A Corrupção no Brasil: Revisitar a História Rumo aos Desafios de uma Sociedade Plural e Democrática

A Corrupção passou a ser tema de interesse de todas as classes sociais no Brasil e ganhou largo debate nos amplos canais de comunicação, principalmente nas redes sociais e grande mídia. Integra o estudo sistematizado dessa temática apontar possíveis causas de sua origem, apresentar sua historicização, como forma de melhor compreendê-la. Ao analisar a corrupção, surgem questões inerentes à identidade e cultura de um  povo. Nesse contexto, atribuir a corrupção brasileira a uma vertente política de direita ou esquerda é forma simplista e imediata que oculta o enfrentamento da corrupção sistêmica na sociedade brasileira.

A partir do marco civilizatório no Brasil, no período colonial, a miscigenação de raças e etnias e, por consequência, a mistura de culturas distintas, associada à colonização de exploração e o longo período de escravidão, são fatores relevantes na proposta de perquirir a origem da corrupção. 

Nesse período histórico é possível constatar a tolerância, e mesmo conivência, da população frente aos desmandos e irresponsabilidades dos representantes públicos sem que os papéis de cada qual na sociedade fossem definidos e assimilados. Tratava-se de um Brasil em formação. A sociedade ter se formado antes do Estado, indubitavelmente, foi um fato político-cultural de grande peso para explicar a corrupção brasileira dos tempos atuais.

Ingressar na cultura portuguesa, e na cultura africana, grandes pilares na formação do povo brasileiro, é ponto muito importante para entender o fenômeno da corrupção a partir do marco civilizatório brasileiro.

Importante mencionar que o conceito de corrupção do Brasil industrializado e globalizado, na era da robótica, não é o mesmo do período colonial. A forma de Estado e a forma de governo-, república e sistema presidencialista, a cidadania em evolução, e o grande impacto provocado pela tecnologia nas relações sociais, são fatores que impõe adotar uma análise ontológica da expressão “corrupção” para, a partir daí, constatar práticas corruptivas no período colonial. 

Nepotismo, burocracia como fim em si mesma favorecendo casuísmos e a pessoalidade no tratamento, terreno fértil para práticas corruptivas, além das redes clientelares alimentadas pelos mandonismos e individualismos, que hoje se traduzem por exageradas doses de paternalismos (assistencialismos), não fomentando o desenvolvimento sóciocultural do povo brasileiro, são práticas que perspassaram séculos em território brasileiro.

Perquirir o início de tudo é de suma relevância para compreensão do fenômeno, de matiz cultural, e fundamental para reconhecer a identidade desse povo que tanto se envolve nos círculos viciosos, reiteração de condutas corruptas, incompatíveis nas sociedades modernas e prósperas, como pretende ser a sociedade brasileira.

O Brasil foi o único país da América Latina colonizado pelos portugueses. Inserido em uma América, cujos países vizinhos, na sua totalidade, foram colonizados por espanhóis, se desponta pela vasta extensão territorial, regionalismos distintos e uma cultura nacional advinda da miscigenação racial formada, basicamente, pelo branco europeu, pelo nativo índio e pelo negro africano, aqui escravizado. Entretanto, quanto ao trabalho escravo, não há singularidade brasileira porque outros países da América Latina também adotaram essa forma de mão de obra, mas não pelo mesmo período que aqui foi verificado.

Analisar a corrupção a partir do Brasil colonial impõe revisitar a história brasileira com vistas a realizar abordagem sociopolítica para identificar nas práticas sociais os desvios comportamentais ínsitos, ou não, ao projeto de exploração econômica da Metrópole.

A terminologia empregada para caracterizar o que hoje se denomina corrupção deve merecer análise especial do intérprete, posto que nomenclaturas podem variar no tempo e no espaço, e o que se perquire é a real ocorrência de condutas contra o erário praticadas desde os primórdios da civilização brasileira.

Conhecer o passado, conhecer suas origens, propicia uma nação a se reconhecer, a buscar a identidade do seu povo. Reconhecer seus méritos e deméritos impõe amadurecimento que, ao certo, redundará em evolução.

Assim, investigar a corrupção, nesse contexto, implica discutir e analisar a identidade do povo brasileiro. Essa autoanálise poderá deflagrar um processo de mudança a partir de um fato que, no cotidiano do século XXI, macula a imagem do brasileiro no cenário interno e internacional, já que portais como Transparência Internacional, ou o Banco Econômico Mundial, em Davos, apresentam péssimas posições ao Brasil no ranking mundial no índice de corrupção o que, de certa forma, desmotiva muitos investidores face à insegurança do ambiente de negócios.

O estudo das práticas corruptivas durante o longo período de colonização- 322 anos- apresenta-se conclusivo quanto ao ingresso no âmago da cultura do brasileiro. Apontar causas e consequências, a par da origem dessas práticas corruptivas propiciam o entendimento do que acontece nos tempos atuais.

Analisar ética e moral para categorizar os atos de corrupção também se apresenta no estudo desse trabalho como ponto relevante, já que no imaginário popular paira que muitos comportamentos contra a ética ou moral induziria a prática de um ato de corrupção. Analisar um possível escalonamento de condutas a partir de atos atentatórios à moral ou ética, extraídos do cotidiano do brasileiro, fogem o escopo do presente trabalho que, nesse ponto, interessa registrar a distinção: nem tudo é corrupção.

Chamar a atenção para a naturalização de atos de corrupção por longo período da história brasileira é um do escopos principais da presente análise sociopolítica. Até que ponto referidos atos se incorporaram na cultura do brasileiro? Até que ponto há a naturalização e a reprovação alheia, e popular, não é meramente superficial? Nessa linha, Lilia Schwarcz:

Julgar idoneamente atos ilegais praticados no coração do estado brasileiro, prender corruptos e corruptores, políticos e empresários, intermediários e seus mandantes, é prova de amadurecimento da democracia. Já jogar para a plateia, fiar-se em discursos que prometem mais do que podem realizar, significa criar terreno fértil para que práticas ilícitas continuem a florescer. Vale lembrar, e os exemplos do passado revelam, como, muitas vezes, governos de matriz autoritária tomam o poder ou são eleitos utilizando slogans que denunciam as práticas ilícitas de governos anteriores e assim se autovalorizam. No entanto, sem planos de fato eficientes e comprometidos, acabam caindo, eles próprios, no canto da sereia da contravenção (SCHWARCZ. 2019, p. 123).

As incontáveis operações investigativas que resultaram em recorde de prisões do alto escalão de representantes políticos e empresários brasileiros, no século XXI, e toda a mídia favorável em torno desse processo, realmente atingiram, e modificaram a cultura nacional? Necessário conhecer sua identidade para, após, admitir o processo de mudança, caso seja o desejo do povo brasileiro.

E para finalizar, impõe-se citar MAQUIAVEL (20015,p.12)  na narrativa segundo o qual uma pessoa do povo presenteou seu Rei não com joias ou adornos valorosos, mas com um livro que retratava a vida do povo, a que estava inserido -verbis: “Compara àquele que desenhavam a paisagem dos montes, a importância de observá-los; também para se conhecer o caráter do povo, é preciso ser Príncipe, e para entender o Príncipe, é preciso ser do povo.”

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