acordo com os acontecimentos cotidianos que envolvem o Direito Civil e o de Família.

O modelo tradicional familiar não é mais conhecido nem limitado somente a fatores biológicos, genéticos e oriundo de união estável. Hoje, existem diversas modalidades e padrões de estruturas familiares que incluem outros elementos fundamentais, como, por exemplo, a socioafetividade. 

A consideração do afeto como agente capaz de gerar parentesco entre indivíduos que não possuem laços sanguíneos vem ampliando o conceito de parentalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Diante da complexidade das relações interpessoais e da pluralidade de modelos familiares, originou-se a necessidade de atualização às demandas do direito de família e, com isso, houve a ampliação do âmbito das relações de família, visando oportunizar evoluções de relações parentais fundamentadas apenas na afetividade.

A figura do afeto ganha força e origina uma nova figura jurídica chamada parentalidade socioafetiva, caracterizada pelo vínculo parental civil entre indivíduos que não possuem laços de sangue, mas que convivem como parentes devido à forte ligação afetuosa existente entre eles. Logo, pode ser reconhecida a paternidade decorrente do vínculo e do afeto desenvolvido pelas partes.

Este modelo de parentalidade não possui previsão legal expressa, por ser uma construção jurisprudencial e doutrinária recente. No entanto, admite-se a aplicação analógica da legislação civil nos casos em que as normas orientadoras da filiação biológica forem cabíveis. 

A partir daí, surge a multiparentalidade, que consiste na possibilidade da existência de mais de um vínculo parental paterno ou materno, passando o individuo a possuir mais de um pai ou mãe. 

Derivada da socioafetividade, a manifestação da multiparentalidade ocorre, como o próprio termo diz, quando a situação envolve múltiplos pais. A construção de novos vínculos conjugais origina novos vínculos socioafetivos e, com isso, há a possibilidade de padrastos e madrastas assumirem a responsabilidade, respondendo juridicamente como pais ou mães socioafetivos. 

Essa configuração de paternidade é possível porque há a possibilidade de a paternidade socioafetiva, baseada no afeto, e não no vínculo biológico, coexistir com a filiação biológica.

Socioafetividade ou Parentalidade Socioafetiva: o que significa?

A parentalidade socioafetiva é o reconhecimento jurídico de pai ou mãe pelo vínculo afetivo, sem laço biológico ou vínculo sanguíneo. Reconhecida na justiça, pode haver alteração na certidão de nascimento da criança para que seja incluído o nome do pai ou mãe socioafetivo.

É amparada legalmente pelo artigo 1.593 do Código Civil, que dispõe sobre a origem do parentesco.

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

A socioafetividade é um termo recente na esfera jurídica, sujeito à modificações e adaptações necessárias conforme as demandas sociais e familiares que surgem com o decorrer do tempo. 

Semanticamente, o conceito diz respeito sobre a afetividade construída em sociedade. É a constituição da sociedade familiar que tem como pilar o afeto. O conceito de parentalidade socioafetiva se dá através da filiação que ocorre por afeto, isto é: quando pessoas sem vínculos biológicos constroem relações baseadas na afetividade. 

O termo é abrangente e tem bastante utilidade no ordenamento jurídico, uma vez que as relações humanas seguem em constante evolução e, com isso, passam a demandar novos direitos, estes diferentes de uma família tradicional e comum, com vínculos apenas consanguíneos. 

O nível elevado de afeto cria novos e severos laços, porém, de todo modo, faz-se necessária a verificação de existência do ânimus, interesse e intenção em ter parentesco com a pessoa. A afetividade, além de criar parentesco, gera obrigações previstas na legislação civil vigente. 

O que é a Multiparentalidade?

A multiparentalidade advém da socioafetividade e também trata do reconhecimento do afeto e carinho entre as partes para a configuração de parentesco. Não caracteriza o vínculo biológico, porém ambos podem coexistir. 

Refere-se ao reconhecimento jurídico de que um indivíduo pode ter mais de um pai ou mãe, e o nome do padrasto ou madrasta pode ser incluído em seu registro civil, caracterizando a pluralidade paternal. 

A paternidade não é considerada somente sob o ponto de vista que envolve fatores biológicos, uma vez que o aspecto socioafetivo da relação passa a ser valorizado. 

A multiparentalidade consiste no reconhecimento de mais de um pai ou mãe devido à inovação no direito de família. Trata da parentalidade não limitada a laços biológicos, permitindo o registro de mais de um pai ou mãe no documento do filho socioafetivo.

O juiz deve observar o melhor interesse da criança, independentemente da vontade dos pais biológicos.

Para que o nome do padrasto ou madrasta seja incluído na certidão de nascimento, é necessário comprovar a filiação socioafetiva, que pode ser realizada se: 

- O pai ou mãe socioafetivo for, pelo menos, 16 anos mais velho que a criança e maior de 18 anos; 

- Houver comprovação do vínculo afetivo entre as partes; 

- A criança e o pai afetivo forem reconhecidos pela sociedade como pai e filho; 

- O pai afetivo tiver outros filhos, deve ser comprovado que não há discriminação entre o filho afetivo e os biológicos. 

STF: Tese de Repercussão Geral 622

O reconhecimento jurídico do STF em sede de repercussão geral foi um grande contribuinte para a evolução do assunto e para a possibilidade de coexistência, sem hierarquia, das modalidades de paternidade. De acordo com o texto, não há vínculo parental prevalecente, visto que existe a possibilidade das paternidades coexistirem.

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios".

A tese do Supremo iguala hierarquica e juridicamente os vínculos socioafetivo e biológico, considerando, ainda, a possibilidade da multiparentalidade. 

Efeitos da Multiparentalidade

São alguns os efeitos jurídicos que decorrem da multiparentalidade. 

A começar, é possível incluir o sobrenome da família socioafetiva nos documentos. No que diz respeito a direitos, são incluídos o direito à pensão alimentícia, direitos sucessórios e previdenciários, e, ainda, benefícios sociais, tal qual uma família consanguínea comum. 

Multiparentalidade: requisitos

Para que seja comprovado o vínculo afetivo, devem ser apresentados:

- Fotos;

- Declaração de testemunhas;

- Certidão de casamento, se o cônjuge for pai biológico;

- Documentos escolares assinados por responsável;

- Comprovante de residência no mesmo endereço. 

A filiação socioafetiva apenas é reconhecida caso o pai ou mãe socioafetivo demonstre vontade clara e inequívoca de reconhecimento e demonstração de afeto. 

Multiparentalidade x Socioafetividade

Apesar de representarem o reconhecimento jurídico da maternidade ou paternidade baseada no afeto, sem haver vínculo biológico, os termos se diferenciam no que diz respeito à quantidade de registros parentais. 

A socioafetividade trata somente do reconhecimento, judicial ou não, baseado na afetividade. Enquanto a multiparentalidade possibilita o reconhecimento e registro de mais de um pai ou mãe biológicos ou socioafetivos. 

Os conceitos são coexistentes e, segundo a jurisprudência, as duas modalidades de paternidade devem ter o mesmo tratamento e efeitos jurídicos. 

Benefícios da Multiparentalidade e Socioafetividade

São diversos os benefícios trazidos pelos referidos modelos de paternidade, tanto aos filhos, quantos aos pais. Estas estruturas familiares se afastam dos modelos tradicionais e valorizam a pluralidade de relações afetivas, promovendo a flexibilidade e o enriquecimento emocional. 

Crianças cercadas por variadas figuras parentais, biológicas ou socioafetivas, tendem a possuir um maior senso de apoio e segurança. A vantagem de ter uma rede familiar ampla é poder viabilizar ainda mais acolhimento e suporte, elementos primordiais para um desenvolvimento pessoal emocionalmente saudável. 

Além disso, essa vantagem se estende à possibilidade de compartilhamento de responsabilidades. Os cuidados que antes eram divididos por dois, passam a ser dividos entre mais pessoas, reduzindo o volume de obrigações e responsabilidades emocionais e financeiras. 

A diversidade de modelos familiares, em si, também é um aspecto positivo, uma vez que permite a vivência em variadas formas de afeto, enriquecendo a compreensão e a importância das relações interpessoais.

Juridicamente falando, a socioafetividade possibilita o reconhecimento legal de vínculos afetuosos, ainda que não exista relação genética, garantindo que crianças criadas por pessoas que não são seus pais biológicos possuam direito à herança, pensão alimentícia, entre outras previsões legais. Vale ressaltar que devido reconhecimento legitima diversas famílias constituídas por casais LGBTQIAPN+ e outras configurações familiares distintas do padrão tradicional. 

O Poder Judiciário e a Proteção de Famílias Plurais

O Poder Judiciário atua de forma crucial na proteção e na regulamentação de famílias multiparentais, visto que a Constituição Federal de 1988 prevê como direitos fundamentais o princípio da dignidade humana e o direito à convivência familiar. 

A multiparentalidade vem sendo cada vez mais reconhecida em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), quesito primordial para a confirmação da validade do tema. 

O Judiciário assegura, inclusive, que crianças em famílias plurais possuam os mesmos direitos à herança e proteção, assim como aquelas que vivem em famílias tradicionais. Esse amparo é essencial para garantir o futuro financeiro dos filhos socioafetivos. 

Existe, ainda, a garantia da convivência familiar, que assegura que o direito do vínculo com todos os pais biológicos ou socioafetivos, mesmo que haja o fim da relação conjugal, para o melhor interesse da criança. 

Por fim, a importância da promoção de políticas inclusivas para famílias que fogem dos modelos tradicionais.