Direitos Autorais: o plágio da música de Toninho Geraes pela cantora Adele

Descubra como a Justiça do Rio identificou plágio na música de Adele, as implicações da Lei de Direitos Autorais e da Convenção de Berna no caso.

Por Juliana Valente - 07/01/2025 as 14:29

Uma decisão inédita trouxe luz a discussões sobre plágio, Convenção de Berna e Lei do Direito Autoral. No dia 13 de dezembro deste ano, a Justiça do Rio de Janeiro considerou que a cantora britânica Adele plagiou uma música interpretada por Martinho da Vila e determinou que a canção fosse retirada das plataformas digitais. Na decisão, o juiz de Direito Victor Agustin Jaccoud Diz Torres, da 6ª vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, deferiu a tutela antecipada determinando, além da retirada, uma multa de R$50 mil em caso de descumprimento. O magistrado ressaltou que a suspensão é necessária para evitar danos ao autor enquanto o processo ainda está em andamento.

As músicas que estão no centro desta discussão são "Million Years Ago" de Adele e o clássico "Mulheres", cantada por Martinho da Vila. Apesar da decisão, a música da cantora britânica ainda pode ser escutada nas plataformas. Isso ocorre porque não há um prazo específico para que a canção seja retirada.

De acordo com o portal de notícias G1, um dia após a decisão, a gravadora Universal Music fez um pedido de reconsideração do caso. Os advogados da empresa alegam não ter plágio e sim “o uso de clichês musicais comuns". Ainda segundo especialistas citados pela Universal, as canções fazem uso da progressão de acordes do círculo de quintas, sequência harmônica conhecida no mundo da música. Outro ponto levantado pelos advogados e publicado pelo G1 é que a suspensão de "Million Years Ago" causa prejuízos “irreparáveis” quanto à liberdade de expressão artística, além de uma perda financeira e de reputação. Para a Universal, “não há urgência na decisão tomada pela 6ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, já que a música de Adele foi lançada há quase 10 anos, em 2015”.

Em entrevista ao Jornal Nacional, Toninho Geraes, o compositor da música "Mulheres", contou que, em 2021, seu advogado notificou a cantora, um compositor que trabalha com ela e duas gravadoras com o intuito de realizar um acordo para que Geraes recebesse direitos autorais e tivesse a coautoria reconhecida, porém, não houve resposta. Com a falta de retorno, o artista reuniu provas e entrou na Justiça em fevereiro de 2024.

O Instituto de Direito Real conversou com os especialistas em propriedade intelectual Daniel Adensohn e Fernanda Vieira, que explicaram como funciona o processo de plágio na Justiça, a Convenção de Berna e o que fazer quando sua obra é plagiada.

Plágio

O imbróglio internacional que envolve Adele e Toninho Geraes levou muitas pessoas a se questionarem o que é plágio e o que é levado em consideração para concluir se é cópia ou não. O mestre em Direito Comercial Daniel Adensohn explica que o significado de plágio é relativamente simples e pode ser entendido como a imitação de trabalho, geralmente intelectual, criado por outra pessoa. Ele ressalta, porém, que não há critérios preestabelecidos para verificação de ocorrência de plágio, que é feita caso a caso e de acordo com a natureza da obra, mas destaca que esta verificação passa, necessariamente, pela constatação de que tais semelhanças existentes entre as obras são acidentais ou propositais.

“Para aferir se há plágio de uma obra intelectual, e consequentemente se há violação a direitos autorais, deve-se analisar se houve boa-fé do autor da obra posterior, ou seja, se as semelhanças da obra decorrem do uso de materiais, referências ou fontes comuns, de modo que a similaridade entre as obras seria meramente acidental, ou consequência da natureza da obra, assim como pela verificação do grau de originalidade da obra anterior e se o autor da obra posterior tinha conhecimento da existência da obra plagiada”.

Para a advogada especialista em Propriedade Intelectual Fernanda Vieira, a não existência de critérios específicos para o plágio é acertada, pois cada obra possui particularidades, o que torna inviável a padronização legal. Ela reforça que estabelecer critérios rígidos na lei poderia engessar a análise, considerando que qualquer alteração exigiria um novo processo legislativo.

O celeuma entre o artista brasileiro e a cantora britânica ganhou mais um capítulo no dia 19 de dezembro deste ano. Uma reunião de conciliação entre o sambista e a Universal Music Publishing Brasil terminou sem nenhuma proposta de conciliação. Agora, o juiz determinou a realização de uma perícia feita por um terceiro para avaliar se "Million years ago" é plágio de "Mulheres". A perícia ficará a cargo de uma professora da Escola Nacional de Música da UFRJ. De acordo com a especialista Fernanda, este procedimento é padrão.

“A determinação de plágio em obras musicais, em especial, exige a realização de uma perícia técnica. Isso porque a música é uma forma de arte complexa, composta por diversos elementos técnicos, como harmonia, melodia, ritmo e timbre. O perito, um especialista no assunto, compara esses elementos nas obras envolvidas para verificar a ocorrência de plágio. No entanto, é importante destacar que a semelhança entre obras não é suficiente por si só para configurar o plágio. O perito também deve averiguar se há um mínimo de originalidade nos aspectos em comum. Trata-se do que chamamos de contributo mínimo. Esse critério ajuda a separar coincidências criativas ou influências legítimas de cópias não autorizadas. O perito deve avaliar outros aspectos que possam excluir a ilicitude, como coincidências criativas ou usos autorizados por lei, que permitem a reprodução de certos trechos ou elementos sem a necessidade de autorização prévia do autor. Portanto, a análise de plágio em música envolve não apenas uma comparação técnica, mas também uma avaliação criteriosa de originalidade, contexto criativo e elementos legais que possam justificar ou excluir a reprodução”.

Doutrinas

Para a análise e verificação de possíveis casos de plágio, Daniel Adensohn explica que alguns doutrinadores sugerem a realização de testes. O especialista cita dois: Hermano Duval e José Carlos Costa Netto. O primeiro, segundo Adensohn, propõe o “Teste de Semelhança” em sua clássica obra "Violações de Direito Autoral”. Nele, o autor leva em consideração alguns indícios para concluir se a semelhança entre as duas obras é devido à cópia ou se é uma criação independente.

a) repetição dos erros ou erros comuns;

b) traços isolados de cópia literal;

c) traços isolados de semelhanças através de secundárias alterações de fatos comuns, embora insignificantes;

d) qualidade e valor das semelhanças com índice superior ao da respectiva quantidade, especialmente se consideradas à luz do teste da

imaginação e da habilidade literária dos autores em conflito;

e) comparação da habilidade literária e do poder de imaginação do autor original às do pseudo-infrator.

Já o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e autoralista José Carlos Costa Netto destaca que é imprescindível, para verificação da ocorrência de plágio, a análise do grau de originalidade da obra tida como usurpada, as vantagens que o plagiário obteria com tal usurpação e o grau de identidade ou semelhança entre as duas obras.

Convenção de Berna

Além da retirada da música nas plataformas, o juiz de Direito Victor Agustin Jaccoud Diz Torres determinou uma multa de R$50 mil em caso de descumprimento. Mas como uma decisão da Justiça carioca tem alcance global? A especialista em propriedade intelectual Fernanda Vieira explica que a aplicação de uma decisão judicial brasileira em outros países é um processo complexo e depende de acordos de cooperação internacional e da análise de cada jurisdição local.

“Em geral, para que uma decisão nacional seja executada em outro país, é necessário passar por um processo de homologação, no qual a decisão é avaliada à luz das normas e princípios jurídicos do país onde se busca sua execução. No âmbito dos direitos autorais, tratados internacionais como a Convenção de Berna ajudam a facilitar essa cooperação. Ainda assim, a aplicação de uma decisão estrangeira não ocorre de forma automática; ela depende da compatibilidade da decisão com o ordenamento jurídico local e da adesão ao devido processo”.

Daniel acrescenta que como a decisão em questão envolve plataformas de streaming com operações no Brasil, ela pode ser aplicada diretamente no país, mesmo que os titulares de direitos autorais sejam estrangeiros.

“Em outras palavras, plataformas de streaming que operam no Brasil são obrigadas a cumprir decisões judiciais brasileiras, independentemente da nacionalidade dos artistas ou gravadoras. A ordem judicial seria aplicada diretamente às subsidiárias ou representantes legais no Brasil”.

No embate entre Adele x Toninho Geraes, a medida tem alcance global devido à Convenção de Berna, um acordo internacional de proteção de obras artísticas. A Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas é um tratado internacional que estabelece normas mínimas de proteção aos direitos autorais entre os países signatários. O documento foi assinado pela primeira vez em 1886, em Berna, na Suíça, e atualmente conta com mais de 180 países membros. Entre os principais pontos da Convenção estão a proteção automática de direitos autorais, independentemente de registro, prazo mínimo de proteção de 50 anos após a morte do autor, e o Princípio da "Nacionalidade", que prevê que países signatários da Convenção recebam proteção nos outros países membros, como se tivessem sido criadas lá.

Fernanda e Daniel ressaltam que, em um mundo de fronteiras culturais fluidas, a Convenção de Berna assume importante papel na proteção dos direitos e facilita a cooperação jurídica para a execução de decisões em outros territórios.

“Em um cenário em que o acesso a obras se dá quase simultaneamente no mundo todo, a Convenção de Berna é um importante instrumento legal para estabelecer um arcabouço mínimo e uniforme de proteção entre diversas jurisdições, para que todos partam do “mesmo patamar” de proteção. No caso sob discussão, essa convenção internacional se mostra particularmente importante, pois envolve partes de diferentes países, mas que possuem regras mínimas em comum por serem signatários de Berna. Apesar de diferenças culturais e técnicas nas análises de plágio, os princípios da Convenção garantem uma base comum para a proteção dos direitos autorais”, afirma Fernanda.

“A convenção tem como objetivo principal assegurar que os autores tenham seus direitos protegidos internacionalmente, mesmo que suas obras sejam utilizadas fora de seus países de origem. Desta forma, a Convenção de Berna pode ser invocada em casos de plágio de música em outros países, desde que o país onde ocorreu a violação e o país de origem da obra sejam signatários do tratado. A convenção protege obras musicais como parte de seu escopo e estabelece normas que garantem direitos aos compositores e criadores de músicas no âmbito internacional”, destaca Daniel Adensohn.

Lei do Direito Autoral

Apesar de a Convenção de Berna estabelecer que os direitos autorais sobre uma obra devem durar, no mínimo, 50 anos após a morte do autor, o Brasil, por exemplo, adota prazos mais longos. Regulamentada pela Lei nº 9.610 de 1998, a Lei do Direito Autoral estabelece a proteção dos direitos autorais no Brasil e segue os princípios da Convenção de Berna. Uma das principais disposições dessa lei diz respeito à duração dos direitos autorais.

De acordo com a Lei, a duração da proteção dos direitos autorais sobre as obras literárias, artísticas e científicas no Brasil é de 70 anos após a morte do autor. Esse prazo é contado a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à morte do autor.Após este prazo de 70 anos, os direitos autorais sobre a obra expiram, e ela entra no domínio público.

Danos Morais

Na ação, o compositor Toninho Geraes pediu uma indenização de R$1 milhão a título de danos morais. De acordo com o portal G1, ele ainda solicitou o pagamento de perdas e danos, e de todos os valores de direitos autorais devidos desde o lançamento da música "Million Years Ago" em novembro de 2015, corrigidos monetariamente e com juros de mora.

A especialista Fernanda Vieira explica que os danos morais estão ligados ao impacto que o plágio pode ter na reputação profissional do autor e que o sistema de proteção autoral adotado pelo Brasil considera tanto aspectos pecuniários da exploração da obra - direitos patrimoniais - como aspectos da personalidade do autor imprimidos à obra - direitos morais.

“Dada essa conexão pessoal entre autor e obra que nosso ordenamento enxerga, os danos morais funcionam como forma de ressarcimento para o aspecto da ofensa que não está ligado à perda pecuniária, mas sim à honra e à paternidade da obra”.

Com natureza dupla - patrimonial e moral - os direitos autorais protegem não apenas os ganhos financeiros decorrentes da exploração da obra, mas também o vínculo pessoal e criativo do autor com sua criação. Daniel Adensohn ressalta que a indenização por danos morais tem caráter compensatório, pelo sofrimento causado ao autor, e punitivo, para desestimular novas violações. Ele pontua que, para se chegar ao valor, alguns fatores são levados em consideração como, por exemplo, a gravidade da violação, o impacto causado à honra do autor e a intenção do infrator.

“Os danos morais podem ser pleiteados em ações por violação de direitos autorais porque essa violação não afeta apenas os direitos patrimoniais do autor, mas também os seus direitos morais, dentre os quais destacamos o direito à paternidade da obra (ser reconhecido como autor); o direito à integridade da obra (proibir alterações que prejudiquem sua reputação ou mensagem); e o direito à divulgação ou retirada da obra de circulação. Quando esses direitos morais do autor são violados, por exemplo, quando alguém plagia, altera ou utiliza indevidamente a obra sem autorização, o autor sofre um abalo moral porque sua ligação pessoal e intelectual com a obra é desrespeitada e isso gera um dano indenizável”.

Minha obra foi plagiada, e agora?

Os especialistas Daniel e Fernanda aconselham que, o primeiro passo, é buscar um advogado especializado em direitos autorais para obter orientação sobre as medidas a serem tomadas. Fernanda pontua que, em casos como o de Adele e Toninho, a assessoria jurídica é indispensável.

“Em primeiro lugar, é necessário compreender as opções disponíveis e definir a melhor estratégia para alcançar os objetivos desejados, como a retirada da obra de circulação e o ressarcimento financeiro”, finaliza Fernanda.