A Multa Criminal e os Erros da Legislação Brasileira

Tratando-se de uma das espécies de sanção penal, a pena de multa não pode ser confundida com outras sanções de cunho pecuniário, a exemplo da prestação pecuniária, prevista no artigo 43, inciso I do Código Penal, tão pouco com valores em pecúnia da sanção denominada perda de bens e valores, também prevista no mesmo dispositivo legal, no inciso II. 

É prevista de forma alternativa ou cumulativamente a outro preceito sancionador, de acordo com a opção política do legislador no processo de valoração dos bens jurídicos a serem tutelados pela norma penal.

Multa criminal não guarda qualquer semelhança com outras sanções pecuniárias, a exemplo de composições civis ou transações penais no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, quando essas girarem em torno de valores em pecúnia, por se tratarem de medidas despenalizantes.

A pena pecuniária é a prevista in abstracto nos tipos penais e também está prevista nas hipóteses de multa substitutiva, previstas nos artigos 44, parágrafo 2º e 60, parágrafo 2º do Código Penal. Portanto, o lastro da pena de multa é amplo e, consequentemente, as receitas advindas de sua arrecadação.

Afeta ao processo de descarcerização, a pena de multa, porém, é alvejada por muitos por ser discriminatória ante a diversidade, e desnivelamento das classes sociais na sociedade brasileira. Sob esse prisma, a pena de multa seria um pesado fardo para os menos afortunados enquanto que, para outros, afortunados, sequer as funções da pena seriam atendidas

A Reforma Penal de 1984 -Lei n. 7209/84- atenta à desigualdade econômica no Brasil, previu, no caput e parágrafos do artigo 49 do Código Penal, maior discricionariedade judicial na fixação do número dos dias-multa (“... mínimo de 10 e máximo de 360 dias- multa”) e na valoração dos mesmos, quanto ao valor unitário do dia-multa (“...não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 vezes esse salário”) com vistas a reduzir o impacto na aplicação do Princípio da Isonomia constitucional.

Para uma noção concreta sobre os valores atuais da pena de multa, no ano 2020, concebe-se, através do salário mínimo vigente de R$ 1.045,00. Cinco vezes referido salário-mínimo: R$ 5.225,00. 1/30 do salário-mínimo: R$ 34,8333, aproximadamente R$ 35,00. Se 360 dias- multa é o número máximo de dias-multa e o valor máximo para cada dia- multa é R$ 5.225,00 o valor máximo de uma pena de multa é R$1.881.000,00. Portanto, considerando o valor de um salário-mínimo no Brasil esse valor, para cada multa, por crime, não é um valor a ser desconsiderado como receita do Estado.

Há situações peculiares na pena de multa, vez que, como qualquer pena, ela deve incidir apenas na pessoa do réu. Em princípio, para cumprir seu desiderato, apenas o réu poderia realizar o seu pagamento, inadimitindo-se terceita pessoa. No entanto, citando Ferrajoli, afirma Greco: Ferrajoli, com a precisão que lhe é peculiar, aduz que “a pena pecuniária é uma pena aberrante sob os vários pontos de vista. Sobretudo porque é uma pena impessoal, que qualquer um pode saldar.

Reafirmando, o alicerce normativo da multa criminal está nos artigos 49 usque 52 e 58 do Código Penal. Previstos os limites-10 a 360 dias- multa, a destinação- fundo penitenciário-, o valor do dia-multa e a não tão novel inovação legal quanto à impossibilidade de sua conversão em pena privativa de liberdade, nas hipóteses de inadimplemento (artigo 51 com redação estabelecida na Lei n. 9268, de 1/04/96).

A quase unanimidade da Doutrina e Jurisprudência brasileiras aplaudiu a vedação à conversão dessa pena pecuniária em pena privativa de liberdade, como movimento progressista e humanizante do Direito Penal em atenção, principalmente, ao que fora celebrado no Pacto de São José de Costa Rica. Sanções corporais no moderno Direito Penal, in casu, o direito à liberdade, não poderá ser maculado sob o pretexto de que uma multa criminal seja idealmente adimplida.

Considere-se que o Direito Penal é o que atua de forma mais contundente no organismo social porque, dentre as sanções previstas, é o único que prevê a maior coercitividade consubstanciada no cerceamento do direito à liberdade, direito constitucional absoluto, só desconsiderado nos casos de violação às normas penais, segundo as garantias do devido processo legal, legalidade e anterioridade penal (artigo 5º, inciso LV CR e 1º Código Penal).

Como é amplamente valorativo, o Direito Penal deve se coadunar com o modus vivendi e o que àquela sociedade (lato sensu), deve eleger por comportamento nocivo à vida em coletividade. Dentro dessa análise, de ordem moral, religiosa, antropológica e sociológica, o Direito deve atuar perquirindo acerca de sanções não privativas de liberdade como medida hábil à contenção de tipos penais.

Questiona-se, assim, em qual medida penas de multa criminais, e congêneres, se aplicadas em patamares maiores, se tornariam medidas eficazes tanto quanto, ou mesmo até mais, do que as penas privativas de liberdade para determinadas infrações penais. Afinal, receita para o Estado e despesa zero quanto aos custos da manutenção de uma pessoa no cárcere não é medida razoável se os fins da pena forem atingidos?

Após a inovação legislativa estabelecida em 1996, a multa penal perdeu a conversibilidade em pena privativa de liberdade, como outrora mencionado, provocando discussões amplas quanto à legitimidade do Ministério Público para a sua execução.

No cenário inicial, ostentando natureza jurídica de dívida de valor, as penas de multa só poderiam ser executadas pelo Procurador da Fazenda. Abriu-se discussão, à época, quanto à atribuição da Procuradoria da Fazenda, inclinando-se outra parte no sentido de se firmar para a legitimação da Procuradoria da Fazenda Nacional, enquanto outros entendiam ser parte legítima a Procuradoria da Fazenda Estadual, com respectiva inscrição da dívida ativa, dívida não tributária, porque a multa penal não se origina do recolhimento de impostos, taxas ou contribuições de melhoria ou sociais.

Algumas Normas Fazendárias Restritivas à Executoriedade da Pena de Multa - o Desvio Indireto

Há uma grande disparidade entre os valores mínimos estabelecidos para a execução da pena de multa porque cada Estado tem autonomia para exercer o juízo de oportunidade e conveniência para o crédito exequendo. Reafirme-se que as normas de direito tributário são aplicáveis aos créditos tributários e não tributários, dentre estes, a pena de multa criminal.

Não se olvide para a competência da União, através da Fazenda Nacional, também legitimada para exercer o juízo de oportunidade e conveniência na fixação do valor mínimo para a execução fiscal, apesar de que, em matéria de execução penal (pena de multa tem natureza penal), o Juízo de Execução Penal é uno para crimes praticados contra qualquer ente federativo e contra qualquer poder da República. 

Portanto, para fins de execução da pena de multa, o Juízo de Execução Penal de cada Estado e, caso não adimplida a pena de multa, o Juízo da Dívida Ativa, é o competente para o processamento e julgamento da execução fiscal inerente à multa criminal.

A Lei de âmbito nacional é aplicada- Lei 6830/80-, e também atos administrativos normativos inerentes à valoração exequendos, aplicáveis não só à multa criminal (receita não tributária), quanto para todas as receitas tributárias, já que ambas integrarão a dívida ativa do Estado.

Relembre-se que toda a receita proveniente da pena de multa deve ser destinada ao Funpen, instituído pela Lei Complementar n.79, de 07/01/1994, segundo o qual fora instituído com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e o programa de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário nacional. Constitui recursos do Funpen, segundo o artigo 2º, inciso V:

“multas decorrentes de sentenças penais condenatóira com trânsito em julgado.”

Importante, também, registrar alguns fins do Funpen, a exemplo do que é disposto no artigo 3º, incisos:

Inciso I- Construição, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais;

Inciso III- manutenção dos servições e realização de investimentos penitenciários, inclusive em informação e segurança;

Inciso VI- Formação educacional e cultural do preso e do interno; Inciso IX- Programa de assistência a vítimas de crime;

Inciso X- Programa de assistência aos dependentes de presos e internados;

Inciso XIV- Manutenção de casas de abrigo destinadas a acolher vítimas de violência doméstica ( incúído pela Lei Complementar n.119/2005);

Inciso XVI- programas de alternativas penais à prisão com o intuido to cumprimento de pena restritiva de direitos e de prestação de serviços à comunidade, executados diretamente ou mediante parcerias, inclusive por meio de viabilização de convênios e acordos de cooperação;

Inciso XVII- Financiamento e apoio a políticas e atividades preventivas, inclusive de inteligência policial vocacionadas à redução da criminalidade e da população carcerária.

À vista dos dispositivos legais transcritos, extreme de dúvidas que as receitas integrantes do Funpen não têm por fim, exclusivamente, o presidiário. Os fins são amplos e de extrema importância para o Direito Penal. O esvaziamento de receitas provoca, indubitavelmente, a impossibilidade de implementar e executar todos esses comandos normativos!