A discriminação e a desigualdade de gênero ainda são uma realidade no Brasil. A análise das ocorrências decorrentes do gênero no país foi extremamente importante e bastante para a elaboração da Resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça, cujo objetivo é fundamentar os julgamentos sob a perspectiva de gênero e promover igualdade perante a lei.
Resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça
"Estabelece, para adoção de Perspectiva de Gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário, as diretrizes do protocolo aprovado pelo Grupo de Trabalho constituído pela Portaria CNJ n. 27/2021, institui obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, e cria o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário."
O Protocolo para Julgamento para Perspectivas de Gênero trata da implementação de Políticas Nacionais relacionadas ao enfrentamento à violência contra as mulheres pelo Poder Judiciário, abrangendo a criação de medidas específicas e programas de conscientização. Além disso, visa, ainda, o incentivo à participação feminina no âmbito Judiciário através da promoção de oportunidades equitativas em todos os níveis da estrutura judiciária.
O documento foi produzido buscando a compreensão dos processos históricos que ocasionaram a desigualdade de gênero e as convenções sociais, fornecendo um guia para que a função jurisdicional ocorra em prol da concretização do papel da não repetição de estereótipos, não perpetuação das diferenças, passando, assim, a elaborar um cenário diverso que vise o rompimento da discriminação e preconceito, tendo como principal objetivo alcançar a igualdade de gênero.
Sendo assim, o protocolo é responsável pela orientação da magistratura no processo de julgamento de casos concretizados sob a ótica de gênero, estando o foco na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade, pretendendo assegurar atuações judiciárias ainda mais justas e inclusivas para todas as partes envolvidas.
Confira a Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema:
Julgamentos com Perspectiva de Gênero IV
Os entendimentos foram extraídos de julgados publicados até 16/02/2024.)
1) Vítimas de violência doméstica devem ser ouvidas para que seja verificada a necessidade de prorrogação/concessão das medidas protetivas, mesmo que a punibilidade do autor esteja extinta.
Julgados:
REsp 2036072/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2023, DJe 30/08/2023;
AgRg no REsp 1775341/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/04/2023, DJe 14/04/2023.
2) A medida protetiva de urgência, que visa resguardar o interesse individual de vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, é de natureza indisponível e poderá ser requerida pelo Ministério Público.
Julgados:
REsp 1828546/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2023, DJe 15/09/2023. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 788)
3) Em caso de violência doméstica contra a mulher, a decisão que homologa o arquivamento do inquérito deve analisar a diligência na investigação e os aspectos básicos do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, principalmente quanto à valoração da palavra da vítima.
Arts. 1.º e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto n. 678/1992), art. 7.º, alínea b, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Decreto n. 1.973/1996) e Resolução n. 492/2023 do CNJ.
Julgados:
RMS 70338/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2023, DJe 30/08/2023. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 785)
4) Em caso de violência doméstica, há a possibilidade de dispensa do exame de corpo de delito em crime de lesão corporal quando substituídas outras provas idôneas da materialidade do crime.
Julgados:
AgRg no HC 825448/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2024, DJe 14/02/2024;
AgRg no AREsp 2419600/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2023, DJe 31/10/2023.
5) A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal em condenação pelo delito de lesão corporal em caso de violência doméstica (art. 129, § 9º, do CP), por si só, não caracteriza bis in idem.
Julgados:
AgRg no REsp 2062420/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2023, DJe 20/12/2023;
AgRg no REsp 2070481/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2023, DJe 20/12/2023.
6) A qualificadora do feminicídio, art. 121, § 2º-A, II, do Código Penal, deve incidir nos casos em que o delito é cometido contra mulher em situação de violência doméstica e familiar por possuir natureza de ordem objetiva, dispensando a análise do animus do agente.
Julgados:
AgRg no AREsp 2358996/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/10/2023, DJe 20/10/2023;
AgRg no HC 822149/SC, Rel. Ministro MESSOD AZULAY NETO, QUINTA TURMA, julgado em 25/09/2023, DJe 28/09/2023.
7) Não é viável o afastamento da qualificadora do feminicídio pelo Tribunal do Júri anta a análise de aspectos subjetivos da motivação do crime, tendo em vista a natureza objetiva da qualificadora, somada à condição de sexo feminino.
Julgados:
AgRg no HC 808882/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/08/2023, DJe 30/08/2023.
8) Não há bis in idem pela incidência da agravante do art. 61, II, "e", do Código Penal - que tutela o dever de cuidado nas relações familiares -, e a qualificadora do feminicídio. Art. 61, II, "e", do Código Penal
Julgados:
AgRg no REsp 2007613/TO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/03/2023, DJe 10/03/2023.
9) A manifestação da vítima sobre a revogação de medidas protetivas de urgência não tem relevância para a manutenção da prisão preventiva do acusado, uma vez que a custódia cautelar, fundamentada na gravidade concreta da conduta, não está na esfera de disponibilidade da vítima de violência doméstica.
Julgados:
AgRg no HC 768265/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/12/2022, DJe 21/12/2022.
10) Em caso de violência doméstica contra a mulher, há a possibilidade de exasperação da pena-base, uma vez que a intensidade da violência perpetrada contra a vítima extrapolar a normalidade característica do tipo penal.
Julgados:
AgRg no AREsp 2384703/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2023, DJe 27/11/2023;
AgRg no HC 843494/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 30/10/2023, DJe 03/11/2023.
11) O ciúme é fundamento apto a exasperar a pena-base, visto que é de especial reprovabilidade em situações de violência de gênero, uma vez que reforça as estruturas de dominação masculina.
Julgados:
AgRg no AREsp 2398956/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2023, DJe 28/11/2023;
HC 704196/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/06/2022, DJe 21/06/2022.
12) A vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) impede a imposição, em hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, mesmo que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado (Tese julgada sob o rito do art. 1.036 do CPC/2015 - TEMA n. 1189).
Julgados:
REsp 2049327/RJ (recurso repetitivo), Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2023, DJe 16/06/2023;
AgRg no HC 726043/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022.
13) O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos requer fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para cuidar do filho. Art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).
Julgados:
AgRg no HC 805493/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 20/06/2023, DJe 23/06/2023;
AgRg no RHC 177004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/05/2023, DJe 25/05/2023.
14) É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual, uma vez que se trata de procedimentos prescritos por médico assistente, reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e listados no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Julgados:
REsp 2097812/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2023, DJe 23/11/2023. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 798)