A laicidade do estado é garantida no art. 19 da Constituição Federal (CF/88):
"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;"
Esta colaboração de interesse público envolve atividades variadas. Instituições sem fins lucrativos, além de não pagarem tributos (Art. 150, inciso VI, alínea c, da CF/88), ainda podem prestar serviços de assistência social aos idosos, às crianças (orfanatos) ou até integrarem o sistema do SUS por meio de atividade de saúde complementar. Nestes casos, recebem verbas públicas porque prestam um serviço público.
Esta colaboração reconhece o importante papel da Igreja Católica em prestar serviços de educação, saúde e assistência social durante séculos, fato que foi ampliado por congregações protestantes após a Constituição de 1891, ao reconhecer a igualdade entre religiões e a possibilidade de cultos abertos ao público por qualquer igreja.
Antes mesmo destes direitos sociais serem reconhecidos pela primeira vez, somente na Constituição de 1934, as agremiações religiosas já exerciam esta função. É razoável que estas atividades tenham imunidade tributária, além de verbas públicas. Se o estado expandisse sua capacidade de prestar todos os serviços sociais, isso seria muito custoso e, provavelmente, ineficiente.
No entanto, o patrocínio direto de atividades sem retorno social e sem foco no interesse público, parecem violar o Art. 19 da CF/88, que estabelece de forma clara a laicidade do Estado.
Parece haver uma tentativa de políticos de plantão de agradar certas igrejas para angariar votos daqueles fiéis.
Contraria frontalmente a proibição do Art. 19 da CF/88 de estabelecer uma "aliança" em que os políticos ganham mais votos e as igrejas, mais fiéis.
As formas em que isto ocorre são variadas: cessão gratuita de espaço público, comodato de equipamentos públicos (carros, barracas, tendas) e até verbas legais que deveriam se destinar à cultura e que são empregadas em eventos religiosos.
Obviamente, shows e eventos religiosos integram a cultura nacional. Mas é inegável que o patrocínio direto de um evento de cunho religioso pode ser:
.desigual, porque nem todas as agremiações religiosas têm o mesmo poder de convencimento dos agentes políticos;
.desvio de verbas que poderiam ser destinadas a gastos mais relevantes na saúde ou na educação nacional;
.contra a proibição constitucional da subvenção religiosa, disposta no Art. 19 da CF/88.
Esta conduta desperta o importante tema do controle judicial de políticas públicas. Até que ponto o judiciário pode interferir na autonomia do gestor público para dizer que uma verba deve ou não ser empregada em uma atividade? Neste caso, parece-me importante que os tribunais discutam critérios para o uso correto e republicano de verbas públicas.
É comum utilizarmos no Direito o argumento ao absurdo, para esclarecer situações. Imaginemos uma igreja que viva de fazer festas e promoções culturais... a cada novo evento, consegue atrair cada vez mais fiéis... Até que ponto o Estado deve continuar investindo nisso? Deve fazê-lo toda semana? Quanto de verba deve se destinar a isso? Isto é papel do Estado? Não há gastos mais importantes? Pode consumir quanto do orçamento?
Quanto mais cresce o investimento em eventos confessionais, aumenta o número de fiéis, a Igreja fica mais forte, pressiona mais os agentes públicos e acaba recebendo mais investimentos... quem sabe até todo o orçamento - o que seria um absurdo. Isto expõe a impropriedade de uso de verba pública para eventos do gênero.
Se instituições religiosas são privadas e o interesse em congregar e festejar depende apenas de seus fiéis, somente eles devem custear esta atividade que não tem relevância e interesse para outras pessoas, que professam outro credo.
Se o próprio Congresso Nacional possui uma "Bancada da Bíblia" e diversos políticos são reconhecidamente eleitos por seu cargo ou vínculo religioso, é natural que instituições públicas estabeleçam parâmetros de destino de verbas. Não podem desfalcar serviços sociais relevantes para alimentar um círculo vicioso: religião-> política-> estado->religião.
Acima de tudo, este patrocínio indiscriminado de eventos religiosos pelo Estado parece confundir o público com o privado, violar a laicidade do estado, a igualdade entre religiões e a própria essência republicana da Constituição Federal, que tem metas muito mais urgentes a cumprir.