A Repercussão de Casos Brasileiros de Pornografia de Vingança

Os casos que serão contados no presente artigo são apenas alguns frente aos milhares outros que ocorreram envolvendo o fenômeno da Pornografia de Revanche. Além de ilustrar toda a teoria mencionada, objetiva-se demonstrar novas abordagens acerca das notícias anteriormente veiculadas. A partir de alguns relatos advindos das próprias vítimas, busca-se contrapor a veiculação feita pela mídia tradicional.

Tal abordagem pretende dar visibilidade às consequências do revengeporn na vida das vítimas e os impactos em suas relações pessoais, profissionais e até mesmo passionais. As mulheres que terão suas histórias contadas são submersas em diferentes contextos, lugares, de diferentes idades e classes sociais. Diante disso, demonstra-se que o discurso de culpabilização das vítimas de Pornografia de Vingança constitui, além de uma problemática individual, uma questão coletiva.

Rose Leonel

Rose Leonel, 41 anos à época, residente em Maringá (PR), apresentadora de um programa de televisão e colunista na cidade em que residia, fundadora da ONG Marias da Internet.

O relato desse caso se dará, principalmente, com base em entrevistas que a própria vítima forneceu a alguns programas televisivos especificados ao longo do tópico. Rose conta que tudo começou em outubro de 2005 a partir do término do relacionamento de quatro anos com Eduardo Gonçalves Dias. Segundo informações fornecidas por Rose em entrevista (Jogo Aberto, 2014), Eduardo não aceitou o término, ficou inconformado, passou a proferir constantes ameaças do seguinte teor: “se você não ficar comigo, eu vou acabar com a sua vida”. 

No entanto, a vítima não imaginava que as palavras de seu ex companheiro tomariam essa proporção, informou ainda que não pensou que ele seria capaz de expô-la da forma que fez, “nunca imaginei que a gente pudesse dormir com o inimigo”, disse Rose em entrevista ao Jogo Aberto. Ocorre que, em janeiro de 2006, Eduardo endereçou um email com o material íntimo da vítima para mais de 15 mil destinatários – entre eles: colegas de trabalho, familiares, conhecidos da cidade e até desconhecidos. 

Em um ato de extrema crueldade e sarcasmo, Eduardo confeccionou uma apresentação de slides anexada às mensagens que enviou. Em email’s intitulados “Apresentando a colunista social Rose Leonel – Capítulo I”, o agressor se ateve a detalhes e qualificou cada uma das fotos com legendas que davam a entender que o material se tratava do portfólio de uma garota de programa. (BUZZI, 2015, p. 46) A partir de então, encarregou-se de distribuir as fotos de Rose perante sete milhões de sites cujo objeto era a produção pornográfica.

Ocorre que, esse não foi o fim da exposição. O agressor permaneceu divulgando materiais íntimos de Rose durante o período de aproximadamente três anos e meio, a partir do envio de email’s com os capítulos sucessivos (capítulo 2, 3, 4). Além de utilizar as imagens verdadeiras da vítima, seu ex-companheiro passou a manipular montagens, em que juntava o rosto de Rose com o corpo de outras mulheres nuas. Toda essa exposição, por sua vez, veio acompanhada de telefones pessoais da moça, bem como de seu trabalho e até mesmo de seu filho – adolescente à época, conforme relatado pela vítima no programa Jogo Aberto: 

“Eu perdi meu emprego, perdi os meus amigos, perdi minha vida social, sofri um assassinato psicológico, moral, profissional, você sofre uma crise de identidade, porque o que as pessoas veem ali é uma ideia que foi jogada na internet. Além do meu ex me expor na internet, ele me humilhava e escrevia coisas horríveis a meu respeito. Então, ele me vendia como se eu fosse uma garota de programa, a partir de fotos e textos, além de fornecer os números de telefone da minha casa, meu celular e inclusive o celular do meu filho.” (Rose Leonel, Jogo Aberto, 2014)

Rose contou, ainda, que as pessoas que não a conheciam acreditavam que ela era garota de programa e isso causou nela uma crise de identidade, bem como uma tortura psicológica muito grande. Além de todas suas questões internas, a vítima conta um pouco sobre os efeitos fáticos que teve em sua vida “Perdi a guarda do meu filho, na época ele foi para a Europa. Nós tiramos ele daqui para poupá-lo de mais exposição”. Menciona, ainda, não poder mensurar qual foi a abrangência e alcance do material, tendo em vista que Eduardo hospedou as imagens em blogs nacionais e internacionais.

Eu contei com pessoas que me ajudaram voluntariamente a trabalhar de forma incessante para retirar todo o material da web, porque era muito dolorido para mim isso tudo. Mas é uma praga, é uma coisa que não se apaga. Quando as pessoas, eventualmente, lembram do acontecido, nada as impede de veicular novamente o vídeo ou foto que foi salvo anteriormente. (Rose Leonel, Jogo Aberto, 2014)

Em entrevista concedida à Fernanda Teixeira, em 2014, Rose afirmou o caráter perpétuo desse crime. Mesmo após quase dez anos da exposição, a vítima menciona que “o crime da internet não é algo pontual, ele traz sequelas e as sequelas se perpetuam na internet. Então, os danos vão acontecendo sempre e eles se desenrolam no decorrer da nossa vida”. Diante da situação devastadora sofrida pela jornalista, ela buscou criar algum veículo para ajudar outras mulheres vítimas fenômeno da Pornografia de Vingança.

Na mesma entrevista, Rose abordou sobre a função da ONG nomeada “Marias da Internet”. Rose relatou que teve momentos de sofrimento muito intenso e sentia-se perdida, tendo em vista que em 2005 não havia tanto respaldo de organizações para ajudar a mulher vítima. Segundo a jornalista, a função da ONG é orientar e informar, ou seja, buscar evitar que outras mulheres sejam vítimas de crimes na internet. Mas, caso já tenham sido, objetiva fornecer todo o apoio e suporte necessários.

Rose diz que a ONG foi criada como um norte para a vítima de um crime da internet, “a gente se propõe a ser um norte para essas pessoas, trabalhamos com uma equipe que conta com advogados, psicólogos, bem como peritos digitais”. Acrescenta ainda que a ONG funciona como uma espécie de Fórum da Sociedade, em que as pessoas podem se cadastrar e debater sobre o tema, vez que se trata de um problema social – se a sociedade se unir, ela pode combater essa problemática. Enfim, Rose relata que recebe email’s de pessoas que sofreram com a divulgação não consensual de material gráfico e íntimo que buscam contar seus casos e permutar experiências, a fim de de buscar conforto junto a alguém que entende plenamente o sofrimento da vítima. (Jogo Aberto, 2014)

Mas cada dia é uma batalha, onde preciso de forças extraordinárias para prosseguir. E assim, estou aprendendo uma coisa muito valiosa: viver um dia após o outro, vencer um dia de cada vez, hora após hora, dia após dia! Às vezes, o toque do telefone me alarma, quase suo frio, não quero atender. É a falta de vontade de conversar. A falta de vontade de ver gente. A falta de vontade para me arrumar. A falta de vontade de sair de casa. E bate uma vontade de chorar, de me esconder e me entregar. Levantar a cabeça, escolher uma roupa e sair pra luta é um esforço sobrenatural. Em algum lugar do meu passado ficaram a vaidade, a auto-estima, o ânimo. A vontade de pôr uma roupa bonita, a alegria de um penteado novo, o orgulho de um regime bem feito, da imagem refletida no espelho, a felicidade de se ver brilhar no olhar de um admirado. Sim, porque nos olhos que me fitam, não vejo admiração: vejo uma procura insistente por alguém que não sou eu. (MARIAS DA INTERNET, Rose Leonel, 2016)

Na última entrevista analisada, em que Rose Leonel fala com o Diário de Maringá, no ano de 2010, a jornalista fala a respeito da decisão que condenou seu ex-parceiro. “A sentença representa para mim uma certidão de nascimento nova, de uma nova vida, eu acho que renasci com essa sentença. Porque eu fui assassinada moralmente, então, esse é um renascimento para mim” (LEONEL, 2010) Rose fala sobre como sofreu uma agressão sistemática na internet, mas preferiu continuar na mesma cidade, buscou manter a cabeça erguida a partir da certeza de que não é ela a vilã dessa história.

Hoje, 13 anos após sua exposição, Rose tornou-se um ícone no combate à Pornografia de Revanche. Foi um marco no âmbito jurídico Brasileiro, haja vista ser uma das primeiras brasileiras a conseguir reparação contra um ex companheiro que compartilhou suas imagens sem qualquer consentimento. A saber, no ano de 2012, Eduardo foi condenado ao pagamento de R$30.000,00 a título de danos morais, bem como reclusão de um ano e onze meses (GONÇALVES, 2016)

Franciele dos Santos Pires

Franciele dos Santos Pires, 19 anos à época, residente em Goiânia (GO), vendedora de loja.

Franciele e Sérgio Henrique de Almeida Alves, com então 22 anos, se conheceram através de amigos e passaram a se relacionar constantemente. A vítima alega que o namoro entre os dois sempre foi bem conturbado, com inúmeras e constantes brigas. Após a gravidez de Franciele, a paternidade da criança passou a ser motivo de muitas brigas e então o casal se afastou, mas no ano de 2012 reataram o namoro. A partir desse momento, Sérgio passou a insistir na gravação dos momentos íntimos do casal, conforme relatado por Franciele em entrevista à TV UOL, em 2015.

Inicialmente, Franciele ficou receosa quanto às gravações e negou o incessante pedido de Sérgio. Contudo, o rapaz mostrou para a vítima que guardaria as imagens em uma pasta compacta em seu telefone, bem como registraria uma senha na referida pasta, para que não corresse qualquer risco do vazamento indevido do material íntimo. Então, Franciele confiou na palavra de seu ex-namorado e passou a permitir as gravações. Ocorre que, no dia 03 de outubro de 2018, após ambos realizarem gravações recíprocas no ato sexual, o casal discutiu e Franciele decidiu que não iria mais manter relações com Sérgio. (TV UOL, 2015)

Fran, como ficou conhecida na internet, diz que “dormiu, acordou e a sua vida tinha virado de cabeça para baixo”. Após Franciele ignorar inúmeras mensagens enviadas por Sérgio, o rapaz compartilhou com seus amigos um vídeo íntimo do casal. Conforme Franciele relatou na entrevista supracitada, o material foi editado por seu ex-companheiro, com o intuito de preservar sua própria imagem, enquanto expunha covardemente a imagem da moça (Apenas Franciele aparece no vídeo). No mesmo dia, as gravações foram alvo de diversos compartilhamentos no Whatsapp, tornando-se cada vez mais acessadas.

Dois dias após o vídeo ser compartilhado, Fran relata que sua vida havia virado um inferno, tendo em vista que o link em que o material íntimo estava hospedado já havia alcançado milhares de visualizações e compartilhamentos. Além disso, a repercussão foi ainda maior por conta de um detalhe da filmagem. Franciele aparece no vídeo fazendo um sinal de “OK”. A partir disso, tornou-se piada na internet, sendo obrigada a observar diversas celebridades e desconhecidos que repetiam o sinal ao posar para fotos, conforme conta em entrevista concedida ao G1 e à TV Anhanguera, no ano de 2013.

O caso de Fran foi, possivelmente, o caso de maior repercussão nacional. Diante disso, a jovem conta na mesma entrevista ao G1 que teve sua vida radicalmente modificada. A jovem sustentava a si e à sua filha por intermédio do vínculo empregatício que exercia junto a uma loja. Ocorre que, após a sua exposição na rede, a manutenção do emprego se tornou inviável. Segundo Fran, “Chegavam na loja e ofereciam programa [sexual] para elas”. Alegou que fora afastada do trabalho até que a situação se acalmasse. No entanto, a jovem não tem certeza sobre a viabilidade de seu retorno: “Gosto muito de trabalhar lá. Mas não sei quando conseguirei voltar”. (G1, TV ANHANGUERA, 2013)

Dezoito dias após a divulgação, esses vídeos e fotos já haviam sido vistos por centenas de milhares de pessoas. Apenas um link para baixar essas imagens e vídeos já chega ao patamar de 200 mil acessos. Mas Fran só teve forças para expor a situação pela primeira vez no dia 23 de Outubro de 2013. Ademais, em todas as entrevistas concedidas após o ocorrido, a vítima optou por ter seu rosto poupado, pois alegou ter mudado seu visual buscando novamente ser uma pessoa anônima. 

Eu acho que as pessoas estão tendo uma opinião muito machista sobre a minha pessoa, elas acham que eu sou prostituta, que sou uma vadia. Mas agora eu quero deixar claro que, se aconteceu o que aconteceu, é porque eu confiava nele, eu tinha um relacionamento com ele há três anos. Então, chegou a um ponto que eu não consigo mais suportar as pessoas falando e me julgando. O que eu to passando eu não desejo nem a meu pior inimigo. Porque quando você morre, acabou, mas você não ter vida, estando viva, é muito difícil, você não poder sair é muito complicado. Eu parei minha vida totalmente. 

O material estava em uma pasta compactada que possuía senha, então não teria como ser outra pessoa que não meu ex. 

Eu sabia que estava sendo filmada. A gente tinha um relacionamento muito aberto, eu sempre fiz as vontades dele, sempre fiz o que ele queria. Então, filmar a relação era um jeito que ele tinha de me ter por perto. Ele dizia “quando tiver em casa, vou lembrar de você”. Mas nunca passou pela minha cabeça que ele iria compartilhar esse material, divulgar meu nome, meu telefone e o local onde eu trabalho. 

Eu queria ter a minha vida de volta e isso, seja ele condenado ou não, vai ser muito difícil. Voltar a trabalhar, estudar, a sair, ver gente, isso vai ser impossível. (G1, TV ANHAGUERA, 2013)

Um ano após a referida entrevista, Franciele conversou novamente com o G1 (GO) e afirmou: "Já até procurei emprego em outros lugares. Mas quando olham meu currículo, veem meu nome e onde eu trabalhei, se lembram do que aconteceu e não chamam". Fran teve consequências em sua vida pessoal e profissional, sendo certo que a repercussão e a memetização de seu vídeo contribuiu para os efeitos ainda mais devastadores. Válido ressaltar que o termo "memetização" é derivado do termo “meme”, que trata do fenômeno de propagação rápida de uma imagem ou vídeo na internet.

O processo criminal que Fran interpôs contra Sérgio, no qual seu ex-companheiro respondia por injúria e difamação, foi encerrado após uma audiência em Goiânia, no ano de 2014. O rapaz aceitou um acordo proposto pelo Ministério Público Estadual e terá de prestar serviços comunitários por cinco meses. Franciele, segundo entrevista ao G1, no mesmo ano, informou que essa não era punição suficiente. Afirmou ainda que a vida dele continuou normal, que as consequências desse ato atingiram apenas ela. Todavia, em uma visão otimista, Fran declarou: “eu quero que meu caso sirva de lição para outras meninas e para outras pessoas que passem pelo que eu passei, porque eu fui bastante forte de conseguir lidar com essa situação. Mas várias meninas não”.

Thamiris Mayumi Sato

Thamiris Mayumi Sato, 21 anos à época, residente em São Paulo (SP), estudante do curso de Letras da Universidade de São Paulo.

Em julho do ano de 2013, a jovem Thamiris decidiu romper seu namoro com Kristian Krastanov, de 26 anos, com o qual mantinha relacionamento há um ano e sete meses. Ocorre que, o ex-namorado não se conformou com o fim do término e passou a agir de maneira cada vez mais abusiva com Thamiris. Conforme contou a jovem em entrevista à Carta Capital (CARVALHO, 2013), Kristian alternava pedidos de desculpas com chantagens e ameaças acerca da divulgação na internet de fotos íntimas da garota.

Com o passar do tempo, a situação se tornou cada vez mais grave. Além das ameaças constantes, Kristian criou dezenas de perfis falsos em redes sociais e sites de pornografia forjando a identidade de Thamiris com o intuito de submetê-la a humilhação e constrangimento. Além disso, o ex-namorado forçava constantemente contato com a jovem, que já havia deixado claro o desejo em seu afastamento. A jovem relatou que Kristian chegou a ligá-la mais de quatrocentas vezes em um único dia, sem contar as dezenas de email’s que enviava a ela cotidianamente.

No dia 04 de Outubro do mesmo ano, diante da situação insustentável que havia se formado, Thamiris resolveu registrar Boletim de Ocorrência junto à 3ª Delegacia de Defesa da Mulher Oeste da cidade de São Paulo a fim de relatar e denunciar o assédio que vinha sofrendo, bem como uma ameaça de morte realizada por seu ex namorado, conforme contou na entrevista concedida à Carta Capital. O agressor, por sua vez, reagiu com ainda mais ameaças através de mensagens com os seguintes dizeres: “Como tem coragem de fazer isso comigo? Eu vou quebrar a sua cabeça, sua puta! [sic]. Você vai morrer e eu logo depois”. (BUZZI, 2015, p. 54)

Foi então que, no dia 31 de outubro, Thamiris foi vítima da exposição não consentida do material íntimo confiado ao ex-namorado. Ao disponibilizar as fotos, Kristian expôs a rede social da vítima, fazendo com que seu perfil passasse a ser visitado e solicitado por dezenas de homens com interesses sexuais. A partir disso, as proporções tornaram-se cada vez mais abrangentes, tendo em vista que o agressor vinculou suas fotos em links disponíveis para download em redes sociais, bem como em sites e blogs de conteúdo pornográfico.

Após meses de abuso psicológico e semanas de intenso sofrimento diante da exposição não consentida de sua intimidade, Thamiris resolveu, em um ato de coragem sublime, expor o agressor e contar, por si só, a sua versão da história – a versão da vítima que é sempre minimizada em detrimento da tendência conservadora da mídia, conforme exaustivamente exposto. Ela fez isso por meio de sua conta na rede social Facebook, em um relato ao qual cumpre atribuir especial destaque:

O que eu vou escrever agora me deixa extremamente desconfortável. Eu não queria esse tipo de exposição, mas depois de ter toda a minha intimidade exposta pelo meu ex-namorado Kristian Krastanove receber mais de 100 mensagens de pessoas desconhecidas, vou dar uma única resposta.

Para contextualizar, o nosso namoro era permeado por brigas e términos semanais e/ou mensais. Meus amigos podem confirmar isso. Estávamos ambos infelizes, ele vivia testando os meus limites e depois pedindo desculpas, porque “se eu realmente amasse, eu daria outra chance” e ficamos nesse lixo por um tempo incrível. Posso afirmar que ele continua testando os meus limites.

Já falei em outros posts sobre as ligações diárias dele, que de 20 passaram pro ápice dos 400 em questão de alguns meses. Foi em julho que as ameaças começaram: “eu vou colocar suas fotos nua e vídeos na internet”. Mas sinceramente, quão ridículo e baixo é ameaçar e mendigar amor e atenção com chantagens?

Tudo foi piorando e ficou mais do que claro de que conversa não adiantava. Quando ele me ameaçou de morte, eu resolvi agir e fui à delegacia de polícia da mulher fazer um boletim de ocorrência. Eu estava perdendo a minha cabeça.

Ele tinha hackeado meu e-mail da universidade, o qual eu recuperei a senha esses dias por algum milagre, e vi que um dos milhares de perfis falsos que ele criou para me atormentar estava vinculado ao meu próprio e-mail, além de um perfil se passando por mim num site pornô. Eu até colocaria o printscreen da tela aqui se não morresse de vergonha. Ele me enviava e-mails quase que diariamente.

Na madrugada do dia 31 de outubro de 2013 ele espalhou uma foto minha nua junto deste meu perfil do Facebook. Eu recebi umas 40 solicitações de amizade de desconhecidos e algumas mensagens indesejadas, algumas com a minha foto, outras sem. Perguntei para várias daquelas pessoas em que grupos eu estava e coisas do tipo. 

Eu pensei que aquela tivesse sido a pior madrugada da minha vida, chorando por horas a fio. Mudei a foto do perfil, coletei as evidências que consegui, mudei algumas coisas na seção de privacidade da conta e desativei o Facebook.

Dia 15 de novembro foi quando tudo aconteceu DE NOVO. Havia mais de 70 mensagens. Eu mandei um texto padrão para todos, pedindo ajuda, informação e falando sobre o que eu estava passando. O que eu descobri como sendo verdade é: minhas fotos estão numa pasta para download de um site chamado mega. Tem outro arquivo com minhas fotos, “mais completo”, também para download. Além de estar em vários grupos de putaria, falaram-me também sobre blogs e no aplicativo WhatsApp.

As mensagens não pararam de madrugada, e nem no dia seguinte inteiro. Alguns eu apenas ignorei. Mantenham seus comentários acerca do meu corpo para vocês mesmos. Eu não quero ouvir “com todo o respeito” que eu sou isso, isso e aquilo. Sério. Pedir ajuda à família dele foi algo totalmente imprestável. Quando pedi ao pai dele que destruísse todos os DVDs do Kristian, esta foi a resposta:

“Boa noite Thamiris, Peço que não envie sms. Não precisava ter feito o Boletim na polícia. Isso é traição, ainda mais por ele ter te ajudado durante 2 anos para que você conseguisse passar em suas provas de literatura russa. Pelo que sei, enquanto ele estava em Ribeirão Preto, você arranjou um amante. Isso significa que você o enganou por 2 anos? Você o chama de lunático e de alcóolatra. Também ameaçou de que relatará alguma coisa em grupos feministas da faculdade. Isso é uma ofensa pesada, e não deixa de ser uma ameaça também. Se for provado o contrário podemos acabar parando na justiça, e claro que espero que não chegue a esse ponto. Eu posso te prometer que suas fotos não irão ser publicadas na internet então fique tranquila. Peço, porém, que não fique mandando sms nem provoque meu filho. Repense na possibilidade de retirar a queixa para seguir o rumo de cada um normalmente. Procure não aparecer pra ele, não marque encontros, bloqueie de onde for possível para que não te ligue, não responda NADA e evite contato com ele. Dessa forma, ele logo irá te esquecer e encontrará outra garota mais merecedora. Assim como sua família está decepcionada com Kristian, a nossa família também está muito decepcionada com você!”

A minha resposta, caso alguém ainda esteja lendo:

“Traição é ele contar os meus segredos a uma pessoa que me odeia. Fazer o boletim de ocorrência é medida preventiva contra as ameaças de morte dele. Eu nunca traí o Kristian e muito menos arranjei um amante. Isso significa que você não sabe de nada, eu não enganei ninguém por dois anos já que o relacionamento durou bem menos do que isso, e sinceramente, eu não sei de onde surgiu essa ideia, porque trair eu nunca fiz.

Eu não ameacei contar ao grupo feminista da faculdade todas as ameaças dele. Eu disse que eu poderia ter feito isso se fosse pra acabar com a vida acadêmica dele, como ele sempre me diz que eu destruí a faculdade pra ele. Espero mesmo que o seu filho encontre outra garota mais merecedora. Só tenho pena caso ela resolva terminar o namoro com ele.” 

O que fazer quando a família do agressor sabe da situação toda e ainda o defende?
Pois é, Kristian. Você não queria me ver toda acabada e arruinada? Eu tenho certeza de que suas mensagens falando “vamos ser amigos, eu te perdoo, só volte pra mim” são apenas mais armas da sua tortura psicológica para testar os meus limites. Com seus 26 anos, você deveria ter o mínimo de maturidade na sua cabeça. Infeliz fui eu por ter sido a sua primeira. Primeiro namoro, primeiro beijo, primeiro tudo. Se eu pudesse voltar no tempo, desejaria nunca ter olhado na sua cara.

Nos meus momentos mais egoístas, eu admito que é muito atraente a ideia de cortar meus pulsos ou tomar todos os comprimidos que eu encontrar com alguma bebida alcoólica bem forte. Mas eu não vou te dar esse gosto da vitória.

Ainda que neste momento eu seja parte das estatísticas das vítimas de ex-namorados imaturos, eu nunca serei parte das que se suicidam por causa disso. Algum dia eu vou parar de chorar o tempo todo, eu vou recuperar as minhas forças, e mesmo que a justiça ainda seja falha no quesito de crimes virtuais desse tipo, estamos caminhando para leis melhores. O que você fez comigo eu não vou perdoar nunca. (SATO, 2013)

Depois de publicar o relato intitulado de “Meu desabafo como vítima de RevengePorn”, Thamiris reiterou, em sede de entrevista à Carta Capital, que cogitou suicídio como forma de pôr fim a sua dor. Outrossim, relatou que após todo o constrangimento perpetrado pela exposição, ainda teve que lidar com o julgamento das pessoas que constantemente a crucificavam por “aproveitar sua intimidade da forma que deseja”. Ademais, chamou atenção para o duplo padrão de tratamento conferido a homens e mulheres, demonstrando que inexiste combate generalizado em favor das minorias. Enfim, revelou sentir medo de retornar ao curso que fazia, principalmente por ter como sede a mesma universidade de seu ex namorado. (CARVALHO, 2013)

 A publicação acima citada não está mais disponível na página do Facebook da vítima. No entanto, BUZZI (2015) menciona que até junho do ano de 2015 a publicação havia sido compartilhada 2.789 vezes na rede social. Informou, ainda, que após alcançar judicialmente uma ordem de restrição em relação ao agressor, a jovem retomou o curso de letras. Sendo assim, Thamiris se tornou um símbolo de combate a relacionamentos abusivos, por meio de seu relato, demonstrando toda a covardia a qual foi submetida.

Júlia Rebeca dos Santos

Júlia Rebeca dos Santos, 17 anos à época, residente em Parnaíba (PI), estudante.

A partir do dia 05 de novembro de 2013, a adolescente Júlia Rebeca dos Santos passou a demonstrar um desconforto emocional ao postar diversas frases em seu perfil na rede social Twitter, bem como postagem junto ao Instagram. A jovem compartilhou diversos desabafos, evidenciando um descontentamento e sentimento de revolta: “Vocês não sabem nem da metade da minha vida para sair espalhando o que vocês bem entendem”, entre outras frases. Três dias depois, Júlia afirmou “Estou cansada de fingir sorrisos, de fingir que estou feliz quando na verdade, por dentro to despedaçada”, além de mencionar que “Queria sumir para saber quem sentiria minha falta, daí veria quem eram os verdadeiros”, conforme informações obtidas pelo portal local “Blog 180 Graus em 2013”.

No dia 09 de novembro, passou a dar indícios da razão de sua tristeza: “Tenho um vídeo muito louco”, entre outras publicações que demonstravam uma tendência depressiva. No dia seguinte as postagens tornaram-se ainda mais intensas, a adolescente postou uma montagem com sua mãe em seu Instagram com a seguinte legenda: “Eu te amo, desculpa eu não ser a filha perfeita, mas eu tentei. Desculpa, desculpa, eu te amo muito mãezinha...desculpa, desculpa! Guarda esse dia 10.11.13”. Logo após isso, a jovem postou as seguintes palavras em seu Twitter: “É daqui a pouco que tudo acaba!” e “Estou com medo, mas acho que é tchau para sempre”. 

Pouco tempo após postar essas palavras, a jovem Júlia se suicidou em seu quarto por meio de enforcamento com o fio da prancha alisadora, sendo encontrada por sua tia. Os familiares declararam não entender o que havia acontecido. Até que, no momento do sepultamento, um dos primos da vítima recebeu um vídeo com teor íntimo de Júlia e contou ao resto da família, que tomou as providências necessárias junto à Polícia por acreditar que esse havia sido o motivo do auto-estrangulamento, consoante informações veiculadas pelo G1. (ANDRADE, 2013)

Em entrevista ao Fantástico, na época do ocorrido, a mãe da vítima confirmou o desconhecimento da família acerca das motivações da filha, bem como se posicionou no tocante à circulação e existência desse vídeo íntimo “Ela não demonstrou nada, nada. Todo adolescente tem o direito de ser adolescente. Eles são inconsequentes mesmo. Essa exposição toda, do vídeo, da imagem da minha filha, é uma violação.” (Ivânia Sália, 2013). A fala de Ivânia demonstra compreensão face a situação pela qual sua filha foi vítima. 

A motivação de Júlia se deu pela repercussão da divulgação não autorizada de gravações em que aparecia durante o ato sexual com seu namorado e uma amiga do casal – importante ressaltar que todos eles eram menores de idade. Nos dias subsequentes ao compartilhamento, a gravação espalhou-se rapidamente pela internet, sendo vista por milhares de pessoas desconhecidas e também do ciclo social de Júlia, pois a cidade de Parnaíba (PI) é pequena e todos se conhecem. (BUZZI, 2015, p.57)

Mesmo após os efeitos trágicos e fatais, Júlia continuou tendo sua imagem exposta na Internet. Seja pela abordagem midiática desrespeitosa, seja pela comercialização do vídeo no âmbito internacional. Nesse ínterim, um blog intitulado “Blog da Mulher Cristã” divulgou o caso de forma a contemplar a culpabilização da vítima, bem como atenuar os efeitos da exposição não consentida. Tal discurso demonstra que a mulher, quando no exercício de sua sexualidade, não é respeitada nem mesmo após seu falecimento, conforme se observa pela seguinte passagem: 

Ela gostava da Miley Cyrus e falava palavrão com facilidade. Gostava de sexo e não escondia isto de ninguém. Ela brigava com a mãe e também se sentia infeliz com frequência. É o que eu sei da Julia Rebeca e você também pode saber, lendo seus tuítes. Foi por lá, inclusive, que ela avisou que iria se matar, que poria fim ao sofrimento e pediu desculpas à mãe. A grande mídia creditou seu suicídio – com o fio da chapinha – à exposição que seu vídeo teve. (BERTOTTI, 2013)

Ademais, no dia 18 de novembro de 2013, conforme reportagem realizada pelo G1, o site “SP News” anunciou a comercialização online do vídeo íntimo que levou Júlia a cometer suicídio. Por um valor de R$ 4,90 (quatro reais e noventa centavos) ofereciam o material para todo o mundo, tendo em vista ser uma página hospedada fora do país. Desse modo, a história dessa jovem demonstra como o fenômeno da Pornografia não-consensual se manifesta com efeitos continuados e até permanentes na vida da vítima e de seus familiares. 

Não se sabe ao certo quem teria divulgado o vídeo e, mesmo após um ano de investigações, não foi possível identificar o responsável. (G1 – Piauí, 2014). Isso demonstra uma grande falha existente no rastreamento de delitos cometidos pelo meio virtual – conforme será abordado oportunamente neste trabalho - haja vista que até Julho de 2018 não há veiculação de quaisquer notícias sobre a responsabilização do(s) agressor(es).

Giana Laura Fabi

Giana Laura Fabi, 16 anos à época, residente em Veranópolis (RS), estudante.

Apenas quatro dias separam o óbito de Giana Laura Fabi e Júlia Rebeca dos Santos. No dia 14 de novembro de 2013, Giana foi encontrada morta em seu quarto, enforcada por intermédio de um cordão de seda, na cidade de Vereanópolis, no Rio Grande do Sul. A motivação do suicídio se deu a partir da divulgação não consensual de uma foto íntima da adolescente, bem como das possíveis consequências do compartilhamento para a sua vida. 

Giana tinha um perfil na rede de comunicação Skype e, durante uma conversa com um colega de turma, tirou seu sutiã frente à webcam e mostrou-lhe seus seios. Todavia, durante muito tempo, Giana sequer imaginava que esse material havia sido salvo pelo amigo. O colega, por sua vez, salvou a foto - por meio da ferramenta chamada de print screen, que é captura de tela, à grosso modo - e a manteve guardada, em sigilo. Especula-se que a motivação do garoto era utilizar a imagem como uma espécie de chantagem em face de Giana. (DIP, AFIUNE, 2013)

A chantagem experimentada pela garota tinha como finalidade estabelecer um relacionamento entre eles. No entanto, Giana não estava interessada e, pouco tempo depois, estabeleceu relacionamento com outro rapaz. A partir desse momento, o agressor, em ato motivado por vingança, resolveu enviar a foto aos amigos e, rapidamente, a imagem se espalhou pela pequena cidade de Vereanópolis, bem como por toda a internet.

Até o dia 14 de Novembro de 2013, Giana não tinha conhecimento acerca da divulgação e exposição de sua imagem. Charline Fabi, prima da vítima, recebeu a imagem por meio da rede social WhatsApp e imediatamente ligou para saber como Giana estava diante de toda essa situação. No entanto, segundo Charline, a adolescente ficou surpresa e espantada com a informação, demonstrando desconhecimento sobre a distribuição de sua imagem na web. Após desligar o telefone, as primas continuaram conversando. Foi quando Giana demonstrou sua decepção e constrangimento diante da violação de sua imagem. (DIP; AFIUNE, 2013)

Segundo a fala de Charline, conforme reportagem do site Agência Pública, Giana disse que iria fazer uma besteira, demonstrava sua preocupação em causar algum tipo de vergonha para a família e chegou a, inclusive, proferir palavras de despedida a prima – “Eu te amo, obrigada por tudo amor. Adeus” (DIP; AFIUNE, 2013). Foi então que, às 12h56min, Giana publicou em seu Twitter os seguintes dizeres: “Hoje de tarde eu dou um jeito nisso, não vou ser mais estorvo para ninguém”.

Após a referida postagem, a prima tentou estabelecer contato novamente com a prima, contudo não obteve êxito. Então, buscou estabelecer contato com seus pais e com os familiares da vítima para buscar ajuda. O irmão da adolescente, Jonas Fabi, pulou o muro do domicílio e encontrou o corpo da irmã em seu quarto. Segundo entrevista concedida à Carta Capital, Jonas alega que o fato de a cidade ser pequena e a família conhecida, podem ter contribuído para sua autoculpabilização e pelo medo de causar vergonha aos familiares, o que resultou em seu óbito. 

Esse foi mais um caso de uma adolescente vítima da exposição não consentida de seu corpo e que teve consequências letais. Assim como Júlia Rebeca, mesmo após seu falecimento, Giana foi ainda vítima de slut-shamming. De tradução livre, Slutshamming é o ato de degradar as mulheres por conta de seus comportamentos sexuais, modo de se vestir, quantidade de parceiros, etc. O ato serve à lógica de dominação machista, tendo como objetivo oprimir mulheres e restringir sua liberdade sobre seu próprio corpo, bem como referenciá-la de forma depreciativa.

Em sua página do Facebook, desconhecidos proferiam palavras machistas, bem como afirmaram que ela teve o destino merecido. (NOGUEIRA, 2013)

Encantado (RS)

A cidade de Encantado, localizada no interior do Rio Grande do Sul, é um local de pequena área e população. Contando atualmente, segundo censo do IBGE/2016, com aproximadamente 22 mil habitantes, o município ganhou destaque em manchetes de todo o país devido a uma onda generalizada de casos de RevengePorn envolvendo habitantes da cidade, por volta do mês de abril do ano de 2015. 

A exposição se deu, inicialmente, por meio da rede social WhatsApp, em um grupo intitulado de “Ousadia e Putaria”. O grupo quando foi criado, no ano de 2014, possuía apenas seis membros. Contudo, em menos de um ano esse número se multiplicou chegando a mais de cem participantes. Inicialmente, a proposta era o compartilhamento consensual de fotos e vídeos privados nesses grupos, sendo certo que foi acordado que o material só teria seu acesso permitido para aqueles membros. 

Ocorre que, conforme o grupo foi crescendo, diversas gravações foram divulgadas de forma não consensual pelos integrantes da rede. Em diversos casos, as vítimas relatam o envio do material íntimo aos namorados, que divulgavam os vídeos no referido veículo sem requerer sua permissão. Uma das jovens exposta, por exemplo, em entrevista ao site Sul21, informou que: 

“Logo que soube da notícia e vi o material, questionei meu ex namorado, o porquê dele não ter apagado na época e em como as pessoas teriam esse material. Me respondeu que as tinha salvo em seu HD externo e que também não fazia ideia de como elas teriam chegado às mãos de outras pessoas. 
Estou ficando muito dentro de casa, porque as pessoas ficam passando na frente da minha casa devagar e olhando com curiosidade. Claro que no primeiro momento eu queria sumir, mas penso que não está acontecendo só comigo e não posso desistir, estou fazendo isso para encorajar outras meninas que também foram vítimas desse tipo de crime” (FOGLIATTO, Sul21, 2015)

Em uma audiência ocorrida na Câmara Municipal de Encantado para tratar sobre a situação, foram lidos depoimentos de algumas das vítimas. Uma delas, com 24 anos, relatou: “Por que esses dias são tão difíceis? Porque julgam a educação que eu recebi, minha intimidade, julgam o que eu devia ou não ter feito”. Uma das garotas expostas teve efeitos ainda mais graves, com apenas 13 anos, tentou suicídio ao cortar seus pulsos. No caso da adolescente, foi um ex-namorado quem enviou o material para o grupo, segundo suas próprias palavras: “Eu tinha um namorado que passava confiança. Ele mandou foto e pediu uma também. Mandei uma fotografia com calcinha e sutiã. Agora todos riem de mim. Meu pai disse que não sou um exemplo de filha”. (SPERB, 2015).

Outras vítimas, também de nome não identificado, resolveram levar o caso à polícia para registrar boletim de ocorrência e buscar o fim da exposição a qual foram submetidas. Ocorre que o estagiário que trabalhava junto à Delegacia Municipal, enviou fotos dos documentos de relato das vítimas aos membros do grupo – responsáveis pelo vazamento. Conforme afirma o Delegado João Antônio Merten Peixoto, o rapaz estava no grupo onde foram compartilhadas algumas das fotos. Ele teria enviado o Registro de Ocorrência para demonstrar a proporção que as exposições haviam tomado. O rapaz de 17 anos foi desligado das funções. (FRAGA, G1 RS, 2015)

Além disso, a mídia, enquanto instituto de manutenção da ordem patriarcal – como já mencionado, foi responsável, mais uma vez, por promover a culpabilização das vítimas, tornando o fenômeno com repercussão ainda maior na vida das mulheres expostas. Sabe-se que os veículos de comunicação têm um grande impacto na formação de opiniões, sendo assim, a polêmica se tornou ainda mais grave a partir da manifestação do jornal Antena, principal ferramenta da imprensa na pequena cidade de Encantado.

Conforme informações do site Sul21, No dia 25 de abril, Adriano Mazzarino, colunista do referido jornal, publicou em sua coluna a foto de duas meninas vestindo minissaias e, junto à imagem, afirmou na legenda que: “Na rede WhatsApp as cenas congeladas acima mostram uma moça de Encantado que decidiu se soltar frente a câmera”. Além disso, uma declaração emitida em 23 de abril de 2015 por JuremirVersetti, proprietário e colunista do Jornal Antena, em sua página pessoal no Facebook demonstra as facetas que as ferramentas midiáticas podem tomar: (FOGLIATTO, 2015): 

Estão aparecendo quase que diariamente fotos e vídeos de jovens nuas de nossa região na internet. Se essas moças não se valorizam, então elas que tenham dó dos seus familiares. Alguém me disse que elas precisariam de um acompanhamento psicológico. Tem remédio sim, uma boa cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido, isso sim ajudaria e muito no psicológico delas. Vamos crescer e amadurecer aí moçada. Ou vocês acreditam que o namorado de hoje será o esposo de amanhã? (VERSETTI, 2015)

Até o dia 20 de Julho de 2018, o post tem o total de 677 curtidas, 213 comentários e 29 compartilhamentos. O espaço próprio para comentários no Facebook imediatamente adquiriu contornos semelhantes a um tribunal inquisitorial, predominando uma dualidade de opiniões sobre a mesma situação: de um lado pessoas concordando com o posicionamento do Autor da postagem, ou seja, atribuindo a maior parcela de culpa às mulheres; e de outro, homens e mulheres revoltados com a forma com que as jovens de Encantado haviam sido crucificadas pela exposição de sua sexualidade, ao passo que a mídia da cidade conferia impunidade à ação de compartilhamento dos responsáveis – importa ressaltar que a quantidade de comentários com teor de culpabilização da vítima são infinitamente superiores aos de apoio. É possível observar essa dupla interpretação a partir da leitura de alguns comentários que ainda estão disponíveis no referido post:

Andréia Dalla Vechia: DEPOIS dizem que os homens são sem vergonhas...ELAS que ficam provocando e se oferecendo por ai...APOIADO JuremirVersetti!

Silvane Tomasi Depois da surra posto a foto do antes e do depois... Tenho uma filha...Deus queira que eu não precise fazer isso...mas já está avisada...

Janaína Matiello Eu já disse e volto a falar, botar a culpa na menina é só pra incentivar os panacas que espalham essas fotos. Toda história tem dois lados, porque só as meninas são as culpadas então

InesSangalli Parabéns JuremirVersetti concordo plenamente pura falta de laço elas perderam totalmente o respeito consigo mesma isto é ridículo.

Juliano Porto Schveiger Mas porquê esses pais não procuraram educar ou corrigir suas filhas?Não teria acontecido isso. Se é pecado os homens repassar essas fotos ou vídeos, não seria pecado as meninas enviar esses vídeos e fotos aos outros? Só acho. O erro e sempre dos outros nunca delas.

Diva Pereira algumas mulheres confundem liberdade com libertinagem.

RosianaHenschel ACHO que primeiro a mulher deve se valorizar claro que os homens que estão espalhando têm culpa, mas como pode uma menina ser tão idiota de se deixar fotografar por um homem sabendo como esta o mundo de hoje, ou mandar uma foto nua p ele é muita burrice ou sem vergonhice mesmo né, agora vão dizer que a culpa é só de quem espalha? Faça-me o favor né. Mas culpada é elas. Porque é a mulher que leva a fama de vagabunda e quem sofre e a família.

Alessandra Malaggi Jure, com todo o respeito que tenho a ti e a tua opinião, assim como tenho com a opinião dos demais que postaram aqui, preciso dizer que discordo completamente. É triste a inversão de papéis que é feita em nossa sociedade.  Enquanto as verdadeiras vítimas estão em casa, trancafiadas e sofrendo, os agressores estão sendo aplaudidos. Isso é preocupante. Sim, essas gurias são vítimas. Em tese, tudo que é feito na constância de uma relação íntima é baseado em uma confiança preexistente entre ambos. E, mesmo que não haja relação, a pessoa jamais faria algo caso tivesse certeza absoluta que cairia na internet - somente caso fosse extremamente exibicionista, mas isso é outra história. O que mais me dói é ver que as mulheres são as que mais humilham suas semelhantes, vide a grande maioria de postagens aqui, que é feminina. Mulheres com pensamentos machistas, em pleno século 21. 

Laura LorenziBotassoli Gente, gente, gente, isso é assustador, culpabilizar a vítima? Espero que haja retratação pois a dor de uma é a dor de todas. Não nos calaremos! O jornal deveria estar abrindo espaço para diálogo, esclarecimento, colocar o quão perigoso e ilegal é fazer divulgação de imagem sem consentimento, mostrar que isso é crime, como tais atitudes afetam a vida da vítima e não compactuar com ofensas. Existem leis, existem outros canais de mídia fora de Encantado, não pensem que a história acabará aqui, nesses comentários.

Apesar de toda essa repercussão negativa, destaca-se o surgimento de um coletivo feminista independente composto por jovens de Encantado e região, que através das redes sociais, tem problematizado as questões de gênero na sociedade. A organização, além de idealizar uma passeata de apoio às meninas, comentou a seguinte nota de repúdio no post supramencionado: 

NOTA DE REPÚDIO:

Infelizmente, tem se tornado cada vez mais comum a divulgação de imagens íntimas de mulheres da nossa região. Essa categoria de humilhação é conhecida como Porn Revenge, que significa “vingança pornográfica”, esse crime tem vitimado, humilhado e perseguido mulheres, levando algumas delas ao suicídio. 

Diante desses acontecimentos na cidade, o Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari exprime a sua indignação e reprovação total dessas atitudes covardes, cometidas por pessoas mal intencionadas, interessadas em expor e humilhar nossas irmãs. Enviar imagens sensuais, requer uma relação de confiança e em nenhum momento acreditamos que o crime está no envio das mídias, mas sim, na quebra dessa confiança e na divulgação sem a permissão delas. Portanto, se existe um culpado pela viralização das mídias, é tão somente o responsável por difundi-las. 

Ora, vivemos em uma sociedade hipócrita, erguida sobre os valores patriarcais e machistas, portanto faz parte do senso comum acreditar que uma mulher deve se dar ao respeito, quando na verdade ele já deveria nos pertencer por direito. Nós, do Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari, queremos deixar claro que a sexualidade e a sensualidade não são de exclusividade masculina, ou seja, nenhuma mulher merece ser desrespeitada e discriminada por sua vida íntima, já que os homens não o são, nem mesmo quando fazem parte de um grupo chamado “Ousadia e Putaria”. 

REPUDIAMOS E REJEITAMOS a posição e o caráter de “fofoca” do colunista Adriano Mazzarino do Jornal Antena, bem como as declarações misóginas (ódio ao sexo feminino) do “jornalista” Juremir Versetti, onde defende a ideia de que a vítima deve ser violentada com “cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido” (nas palavras do próprio). Acreditamos que o “jornalista” e integrante do Jornal Antena, Juremir Versetti, é influente no cotidiano dos encantadenses, portanto, deve ter responsabilidade sobre o que divulga. Fofoca não é jornalismo e o espaço deveria ser utilizado para informar a população, derrubar preconceitos e difundir o respeito, em busca de uma sociedade mais justa. Nós, do Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari EXIGIMOS uma retratação oficial do Jornal Antena, bem como do seu sócio-diretor Juremir Versetti e não mediremos esforços para levar o caso ao Ministério Público.

Cremos, também, que aqueles que se colocam no direito de julgar essas mulheres são hipócritas, pois ninguém está livre de ser exposto e humilhado dessa forma, afinal, todos têm ou terão uma vida sexual, homens e mulheres. A diferença é que quando a sexualidade de um homem é exposta, ele não é perseguido, humilhado e discriminado, muitas vezes é encarado com admiração. Por outro lado, quando se trata da NOSSA sexualidade, a sociedade hipócrita e machista pensa que não somos dignas de respeito se não formos “puras”, “virgens” e “discretas”. Não temos a obrigação de possuir tais qualidades, muito embora, as pessoas têm a obrigação de nos respeitar como somos. Em infeliz postagem no Facebook, o “jornalista” Juremir Versetti além de culpar as vítimas do “Porn Revenge” sugere que essas mulheres sejam violentadas fisicamente também, reforçando o estigma de dominação sobre nossos corpos, estigma este que gera violência e incentiva a cultura do estupro.

O Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari exige a punição dos criminosos que divulgam essas imagens, bem como o fim dessa forma de exposição vexatória. Estamos dispostas e unidas para lutar por igualdade, respeito e o FIM DO MACHISMO e das demais formas de opressão. 
Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari, Encantado, 27 de abril de 2015.