O processo de deflagração da privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) deu-se início com a publicação do Decreto nº 45.692, no qual foi estabelecido o estado de calamidade pública, autorizando a adoção de “medidas excepcionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais”, diante da grave crise financeira no estado do Rio de Janeiro, mais especificamente no contexto de realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Logo, diante da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal por parte do estado, restou autorizada a alienação integral das ações do capital social da CEDAE, que passou por processo licitatório para a concessão dos seus serviços perante um cenário de conflitos políticos e sociais. As tendências privatistas do saneamento que se originaram na Europa já influenciavam diversos outros países e, consequentemente, também chegava ao Brasil como uma solução imediatista à incapacidade da gestão pública de investir e realizar o desenvolvimento dos serviços de abastecimento d’água e de esgotamento sanitário, segundo os argumentos utilizados pelos atores favoráveis. De fato, historicamente, os dados refletem, por uma série de motivos que será abordado posteriormente, uma grande dificuldade das empresas públicas em disponibilizar à população serviços de saneamento, sem que estes enfrentassem qualquer barreira social, cultural e principalmente financeira, ou seja, dificuldade de o país alcançar a universalização dos serviços de água e esgoto.
Entretanto, apesar das altas expectativas quanto a possibilidade de maior empenho de valores no setor pela iniciativa privada, os resultados demonstrados pelo estudo elaborado pelo Transnational Institute indicou que, ao contrário do que se esperava, diversos países que transferiram a gestão de seus serviços de saneamento para a iniciativa privada, como a França, pioneira nos processos de privatização e Alemanha, não obtiveram os resultados esperados, identificando inclusive problemas comuns nestas relações quanto à transparência, cobranças excessivas e na mediocridade da prestação desses serviços, de modo a prejudicar a população, sobretudo a de maior vulnerabilidade socioeconômica.
Por esta razão, tendo em vista que o processo de desestatização dos serviços de saneamento ainda é algo recente, comparados aos 150 anos de implementação na França, a presente pesquisa se faz necessária a fim de identificar se, de fato, a solução implementada à concessão de 35 anos da CEDAE se apresenta como a melhor alternativa para suprir as demandas do setor, adotando ainda o enfoque na meta de universalização do saneamento básico no Brasil estabelecida por meio dos dois decretos, editados pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a saber, Decreto 11.466/2023 e 11.467/2023, que alteram o marco do saneamento básico regulamentando a Lei 11.445/2007, alterada pela lei 14.026/2020, que determina as diretrizes para o saneamento no país.
O presente trabalho pretende realizar o estudo de casos em países da Europa visando compreender as expectativas e os resultados alcançados que implementaram a nova tendência pós-privatista de remunicipalização dos serviços. Após, a mesma metodologia será implementada sobre a perspectiva da América Latina, tendo em vista a maior proximidade sociocultural e financeira com o Brasil, em que também foram identificadas as tendências de reestatização dos serviços. E, por fim, a análise será realizada entre os estados brasileiros, mais especificamente, os pertencentes à região sudeste, cujas propostas privatistas conseguiram obter legitimidade pautada em discursos técnicos para a necessidade da oferta pública de ações no mercado. O intuito dessa análise é refletir e identificar semelhanças com os casos retratados apresentando as possíveis consequências a serem superadas pelos municípios que tiveram seus serviços de saneamentos desestatizados, ou ainda, entender quais fatores específicos da desestatização da CEDAE possam indicar uma possível alternativa visando o progresso do setor e o alcance da universalização dos serviços no estado do Rio de Janeiro.