Imagine que uma empresa incorporadora adquiriu um terreno num lugar qualquer da cidade para construir um shopping. Por razões pessoais não quis investir no negócio o seu próprio dinheiro e decidiu captar recursos no mercado. Você tinha umas economias, procurou essa incorporadora e comprou algumas cotas do futuro empreendimento. Outras pessoas fizeram o mesmo. Com o dinheiro na mão, a incorporadora contratou uma construtora para tocar o negócio e essa construtora contratou inúmeras outras empresas de diversas especialidades para edificar o futuro shopping. Durante a construção desse shopping dezenas de empresas trabalharam ali com empregados próprios, do projeto arquitetônico à decoração das lojas, passando pela fundação, a construção propriamente dita, os dutos d’água, a fiação da energia elétrica e dos aparelhos de ar-condicionado, as escadas rolantes, os elevadores, a segurança patrimonial e das pessoas, a praça de alimentação, os cinemas, o estacionamento, a limpeza dos banheiros.
Como é comum, alguns empregados das empresas prestadoras de serviço foram dispensados e acorreram à Justiça do Trabalho em busca de seus supostos direitos. Os que venceram a lide iniciaram a execução da sentença, mas os devedores não foram encontrados ou não tinham bens suficientes para o pagamento das dívidas. O juiz do trabalho, então, decide que você — simples emprestador do capital formado com as suas minguadas economias — e os demais cotistas do empreendimento são devedores solidários daquelas empresas que, por algum período, trabalharam em etapas específicas da construção desse shopping e não pagaram tudo o que deviam aos seus empregados diretos. Com esse silogismo barato, esse nosso juiz hipotético autoriza a penhora das cotas que vocês receberam quando injetaram dinheiro na construção do shopping e, em seguida, de ofício ou a pedido dos credores trabalhistas, determina à incorporadora que liquide as cotas e deposite o dinheiro em conta judicial para futuro pagamento das dívidas trabalhistas.
Se a incorporadora, por qualquer motivo, disser ao nosso juiz que não pode fazê-lo agora porque o contrato celebrado com os cotistas prevê prazo de resgate e proíbe o saque antecipado das cotas, o juiz toma aquilo como uma resistência imotivada e, num ato de força puramente retaliatório, determina a penhora dos bens da própria incorporadora, e não mais do verdadeiro devedor. A incorporadora, que até então não era parte na lide, não foi citada para se defender, não teve nenhuma oportunidade de expor seus argumentos e não consta da sentença como devedora, passa a figurar como executada e tem de garantir a execução com bens pessoais para tentar provar que não deve nada a nenhum dos empregados e que tudo não passa de um lamentável equívoco.
Parece absurdo?
Pois isso acontece quase todo santo dia na Justiça do Trabalho quando a penhora nos processos trabalhistas envolve cotas de fundos de investimento.
É disso que este artigo trata.
O que É um Fundo de Investimento?
Para que se entenda o porquê de não ser possível penhorar cotas de um fundo de investimento — pelo menos do jeito que os juízes do trabalho estão fazendo — é preciso entender o que é um fundo de investimento. A primeira premissa a considerar é que os fundos de investimento se equiparam a condomínios, e tanto quanto a massa falida, o espólio, as heranças jacentes e vacantes ou os próprios condomínios edilícios (de pessoas) são "pessoas morais" que, embora não tenham personalidade jurídica, têm capacidade para estar em juízo.
Um fundo de investimentos é uma universalidade de direito capaz de adquirir e transmitir direitos e, por meio de seu administrador ou do seu gestor, praticar todos os atos da vida civil. A própria CVM diz que esses fundos são organizados em forma de condomínio. A Lei n° 13.874/2019 introduziu no Código Civil os arts.1.368-C, 1.368-D, 1.368-E e 1.368-F, que disciplinam os fundos de investimento, até então regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na dicção do art. 1.368-C do CPC, fundo de investimento é uma comunhão de recursos constituída sob a forma de condomínio especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza.
Ao fundo não se plicam as regras do Código Civil relativas ao condomínio edilício porque o §2º do art.1.368-C atribui à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a competência para regulá-lo e fiscalizá-lo. Nessa espécie de condomínio, cada investidor — também chamado cotista ou condômino — entrega a uma empresa administradora — em regra uma pessoa jurídica habilitada pela CVM — certa quantia em dinheiro para que aplique em negócios rentáveis, normalmente ações em bolsa, e recebe, em troca, determinado número de cotas que equivalem ao total do valor investido. O patrimônio do fundo é constituído pela soma dos ativos financeiros, bens e direitos adquiridos pela administradora, mas não se comunica com o patrimônio da própria administradora. Como a sua natureza jurídica é de um condomínio, os títulos e valores mobiliários (cotas) que integram suas carteiras de ativos pertencem aos cotistas investidores.
Todo fundo é, em suma, uma carteira de ativos financeiros formada pela reunião de ativos de várias pessoas físicas ou jurídicas, que se juntam num empreendimento comum e deve, necessariamente, ser aprovado pela CVM.
Cotas
Cotas são valores mobiliários que representam frações ideais de um fundo de investimento, exatamente como as cotas de um condomínio edilício (condomínio de pessoas) representam a fração ideal do terreno onde o condômino tem a sua unidade habitacional. O retorno do dinheiro que os fundos prospectam junto aos seus investidores privados — empresas ou pessoas comuns — e aplicam, por autorização dos seus donos, em diversos negócios de capital, é garantido aos investidores por meio de cotas condominiais, que poderão ser sacadas ou descontadas ao término do prazo de validade do próprio fundo — vesting — segundo o tipo de fundo a que pertençam, ou, excepcionalmente, antes de esgotado o prazo de duração do fundo por autorização da assembleia de cotistas ou determinação da CVM.
Se se trata de um plano de investimento do tipo condomínio aberto, as cotas podem ser liquidadas a qualquer tempo segundo a vontade dos cotistas, mas desde que respeitadas as regras do plano. A cota de fundo aberto não pode ser objeto de cessão ou transferência, exceto se decorrente de decisão judicial ou arbitral passada em julgado, operações de cessão fiduciária, execução de garantia, sucessão universal, dissolução de sociedade conjugal ou união estável por via judicial ou escritura pública que disponha sobre a partilha de bens e transferência de administração ou portabilidade de planos de previdência. Se se trata de condomínio fechado, as cotas somente podem ser sacadas no término do prazo do plano, ou antes, se isso for determinado pela assembleia de cotistas ou determinação da CVM. As cotas de fundo fechado e seus direitos de subscrição podem ser transferidos, mediante termo de cessão e transferência ou por meio de negociação em mercado organizado em que as cotas do fundo sejam admitidas à negociação. Mercados organizados de valores mobiliários são aqueles que compreendem as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias e futuros e mercados de balcão organizados, autorizados a funcionar pela CVM.
Como valores mobiliários pertencentes aos condôminos as cotas podem ser objeto de penhora em processo de execução por dívidas pessoais dos próprios condôminos, mas não podem ser penhoradas por dívidas do fundo porque pertencem aos condôminos, e não ao fundo. O valor patrimonial da cota somente pode ser apurado levantando um balanço do patrimônio líquido do fundo, e isso, como dito, só pode ser feito nos termos do regulamento do próprio fundo, por determinação da assembleia de cotistas ou da própria CVM. O valor da cota do dia é resultante da divisão do valor do patrimônio líquido pelo número de cotas do fundo, apurados, ambos, no encerramento do dia, assim entendido o horário de fechamento dos mercados em que o fundo atue. Se o administrador do fundo escolheu um bom gestor, e esse gestor tiver sido competente e aplicado bem o dinheiro dos condôminos, os investidores receberão de volta todo o valor aplicado e mais juros e correção segundo as regras de mercado. Trata-se de um negócio de risco que pode muito bem esfarelar o capital investido pelo condômino e, no final, o resultado ser negativo, não havendo o que restituir.
Condomínio Aberto e Condomínio Fechado
“Condomínio” vem do latim condominum e é a junção do prefixo cum, “junto”, e dominum,is, “poder sobre”, “comando”, derivado de “dominus”, “senhor”, relativo a domus, “casa”. Condomínio é, portanto, domínio de muitos. A lei diz que os fundos de investimentos têm natureza de condomínio especial.
Como tais, os fundos podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou de condomínio fechado. No condomínio aberto, os cotistas podem pedir o resgate de suas cotas a qualquer tempo, desde que observem os prazos fixados nos próprios regulamentos de constituição do fundo. No condomínio fechado, as cotas somente poderão ser resgatadas ao término do prazo de duração do fundo, exceto se houver autorização da assembleia de cotistas para a sua liquidação antecipada ou determinação da CVM.
Administrador e Gestor
De acordo com a Instrução CVM n° 558/2015, a administração de um fundo compreende o conjunto de serviços relacionados direta ou indiretamente ao funcionamento e à manutenção do fundo. Esses serviços podem ser prestados pelo próprio administrador (instituidor) do fundo ou por terceiros por ele contratados em nome do fundo (gestor).
Administrador de um fundo de investimentos é pessoa jurídica autorizada pela CVM para o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários. Ao administrador compete constituir o fundo de investimento e submeter toda a sua documentação à aprovação da CVM. Carteira de valores mobiliários é o conjunto de ativos financeiros do fundo. Os recursos financeiros captados aqui e ali entre pessoas físicas e jurídicas são entregues ao administrador do fundo para a aplicação em carteira de títulos e valores mobiliários. Os fundos são constituídos pelo administrador, mas seu funcionamento depende de prévia autorização da CVM. O administrador é responsável pela administração do fundo e pela contratação dos prestadores de serviço, dentre esses o gestor, o distribuidor de cotas e a agência de classificação de riscos.
Gestor do fundo é a pessoa natural ou jurídica autorizada pela CVM para o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários contratada pelo administrador em nome do fundo para realizar a gestão profissional de sua carteira. O gestor de um fundo de investimentos é responsável pela gestão profissional dos ativos financeiros integrantes da sua carteira, mas não da administração ou da gestão da empresa onde o dinheiro dos cotistas é investido. O gestor tem poderes para negociar seus ativos financeiros em nome do fundo e exercer o direito de voto decorrente desses poderes, realizando todas as demais ações necessárias ao exercício desses direitos, o que não significa que o exercício desse direito de voto se confunda com a administração ou gerência das empresas onde os fundos são aplicados. O art.78 da Resolução n° 555/14 da CVM, diz:
“A administração do fundo compreende o conjunto de serviços relacionados direta ou indiretamente ao funcionamento e à manutenção do fundo, que podem ser prestados pelo próprio administrador ou por terceiros por ele contratados, por escrito, em nome do fundo.
(...)
§ 2º O administrador pode contratar, em nome do fundo, com terceiros devidamente habilitados e autorizados, os seguintes serviços para o fundo, com a exclusão de quaisquer outros não listados:
I – gestão da carteira do fundo;
II – consultoria de investimentos, inclusive aquela de que trata o art. 84;
III – atividades de tesouraria, de controle e processamento dos ativos financeiros;
IV – distribuição de cotas;
V – escrituração da emissão e resgate de cotas;
VI – custódia de ativos financeiros;
VII – classificação de risco por agência de classificação de risco de crédito; e
VIII – formador de mercado.”
Os gestores desses fundos são meros administradores dos ativos aplicados no mercado financeiro ou societário e não lucram diretamente com eles. Sua remuneração provém de parte dos lucros que esses investimentos rendem em razão da prestação de serviços em favor dos donos do dinheiro, isto é, dos cotistas, investidores ou condôminos. Numa palavra, a administração de uma carteira do fundo caracteriza-se como a gestão profissional dos seus ativos financeiros. Essa gestão tanto pode ser feita diretamente pelo próprio administrador do fundo ou por terceiro contratado por ele, seja pessoa física ou jurídica, desde que credenciada como administradora de carteira de valores mobiliários pela CVM.
O gestor responde pelos prejuízos causados aos cotistas se agir com culpa ou dolo, com violação da lei ou das normas editadas pela CVM. Dentre as suas funções está a de decidir quais ativos financeiros irão compor a sua carteira e quando e quanto comprar ou vender de cada ativo, sempre observando as perspectivas de retorno, risco e liquidez. Se as ações nas quais esses fundos aplicarem os ativos dos investidores derem lucro ou prejuízo, todos ganham ou perdem na proporção dos seus investimentos. É um negócio de risco que depende, fundamentalmente, da união dos esforços dos investidores, da permanência dos investimentos nos fundos pelo prazo livremente contratado entre o administrador e os cotistas e da habilidade do gestor em aplicar bem o dinheiro dos investidores.
O gestor e o administrador desses fundos não são donos desse dinheiro, mas meros intermediários entre os condôminos (cotistas ou investidores) e os negócios onde o dinheiro dessas pessoas será aplicado. O gestor lucra a sua parte gerenciando bem esse capital de terceiros, que lhe pagam encargos de gestão e taxas de administração em forma de mensalidades previamente especificadas no regulamento do fundo, que todos os partícipes aceitam e se obrigam a respeitar no momento em que aderem ao sistema de gerenciamento das cotas. Toda a movimentação dos recursos dos fundos em forma de cotas condominiais é regulamentada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
Fundos de Investimento São Empresas?
Empresa é a atividade do empresário, pessoa física ou jurídica que exerce atividade economicamente organizada. Fundos de investimento não são empresas, mas meros gestores de aplicações financeiras resultantes do esforço comum dos seus investidores. Os fundos jamais se confundem com a pessoa dos investidores ou com as pessoas jurídicas nas quais o dinheiro dos cotistas é aplicado. Os fundos respondem com seu patrimônio pessoal pelas obrigações que contraírem em nome próprio, ou juntamente com os cotistas em caso de fraude ou má-fé, mas as cotas, simples fração ideal do dinheiro aplicado nos fundos pelos cotistas pertencem e continuarão pertencendo aos condôminos. Não se confundem com o patrimônio dos fundos. Ademais, enquanto essas cotas não forem liquidadas no término do prazo de duração do fundo, e auditadas pela CVM, ou liquidadas antecipadamente por decisão da assembleia de cotistas, têm apenas valor patrimonial, são papéis ocos aos quais é impossível atribuir qualquer valor de imediato senão levantando balanço. O valor da cota do dia é resultante da divisão do valor do patrimônio líquido pelo número de cotas do fundo, apurados, ambos, no encerramento do dia, assim entendido o horário de fechamento dos mercados em que o fundo atua . Como papéis sem valor de face, as cotas representam apenas um contrato escrito entre o investidor e o fundo e materializam a promessa do fundo de que lhe restituirá em certo prazo o dinheiro equivalente àquelas cotas caso os investimentos tenham dado lucro.
O segundo motivo pelo qual a penhora dessas cotas é juridicamente desaconselhável está no fato de serem partes de um investimento global que pertencem a vários cotistas. Penhorar a totalidade das cotas de um fundo é impor aos demais cotistas uma obrigação de pagar sem considerar o fato de que não dependeu deles investir o seu dinheiro na empresa que está sendo executada no processo trabalhista e que não necessariamente são devedores desse credor trabalhista. Onde aplicar o dinheiro correspondente às cotas cabe ao administrador ou ao gestor do fundo, caso o administrador tenha delegado a gerência dos investimentos a um gestor.
O terceiro argumento é que esses investidores não podem ser obrigados a pagar nenhuma dívida deixada por qualquer empresa nas quais o seu dinheiro tenha sido aplicado pelo fundo, a menos que, concomitantemente à sua condição de cotista do fundo, sejam também sócios, quotistas ou acionistas dessas empresas. Em regra, a relação dos cotistas com o fundo é de mera clientela. O cotista não se identifica com o fundo e não interfere nas suas decisões. Investidores e fundos de investimento são partícipes de um negócio de risco que envolve um terceiro — as empresas investidas —, e não sócios, quotistas ou acionistas dessas empresas. A relação de uma empresa devedora no processo trabalhista e seus empregados próprios é res inter alios (coisa entre terceiros) para os investidores e para o próprio fundo, assim como também é res inter alios para os condôminos a relação entre o fundo e as empresas onde o dinheiro foi aplicado.
O pior cenário, entretanto — e que mostra o quanto a lógica de constituição desses fundos é desconhecida —, está nas ordens de penhora de dinheiro do próprio fundo quando o fundo está tecnicamente impossibilitado de liquidar imediatamente as cotas dos investidores e de transferir para a conta judicial qualquer valor relativo a elas. Infelizmente, são comuns decisões desse tipo. Voltemos ao exemplo da construção do shopping para que fique bem explicado o iter dessa aberração. Imaginem que um empregado, credor trabalhista de alguma empresa que tenha trabalhado na construção desse nosso shopping hipotético, “descubra” que essa empresa tem algumas cotas investidas num desses fundos e peça a sua penhora. O juiz do trabalho defere o pedido e intima o fundo a transferir essas cotas para o processo para que as leve à arrematação em praça ou sejam adjudicadas pelo próprio empregado, ou para liquidá-las imediatamente e transferir para a conta do juízo o dinheiro equivalente. Suponha-se que esse fundo de investimento tenha sido registrado na CVM como condomínio fechado. Nesse caso, as cotas não podem ser liquidadas imediatamente, mas apenas ao término do prazo de duração do fundo, depois que a CVM fizer o balanço. O juiz toma aquilo como resistência imotivada a ordem judicial e determina a penhora do valor equivalente à execução em dinheiro pertencente ao próprio fundo. Nesse momento, abstraída toda a truculência embutida numa decisão claramente injusta e atécnica, e que não entendeu bem o enredo do mercado de ações, o juiz substitui a empresa devedora, ré no processo trabalhista, por um terceiro — o fundo de investimentos — que não é parte na lide, não foi condenado a nada, não teve oportunidade de se defender na cognição do processo trabalhista e não compõe grupo econômico com a empresa executada ou com qualquer outro empregador desse credor trabalhista.
Tipos de Fundos
Há várias espécies de fundos, dentre as quais os Fundos de Investimento em Participações — FIP —, Fundos de Investimento Imobiliário — FII —, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios — FIDC —, FIDC-NP, FIDP-PIPS e os Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional — FUNCINE —. Para os limites deste estudo importam apenas dois: o Fundo de Investimento em Ações (FIA) e o Fundo de Investimento em Participações (FIP).
O Fundo de Investimento em Ações (FIA) é um investimento em renda variável. Como o objetivo desses fundos é o investimento no mercado de ações, seu maior risco é a própria flutuabilidade do valor das ações admitidas à negociação no mercado organizado. Esses fundos devem investir no mínimo 67% do seu patrimônio em ações admitidas à negociação em mercado organizado ou em ativos relacionados, como bônus ou recibos de subscrição, certificados de depósito de ações, cotas de fundos de ações, cotas dos fundos de índice de ações e Brazilian Depositary Receipts (BDR) classificados com nível II e III. O restante dos recursos pode ser investido em outros ativos financeiros desde que respeitados os limites de concentração aplicáveis a todos os tipos de fundos. O FIA é mais apropriado a investimento de longo prazo. O ganho de cada investidor é pago por meio de dividendos e juros sobre capital próprio desses ativos.
O Fundo de Investimento e Participações (FIP) é também a soma de recursos destinados à aplicação em companhias abertas, fechadas ou sociedades limitadas em fase de desenvolvimento. O FIP deve participar ativamente da tomada de decisões na companhia na qual injetou o capital dos cotistas de modo a influir na sua gestão, especialmente na indicação de membros do Conselho de Administração. Dentre as formas de assegurar a sua influência na gestão da companhia investida estão a detenção de ações que integrem o bloco de controle e a celebração de acordo de acionistas. Os FIPs devem manter pelo menos 90% de seu patrimônio investido em ações, bônus de subscrição ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas, assim como em títulos ou valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas (para as debêntures simples, o limite máximo é de 33% do capital subscrito do fundo).
A Participação dos Fundos de Investimento como Acionistas de Empresas de Capital Aberto Não Configura Grupo Econômico
Ainda que o FIP participe ativamente da gestão da empresa investida e tenha poder de voto capaz de influenciar a tomada de suas decisões estratégicas, nem ele nem seus cotistas formam grupo econômico com as empresas onde o dinheiro é investido. O objetivo do FIP é apenas lucrar com a valorização das ações compradas com o dinheiro do investidor ou cotista. Como dito, os fundos não têm personalidade jurídica própria, nem a sua presença na votação dos destinos da companhia investida significa que as empresas investidas estejam sob sua direção, controle ou administração, ou que haja interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas investidas e os fundos, condições indispensáveis para que o direito reconheça a presença de grupo econômico. De fato, segundo o art.2°, §2° da Lei n° 13.467/2017, para que haja grupo econômico é preciso que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estejam sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, com a ressalva expressa da lei de que a mera identidade de sócios não caracteriza grupo econômico, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. Ora, os fundos de investimento não são sócios da empresa investida, e o único “interesse integrado” entre ambos, se é que se pode dizer assim, é que as ações da empresa investida cresçam de valor para que o fundo possa remunerar os seus cotistas e retirar a sua remuneração de parte dos dividendos. Os fundos de investimentos não são beneficiários diretos dos resultados das aplicações dos cotistas e não podem, portanto, formar grupo econômico com as empresas nas quais investem. Fundos são elos entre um capital disponível e um projeto em busca de captação de recursos, e nunca mecanismos de controle ou gestão das empresas em que esse capital é injetado. Entre um fundo de investimentos, seus gestores, administradores e condôminos e as empresas nas quais esse dinheiro é aplicado não há nenhuma vinculação societária e, claro, nenhum grupo econômico. Atribuir personalidade jurídica a esses fundos, ou responsabilizá-los pelas obrigações trabalhistas que devem ser honradas pelas empresas onde esses fundos são aplicados é tão equívoco como pedir, por exemplo, vínculo de emprego com uma caderneta de poupança simplesmente porque é um dos papéis do portfolio de um banco privado ou da Caixa Econômica Federal.
Penhora de Cotas de Fundos no Processo do Trabalho
Sendo valores mobiliários, as cotas de um fundo de investimentos são penhoráveis e, em princípio, tudo o que é penhorável é alienável, cessível, transmissível. É preciso, contudo, fixar algumas premissas. Antes de deferir um pedido de penhora de cotas de fundo de investimento, o juiz deve saber que essas cotas não pertencem ao fundo, mas aos seus investidores, pessoas físicas ou jurídicas. Foi visto que o fundo não tem personalidade jurídica e não forma grupo econômico com os seus cotistas investidores nem com as empresas investidas.
A primeira providência, então, é esta: saber exatamente quem está sendo executado no processo do trabalho e quantas e quais são as cotas que esse executado detém na carteira administrada pelo fundo. É somente sobre essas cotas que a penhora pode em tese recair porque a dívida trabalhista é dessa empresa, cotista do fundo, e não do fundo ou dos outros investidores que formam a carteira de investimento. As cotas pertencentes aos outros investidores que não estão sendo executados no processo do trabalho não devem ser molestadas por essa penhora. Resolvido isso, o juiz tem de saber que tipo de condomínio alberga essas cotas pertencentes ao devedor trabalhista — se aberto ou fechado. Se se tratar de condomínio aberto, os cotistas podem pedir o resgate de suas cotas a qualquer tempo, desde que observem os prazos fixados nos próprios regulamentos de constituição do fundo.
Até aqui, em tese, não haveria problema em liquidar as cotas do investidor, devedor trabalhista. Mas, se se tratar de condomínio fechado, as cotas somente poderão ser resgatadas ao término do prazo de duração do fundo, exceto se houver autorização da assembleia de cotistas para a sua liquidação antecipada, ou determinação da CVM. Neste caso, nem mesmo o juiz trabalhista poderia determinar a liquidação antecipada dessas cotas. Definido o tipo de condomínio no qual as cotas estão custodiadas, o juiz deve lembrar que, por lei, as cotas de fundo aberto não podem ser objeto de cessão ou transferência, exceto se decorrente de decisão judicial ou arbitral passada em julgado, operações de cessão fiduciária, execução de garantia, sucessão universal, dissolução de sociedade conjugal ou união estável por via judicial ou escritura pública que disponha sobre a partilha de bens e transferência de administração ou portabilidade de planos de previdência. Se se tratar de condomínio fechado, as cotas somente podem ser sacadas no término do prazo do plano, ou antes, se isso for determinado pela assembleia de cotistas ou pela CVM. As cotas de fundo fechado e seus direitos de subscrição podem ser transferidos mediante termo de cessão e transferência ou por meio de negociação em mercado organizado em que as cotas do fundo sejam admitidas à negociação. Ou, claro, por sentença passada em julgado. Como as cotas não têm em si valor patrimonial senão depois de avaliadas pela CVM, quanto cada cota efetivamente vale somente se pode apurar levantando um balanço do patrimônio líquido do fundo, e isso, como dito, só pode ser feito nos termos do regulamento do próprio fundo, por determinação da assembleia de cotistas ou da própria CVM. A Instrução n° 555 da CVM diz que o valor da cota do dia é resultante da divisão do valor do patrimônio líquido pelo número de cotas do fundo, apurados, ambos, no encerramento do dia, assim entendido o horário de fechamento dos mercados em que o fundo atue. Antes, portanto, de determinar a penhora de cotas de um fundo a pedido do credor trabalhista, o juiz deve intimar o administrador do fundo para que informe e calcule o valor da cota do devedor trabalhista, quantas cotas o fundo tem naquela carteira de investimento e o patrimônio líquido do fundo, na forma do art.56, I da Instrução n° 555/2014 da CVM, juntando o extrato analítico atualizado dessa informação, na forma do art.56, II dessa instrução. Com base nisso será possível aferir o valor equivalente em dinheiro e saber, exatamente, quantas cotas penhorar, deixando intocadas as remanescentes.
Em se tratando de fundo fechado, no qual as cotas somente podem ser liquidadas no término do prazo de duração do fundo, a penhora deve ser evitada pela sua completa ineficácia para o credor trabalhista. Se a penhora for inevitável, o juiz deve ter discernimento para entender que as cotas não poderão ser sacadas do fundo imediatamente porque o fundo depende da permanência desses valores mobiliários em carteira para preservar a própria finalidade do investimento e não prejudicar os demais investidores da mesma carteira. Nesse caso, se o credor insistir na penhora dessas cotas, deve ser advertido expressamente de que não poderá liquidá-las de imediato, o que não impede que a penhora seja feita desde logo, apurando-se o valor das cotas da mesma forma que no fundo aberto, mas sem alienação de patrimônio senão depois de finda a duração do fundo, o que deve constar expressamente do registro de constituição na CVM.
O que É Preciso Entender
1. Fundos de investimento são “pessoas morais”, sem personalidade jurídica própria, mas com capacidade de contrair direitos e obrigações na vida civil. A Lei n° 13.874/2019 equiparou-os a sociedades civis para efeito de declaração de insolvência , que pode ser requerida judicialmente pelos credores na forma do art.1.052 do CPC, por deliberação dos seus cotistas em assembleia geral ou pela CVM.
2. Fundos de investimento são classificados pela lei como “condomínios especiais” e não se regulam pelo Código Civil, mas pelas regras e instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
3. As cotas condominiais pertencem aos investidores, e não aos fundos. O fundo é proprietário das ações que adquire às empresas com cotação em Bolsa com o dinheiro injetado em seus cofres pelos investidores ou cotistas.
4. O fato de um fundo de investimento poder votar nas decisões estratégicas das empresas investidas não o torna sócio dessas empresas nem forma com elas grupo econômico porque o seu interesse no negócio resume-se a esperar que as ações das empresas investidas ganhem valor para que possa remunerar com o lucro o investimento de seus cotistas.
5. Cotas são valores mobiliários e, como tais, absolutamente penhoráveis. Em regra, o que é penhorável é cessível.
6. As cotas de um investidor num fundo de investimentos são penhoráveis para garantia de dívida particular desse investidor, mas não podem ser penhoradas para garantia de dívidas do próprio fundo ou de outro devedor.
7. Os cotistas de um fundo não compram ações das empresas nas quais os fundos injetaram o seu dinheiro, mas sim cotas representativas do dinheiro aplicado no fundo. Em regra, os cotistas de um fundo de investimento não têm nenhuma ligação com as empresas nas quais o seu dinheiro foi aplicado. A sua expectativa é a de que o fundo tenha aplicado bem o seu dinheiro para que as ações e investimentos se valorizem e lhes rendam dividendos.
8. Se uma empresa tem cotas em um fundo de investimento e tem, ao mesmo tempo, uma dívida qualquer para com um credor civil ou ex-empregado, o credor dessa empresa pode penhorar essas cotas no fundo porque o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens, presentes e futuros, mas o fundo, se tiver sido constituído como condomínio fechado, não tem possibilidade técnica de liquidar as cotas antes do término do seu prazo de duração porque isso só pode ser feito pela assembleia de cotistas ou pela CVM, e não está nos limites do poder do juiz determinar
aos cotistas que realizem a assembleia para liquidação das cotas, nem à CVM para que antecipe a liquidação do fundo porque isso prejudicaria os interesses do próprio fundo, que deixaria de receber a sua remuneração pela administração do capital investido, e os interesses dos outros condôminos, que somente receberiam os dividendos da sua aplicação se o fundo se mantivesse hígido com os aportes financeiros de todos os demais partícipes.
9. Quando um fundo responde à intimação judicial afirmando que não tem condições técnicas de repassar imediatamente as cotas para a conta do juízo, ou não tem como transferir o equivalente em dinheiro para um conta judicial, não está resistindo sem fundamento a uma ordem judicial, mas expondo as suas limitações técnicas, todas definidas claramente em regras próprias e orientações da CVM que o juiz tem de conhecer antes de autorizar a penhora.
10. De acordo com o art.37 da Instrução n° 555 da CVM, o regulamento do fundo deve estabelecer os prazos entre a data do pedido de resgate, a data de conversão de cotas e a data do pagamento do resgate. A conversão de cotas deve se dar pelo valor da cota do dia na data de conversão. Assim, em caso de penhora dessas cotas, o dia da penhora efetiva é o dia da conversão da cota em dinheiro.
11. Um fundo de investimento pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado, exceto quando a lei determinar a forma de sua constituição, como é o caso do Fundo de Investimento Imobiliário, que deve necessariamente ser constituído sob a forma de condomínio fechado, proibido o resgate de quotas, com prazo de duração determinado ou indeterminado, e do Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional — FUNCINES —, que também é constituído sob a forma de condomínio fechado. No condomínio aberto, os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas a qualquer tempo, desde que respeitados os prazos estabelecidos no regulamento do fundo; no condomínio fechado, as cotas somente poderão ser são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo.
12. O fundo de investimento responde diretamente pelas obrigações legais e contratuais por ele assumidas.
13. Antes de deferir ao credor o pedido de penhora de cotas num fundo de investimento o juiz deve certificar-se de que a empresa executada efetivamente detém cotas nesse fundo, quantas e quais são e, em seguida, determinar ao administrador desse fundo que informe, juntando extrato analítico, o valor da cota, o tipo de fundo a essa cota pertence, qual o patrimônio líquido do fundo, qual o valor da cota e quantas cotas compõem a carteira de ativos do fundo.
14. Se o juiz do trabalho entender que o pedido de penhora de cotas feito pelo ex-empregado da empresa cotista pode pôr em risco a higidez do fundo e prejudicar os demais cotistas, poderá exigir que o credor preste caução idônea.