Cada Estado da federação possui competência normativa para fixar valores mínimos para a execução do crédito tributário. Não se exige lei formal, à medida em que o juízo de oportunidade de conveniência para esse fim pode ser disciplinado por ato administrativo normativo, via de regra, por Portarias ou Resoluções.
Questiona-se, no entanto, se essa diretriz se coadunaria com o princípio da inderrogabilidade da pena de multa. É razoável determinar valores mínimos para a execução da pena de multa? E os fins da pena? Determinar valor mínimo para executar pena de multa não violaria as funções da pena (retributiva e pedagógica), também aplicáveis às penas pecuniárias, a medida em que a coercitividade estatal não seria de plano impedida face a não propostitura da ação pelo valor mínimo imposto?
Assim sendo, a multa penal se não adimplida voluntariamente pelo condenado, no Juízo de Execução Penal, o Promotor de Justiça tem o poder-dever de cobrar o valor do referido crédito, mas ainda sem novo processo, e no curso da carta de execução de sentença-CES.
No Juízo da Execução Penal, frise-se, o crédito é cobrado na sua integralidade aplicando-se a correção monetária ao tempo da cobrança. No entanto, se não adimplida a multa penal e esgotadas as tentativas, remete-se ao Juízo da Execução Fazendária, a Dívida Ativa, para a cobrança coercitiva, segundo a legislação aplicável própria (Lei 6830/80). Nesse segundo cenário, haverá limitação ao crédito não tributário decorrente da multa criminal! Reafirme-se que tal limitação é completamente incongruente com a natureza da PENA de multa, eis que a ela ínsito o princípio da inderrogabilidade.
Oportuno aqui frisar acerca do comando normativo previsto no artigo 11 do Código Penal: “ Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro.” Relembre-se, também, o comando normativo previsto no artigo 50,parágrafo 1º do mesmo Código: “ A cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando: a) aplicada isoladamente; b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direito; c) concedida a suspensão condicional da pena.
Portanto, não só pelo Princípio da Inderrogabilidade da Pena, mas também pelo disposto no artigo 11 do Código Penal, não é possível reduzir o quantum imposto na sentença condenatória!!! Trata-se de violação frontal ao texto legal e ao texto constitucional.
Leve-se em conta, também, o patamar que a multa penal pode alcançar na legislação especial, a exemplo do artigo 44 da Lei 11.343/06, quando é possível o aumento em até 10 vezes o valor máximo, nos casos previstos nos artigos 33 usque ao 39 desse diploma normativo; a Lei n. 9297/98, no artigo 197, quando também é previsto o aumento em até 10 vezes no casos de condenados por crimes contra a propriedade industrial e, a Lei n. 7492/96, em que há previsão, da mesma forma, de aumento da pena de multa em até 10 vezes nos crimes contra o sistema financeiro. Tratando-se essas hipóteses de um elenco meramente exemplificativo.
Só caberá, a nosso ver, a arguição da inconstitucionalidade, incidenter tantum ou por via direta (artigo 103 da Constituição da República), a fim de que o absurdo já institucionalizado continue a gerar efeitos acabando, por completo, a pena de multa e, por conesqüencia, o fundo penitenciário nacional. Do contrário, o sistema carcerário brasileiro continuará caótico pela suposta “falta de verbas”.
Alguns casos em concreto de Estados da Federação na fixação do limite normativo aplicado para a execução da pena de multa
São Paulo - Lei Estadual n. 16.498/2017 e Resolução PGE-21, de 23/08/2017. Artigo 1º- Não será proposta execução fiscal visando à cobrança dos débitos abaixo relacionados, quando o valor da causa for igual ou inferior a 1.200 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESPs): inciso XIV- multas criminais impostas em processos criminais.01 UFESP, ano 2020- R$ 27,01 ( ano 2019—Ufesp- R$16,53/ 1200 Ufesps- R$ 31.836,00). O valor de 1.200 UFESP, no ano 2020: R$ 33.132,00
Rio de Janeiro - Lei Estadual n. 8646, de 09/12/2019. Valor mínimo para ajuizamento de execuções fiscais- Resolução PGE 2436, de 14 janeiro de 2008. Decreto 46.362, de 16/07/2018.Resolução PGE/RJ n.2436/, de 14 de janeiro de 2008 , que trata sobre o “valor mínimo para ajuizamento de execuções”-Não ajuizamento de execução fiscal se o valor for inferior a 2.136,03 UFIrs.Decreto n.27.518/200 institui as UFIRs (Decreto 27.518, de 28/11/2000)Secretaria Fazenda determina o valor do valor unitário da Ufir/RJ- R$ 3,5550 Para a propositura de uma ação de execução fiscal no Estado do Rio de Janeiro, para créditos tributários e não tributários (multa criminal) - Valor Total: R$ 7.593,58665 arredondando seria R$ 7.593,5 ou R$ 7.593,58.
Distrito Federal - artigo 4º da Lei Complementar n.904, de 28/12/2015 (Dispõe sobre racionalização ao ajuizamento de execuções fiscais, regula a inscrição e cobrança da dívida ativa do Distrito Federal, e dá outras providências). Não inscrição em dívida ativa de créditos tributários e não tributários, cujo valor consolidado, por devedor, seja inferior a R$ 350,00.
Espírito Santo- Ato Normativo n. 06, de 07/06/2017. Neste não são previstos limites à execução da pena de multa, mesmo quando aplicada normas de natureza fazendária, tendo em vista tratar-se de dívida de valor.
Ao fim desse estudo não é difícil constatar o quanto a legislação fazendária aplicada à multa, como dívida de valor, fulmina à sua própria existência inviabilizando o pagamento, quando a razão do processo é justamente oposta.
O instrumento passou a ser um fim em si próprio anulando créditos valiosíssimos para a estrutura do Estado.
Além da existência de um “funil” para o crédito decorrente da multa impaga seja instrumentalizado no Juízo não penal,no processo de execução fiscal, há o desvio de receitas advindas da multa criminal para outros setores do Estado, inobstante o vasto elenco de funções a serem desempenhadas pelo fundo penitenciário.
Leva-se à reflexão o limite do juízo de conveniência e oportunidade na fixação dos referidos patamares mínimos ao argumento da suposta economicidade, levando-se os custos de um processo de execução fiscal. A disparidade de valores apontados nos Estados da Federação, em três exemplos trazidos à colação nesse trabalho, a toda prova, já é suficiente para essa conclusão.
Reforça esse pensamento levar-se em conta que há grande tecnologia disponível aos operadores do direito, os Procuradores da Fazenda, não só quanto a ferramenta do processo eletrônico e mesmo com o uso da inteligência artificial (robótica) na seara do Direito.
Há outras vias de cobrança do crédito fazendário, mesmo sem os limites mínimos retromencionados, a exemplo da cobrança pelo protesto extrajudicial da certidão da dívida ativa. Entretanto, quiçá ocorre na praxe forense essa modalidade quanto as penas de multa criminal.
Não objetivando transbordar os limites desse estudo, critica-se, também, o patamar mínimo para execução de créditos na Dívida Ativa da União pela Fazenda Pública Nacional, sendo certo que a pena de multa não está aqui inserta. Nessa linha, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional aumenta para R$20.000,00 o limite mínimo para se ajuizar execuções fiscais para débitos com o Fisco. Até então o valor era R$10.000,00.
Estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada), como órgão consultivo em janeiro de 2012, para elaboração de ato administrativo normativo, aponta que ações de execução de dívidas menores do que R$ 21.700,00, a União dificilmente consegue recuperar valor ou igual ao custo do processo judicial.
Por fim, a título de reflexão urge formular a indagação: São razoáveis os valores apontados para o não ajuizamento de uma ação de execução fiscal dentro do cenário econômico brasileiro? Sequer o processo é proposto, sequer há tentativa de cobrança extrajudicial através do protesto da certidão da dívida ativa, simplesmente adota-se a medida de não utilizar a máquina estatal para o recolhimento de receita, aprioristicamente, desnecessária para os cofres públicos e pronto!?
Esses patamares valorativos violam, no mínimo, o Princípio da Moralidade Administrativa estatuído no artigo 37, caput da Constituição da República. A inconstitucionalidade é flagrante e merece desafiar arguição de inconstitucionalidade, por qualquer de suas formas, para dar coesão ao fim colimado pela norma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BETTIOL, G. Instituições de Direito e Processo Penal. Coimbra: Coimbra Editora Ltda, 1974.
CAMPOS, Ronaldo Cunha. Ação de execução fiscal. Rio de Janeiro: Ed. Aide, 1995.
CARRARA, Francesco. Programa de Direito Criminal – parte geral, v. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 1957.
MESTIERI, João. Teoria elementar do Direito Criminal. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1990.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal - parte geral. v. I. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
SOLER, Sebastián. Derecho Penal Argentino. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992.