Este artigo objetiva informar sobre o compliance aplicado ao Direito Penal, englobando o criminal compliance, os programas de compliance e as controvérsias no que se refere à responsabilidade criminal do compliance officer.
Criminal compliance
De acordo com a Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI) “compliance é o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos às atividades da Instituição”. Brevemente pode-se dizer que o termo compliance significa estar em conformidade com as normas e os regulamentos internos e externos.
Considera-se um dos marcos históricos do criminal compliance no Brasil a promulgação da Lei de Lavagem de Dinheiro. O criminal compliance é tido como instrumento de combate de prevenção a diferentes crimes, como a corrupção e a lavagem de dinheiro, tendo em vista que pretende instituir uma cultura de observância de práticas preventivas e afastar a necessidade de responsabilização penal pelo cometimento de condutas criminosas (ZANON, 2019).
A Lei de Lavagem de Dinheiro - Lei nº 9.613 de 1998 aborda os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens ou valores, a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos indicados na Lei, além de ter criado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. A respectiva Lei teve alguns dispositivos alterados pela Lei nº 12.683 de 2012.
O criminal compliance se diferencia do Direito Penal tradicional. O Direito Penal tradicional tem uma atuação após o fato, já o criminal compliance tem uma atuação preventiva. Salienta-se que mesmo atuando de forma preventiva, o criminal compliance pode induzir a novas punições, em especial, no que se refere ao compliance officer.
O compliance officer é o responsável pela aplicação do Programa de Integridade, conforme indicado no artigo 42, IX, do Decreto nº 8.420 de 2015. O compliance officer deve agir como um fiscalizador - auditor interno - e deve garantir o cumprimento dos regulamentos. O referido profissional deve elaborar controles internos com o objetivo de mitigar a ocorrência de responsabilização administrativa, civil ou penal.
Programas de Compliance
Os Programas de Criminal Compliance têm sido cada vez mais utilizados e até mesmo considerados requisitos do mercado financeiro, com o objetivo de coibir delitos econômicos. Assim, a fiscalização e a gestão de riscos, para prevenir ilícitos em geral, essencialmente, os crimes econômicos possuem papel crucial. Para viabilizar a respectiva fiscalização, é necessária a concentração do controle, como a posição de garante do compliance officer (GUIMARÃES, 2020).
Segundo Renato Silveira e Eduardo Saad-Diniz (2015) os elementos estruturais dos Programas de Compliance na analítica Ulrich Sieber são:
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A definição e a comunicação de valores que devem ser observados pela empresa, a análise de riscos correspondente na empresa, bem como, as determinações e as advertências dos preceitos que devem ser observados;
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Fundamentação da responsabilidade do plano de direção mais elevado no que se refere aos objetivos, aos valores e ao procedimento para evitar a criminalidade da empresa;
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Criação de um sistema de informação com o intuito de descobrir e de esclarecer delitos, principalmente, para o controle interno pessoal e material, para os deveres de informação;
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Introduzir controladores externos e controles com relação aos elementos individuais dos programas de compliance e avaliação externa dos programas;
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Estabelecer medidas sancionatórias internas em virtude de abusos;
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Criação de estruturas efetivas de incentivo para a realização e o desenvolvimento posterior de medidas anteriormente indicadas.
Ainda de acordo com Renato Silveira e Eduardo Saad-Diniz (2015), cabe indicar que o compliance penal produz certos níveis de instabilidade normativa, que parecem se aproximar das críticas elaboradas por Juarez Tavares ao modelo de “política criminal neoliberal” de “desagregação dos aparelhos formais do Estado e sua apreensão por conglomerados econômicos”.
Responsabilidade criminal do compliance officer
Com relação à responsabilidade criminal do compliance officer pode-se dizer que ainda não há tipo penal específico para a incriminação do representante de compliance officer. Entretanto, diversos doutrinadores acreditam que há responsabilização apenas nos casos de omissão imprópria - quando uma omissão inicial e dolosa do agente der causa a um resultado posterior, que o agente possuía o dever jurídico de evitar (GUIMARÃES et al., 2020).
No entendimento do STJ haverá responsabilização dos representantes da pessoa jurídica - compliance officer - nos casos em que houver nexo entre a conduta e o resultado.
O Tribunal de Justiça Federal da Alemanha (Bundesgerichtshof, BGH) entendeu que deveria ocorrer a condenação de compliance officer, já que ao assumir a responsabilidade de prevenção de crimes na empresa, o profissional assume a posição de garante e, assim, deveria ser punido por ter assumido a responsabilidade de impedir a ocorrência do resultado. Destaca-se que na Alemanha os compliance officers possuem uma função bem abrangente e predefinida (GUIMARÃES et al., 2020).
No Brasil, com relação ao julgamento da Ação Penal nº 470, percebe-se que algumas atribuições de responsabilidade penal aos réus foram fundamentadas no simples descumprimento dos deveres de compliance.
Salienta-se que ainda não existe na legislação brasileira uma delimitação clara sobre os deveres do compliance officer. Diversos juristas têm argumentado que o profissional de compliance não deve ser responsabilizado apenas pela posição em que ocupa e por uma falha no seu assessoramento. Tais juristas indicam ainda, que deve ser feita uma análise criteriosa e que é importante verificar se o compliance officer omitiu por dolo ou culpa providência a que estava obrigado.
Referências:
ABBI. Função de Compliance. Julho de 2009.
GUIMARÃES, César Caputo. et al. O Compliance Officer e sua responsabilização na esfera criminal. In: CARVALHO, André Castro. Manual de Compliance. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
SAAD-DINIZ, Eduardo. A criminalidade empresarial e a cultura de compliance. Revista Eletrônica de Direito Penal. vol. 2, n. 2, dez. 2014.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge.; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015.
ZANON, Patricie Barricelli; FANTIN, Lucas Alfredo de Brito. 20 anos de Compliance e Políticas Públicas de Combate e Prevenção à Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In: BECHARA, Fábio Ramazzini. et al. Compliance e Direito Penal Econômico. São Paulo: Almedina, 2019.