É a partir da Lei de Crimes Ambientais, Lei nº.9.605/98, que foi regulamentada a norma constitucional prevista no artigo 225, §3º, prevendo uma série de crimes ambientais e colocando como sujeito ativo do crime não só as pessoas físicas, mas também a responsabilidade penal da pessoa jurídica, vide artigos 2º e 3º da LCA :
“Art. 2.º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 3.º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo.”
O implemento da responsabilização da pessoa jurídica por crimes teve como influência o Direito francês. No entanto, diferente do que ocorreu na legislação pátria, o legislador francês teve o cuidado de, além de prever a responsabilização da pessoa jurídica no direito material, trazer normas para melhor aplicação das execuções penais às pessoas jurídicas no direito processual.
No Brasil, apesar do grande avanço no reconhecimento da responsabilização da pessoa jurídica em âmbito penal no direito material, não foi recepcionada pelo direito processual. Nesse sentido, Luiz Regis Prado (2019, p. 191) aborda :
“[…] o legislador de 1998, de forma simplista, nada mais fez do que enunciar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, cominando-lhe penas, sem lograr, contudo, instituí-la completamente. Isso significa não ser ela passível de aplicação concreta e imediata, pois lhe faltam instrumentos hábeis e indispensáveis para a consecução de tal desiderato.”(PRADO, 2019, p. 191)
Essa falta de norma regulamentadora no processo penal, a fim de harmonizar o que é tutelado na LCA com a efetiva execução da pessoa jurídica, traz margem para que o juiz, no momento da responsabilização em si, decida como bem entender quanto ao sistema de imputação penal da pessoa jurídica.
Apesar dessa lacuna, a responsabilidade penal por crimes ambientais tem sua grande importância no ordenamento jurídico brasileiro, como uma terceira forma indispensável de impor sanção àqueles que cometem crimes contra o meio ambiente, levando em consideração não só o caráter sancionador do dano já ocorrido, mas também o preventivo, evitando condutas que podem ser desastrosas contra a natureza.
Quanto às penas aplicáveis à pessoa jurídica, na parte geral da Lei de Crimes Ambientais, está previsto, no artigo 21 da LCA, três tipos de espécies: pena de multa, restritiva de direitos, que se subdivide em suspensão parcial ou total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, e prestação de serviços à comunidade, podendo ser aplicáveis de forma isolada, cumulativa ou alternativamente aos entes morais.
1. Da pena de multa
No que se refere a pena de multa, esta pode tornar-se ineficaz pelo valor insignificante frente às empresas de grande porte, haja vista sua fixação não ter tido como parâmetros as pessoas jurídicas de grande porte, mas sim pessoas físicas, vez que seus critérios estão previstos no artigo 49, caput, do Código Penal , que, mesmo calculada seguindo a regra do artigo 18 da LCA, poderá ter sua quantia ínfima se comparada aos lucros que ela possui. Paulo Affonso Leme Machado (2013, p. 838) usou os parâmetros previstos no ordenamento penal brasileiro para o cálculo dos dias-multa e chegou à seguinte conclusão:
“Calculando-se pelo salário-mínimo vigente em 2012 (R$ 622,00). temos que 1/30 do salário-mínimo mensal corresponde aR$ 20,73. Assim, levando-se em conta que o mínimo da pena de multa é de 10 dias-multa. temos que a pena de multa mínima é de R$ 207,33 e a pena máxima é de R$ 3.110,00. Considerando-se a possibilidade de triplicar a pena de multa máxima (art. 18 da Lei 9.605/1998), resulta numa pena máxima de multa para a pessoa física ou jurídica de R$ 15.550,00.” (MACHADO, 2013, p. 838)
Mesmo com base no salário-mínimo vigente atualmente, cujo acréscimo foi somente o dobro do valor à época, e usando o limite máximo para valoração do dia-multa, que corresponde ao limite máximo a cinco vezes o salário-mínimo, ainda assim a pena de multa não teria o condão de punir uma empresa de grande porte. Segundo o site do Observatório de Mineração, as empresas Vale e BHP, que respondem penalmente sobre o rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG, lucraram cerca de R$162 bilhões de reais em apenas 4 anos. Não há que se falar em pena de multa, mesmo em sua incidência máxima, para empresas que lucram tamanha quantia. É uma pena ineficiente.
Luiz Regis Prado (2019, p. 200) entende que, para melhor aplicação da pena de multa às pessoas jurídicas, “preferível seria a mantença de critério único– situação econômica do réu–, com a elevação do fator de multiplicação.”
Ainda, Paulo Affonso Leme Machado (2013, p. 838) defende que “a pena de multa aplicada à pessoa jurídica não terá efeito direto na reparação do dano cometido contra o meio ambiente, pois o dinheiro será destinado ao fundo penitenciário'' .
2. Da pena restritiva de direitos
As penas restritivas de direito, previstas no artigo 22 da LCA, subdividem-se em suspensão parcial ou total das atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
A crítica que há sobre esse tipo de pena, mais especificamente quanto às suspensões parcial e total das atividades da pessoa jurídica, possui relação com o princípio da função social da empresa, determinando que deve haver preocupação não somente com os lucros que provém da atividade empresarial, mas também as consequências que a atividade gera à coletividade, vez que é “geradora de empregos, recolhedora de impostos e promove a circulação de bens e serviços, conduzindo, assim, ao desenvolvimento econômico-social” . No entanto, assegurar o desenvolvimento sustentável é primordial para que haja uma vida digna da pessoa humana, “com o dever de prezar pelas atividades da empresa sempre em favor do bem-estar da sociedade” . Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 64):
“Cumpre sua função social a empresa que gera empregos, tributos e riqueza, contribui para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, adota práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeito aos direitos dos consumidores.” (COELHO, 2012, p. 64)
Ainda, há a crítica sobre o princípio da pessoalidade penal nas suspensões parcial e total da pessoa jurídica, que determina que a pena não poderá passar da pessoa do condenado . Quando uma empresa é condenada a suspender suas atividades, atinge, além da própria pessoa jurídica, os empregados. Nesse sentido, Fernando Galvão (GALVÃO, 1999, apud RODRIGUES, 2011, p. 43) :
“O princípio segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado não constitui verdadeiro obstáculo ao reconhecimento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Toda e qualquer pena deve ser dirigida ao autor da violação da norma protetiva do bem jurídico, mas seus efeitos podem ser sentidos por terceiros. Ninguém negará o fato de que os familiares do condenado sofrem com sua estada na prisão, sua impossibilidade de exercer determinada atividade profissional ou sua obrigação de pagar multa. No caso da pessoa jurídica, a penalidade que lhe possa ser aplicada atingirá apenas indiretamente os sócios ou quotistas que, eventualmente, tenham se oposto a realização da atividade delitiva” (GALVÃO, 1999, apud RODRIGUES, 2011, p. 43)
Há de se considerar que qualquer pena imposta a determinada pessoa física poderá ter reflexos às outras pessoas de seu círculo social, mesmo que indiretamente, o que acarretaria de maneira igual as sanções impostas à pessoa jurídica.
3. Da pena de prestação de serviços à comunidade
A pena de prestação de serviços à comunidade está prevista no artigo 23 da LCA :
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I - custeio de programas e de projetos ambientais;
II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Nota-se que nesta pena, diferente das demais, o legislador buscou não só punir pelo crime, mas também tentar recuperar o ambiente que foi danificado.
4. Da liquidação forçada da pessoa jurídica
Além das penas previstas no artigo 21 da LCA, o artigo 24 prevê uma outra espécie de pena à pessoa jurídica, que permite, facilita ou oculta a prática de crimes ambientais: a sua liquidação forçada.
Segundo Luiz Regis Prado (2019, p. 201) :
Destarte, importa agregar que as penas de suspensão de atividade (art. 22, § 1.º) e de dissolução forçada (art. 24)– verdadeira pena de morte da empresa–, em geral, não afetam única e exclusivamente os autores do crime, sendo que a aplicação dessas sanções pode ensejar sérios problemas sociais (v.g., desemprego). (PRADO, 2019, p. 201)
Além das críticas que perfizeram nas penas de suspensão parcial ou total da pessoa jurídica, que também recaem na pena de liquidação forçada, há a crítica sobre como se daria a liquidação no processo. A Lei n°12.846/2013, que trata sobre a responsabilização da pessoa jurídica na esfera civil e administrativa por crimes contra a administração pública, também prevê esta sanção, a chamada dissolução compulsória da pessoa jurídica, vide:
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
[...]
III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;
Diferente do que ocorreu na Lei de Crimes Ambientais, a Lei Anticorrupção estabeleceu um processo administrativo apropriado para garantir que essa sanção seja efetivamente imposta, corroborando na “insegurança jurídica e ausência do devido processo legal” .
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