Prescrição e Decadência: Vício Aparente/Vício Oculto

Por Júlia Brites - 27/04/2024 as 12:12

 

   Curso de Direito do Consumidor com Vítor Guglinski com foco 100% na prática jurídica, jurisprudência atualizada e teses reais utilizadas na advocacia consumerista.

 

Esse presente artigo tem o objetivo de tecer acerca dos prazos decadencial e prescricional no caso de vício aparente e de vício oculto ocorrido no fornecimento de produto ou serviço.

 

Vício Aparente e Vício Oculto

 O vício aparente e o vício oculto são espécies de vício do produto. Enquanto o vício oculto surge apenas quando utilizada a coisa, o vício aparente se mostra imediatamente no momento da aquisição.

 Tartuce reforça que o vício surge quando existe um problema oculto ou aparente no bem de consumo, que o torna impróprio para uso ou diminui o seu valor, tido como um vício por inadequação.

 A título de exemplificação, o § 6º do art. 18 do CDC expõe algumas situações em que o vício do produto está presente, sendo considerados impróprios para uso e consumo:

 a) os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos, o que atinge os produtos perecíveis adquiridos em mercados e lojas do gênero;

 b) os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação e

 c) os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

 Segundo o autor, o vício do produto não se confunde com as deteriorações normais decorrentes do uso da coisa, por isso, para a caracterização ou não do vício deve ser considerada a vida útil do produto que está sendo adquirido.

Nesse sentido, segue entendimento jurisprudencial acerca do tema:

 

APELAÇÃO. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. AQUISIÇÃO DE PORCELANATO PARA PISO EM VOLTA DE PISCINA. ADERÊNCIA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO. DECADÊNCIA CONSTATADA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. SENTENÇA MANTIDA. 1. São considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. Os aparentes ou de fácil constatação, como o próprio nome diz, são aqueles que aparecem no singelo uso e consumo do produto (ou serviço). Ocultos são aqueles que só aparecem algum ou muito tempo após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao consumidor, não podem ser detectados na utilização ordinária. (...) Recurso desprovido. Unânime. (Apelação 07008002820188070020, Relator: ROMEU GONZAGA NEIVA, 7ª Turma Cível do TJDFT, data de julgamento: 6/11/2019, publicado no DJE: 11/11/2019) (grifo nosso)

 

Vício e Defeito: sinônimos?

Esse questionamento apresenta divergências entre doutrinadores e na jurisprudência, não estando pacificado o tema.

Há teorias que defendem que os dois são sinônimos, bem como outras teorias que defendem que são distintos, uma vez que o vício refere-se à inadequação do produto para o que foi destinado e o defeito refere-se à insegurança do bem de consumo.

Sérgio Cavalieri Filho distingue os dois institutos: “A palavra-chave neste ponto é defeito. Ambos decorrem de um defeito do produto ou do serviço, só que no fato do produto ou do serviço o defeito é tão grave que provoca um acidente que atinge o consumidor, causando-lhe dano material ou moral. O defeito compromete a segurança do produto ou serviço. Vício, por sua vez, é defeito menos grave, circunscrito ao produto ou serviço em si; um defeito que lhe é inerente ou intrínseco, que apenas causa o seu mau funcionamento ou não funcionamento”.

Por exemplo, se uma televisão estraga e, portanto, não liga, estamos diante de um vício. Agora, se a televisão ligar e explodir no consumidor, estaremos diante de um defeito e a respectiva responsabilidade pelo fato do produto.

O Código do Consumidor aplica o mesmo entendimento na medida em que o artigo 12 dispõe em § 1º que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, bem como no artigo 14, § 1º conceituou serviço defeituoso como aquele que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar.

Por fim, o artigo 18 define vício do produto como “vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”.

 

Bens Duráveis e Não Duráveis

 Essa distinção será muito importante para analisar os prazos do artigo 26 do Código do Consumidor.

Como o nome já diz, bens duráveis são aqueles feitos para durar, para ser utilizado diversas vezes, como, por exemplo, roupas, livros, automóveis, entre outras.

 No entanto, o autor Fabrício Bolzan alerta que, em razão de não durarem para sempre, mais cedo ou mais tarde sofrerão desgastes naturais que não poderão ser confundidos com vícios, pois ocorrerá a redução natural de sua eficiência ou até de seu desempenho funcional e não a inadequação do bem.

 Já os bens não duráveis são aqueles que se extinguem quando consumidos em um período curto de tempo, podendo ser de uma forma imediata, como alimentos, ou em um prazo um pouco maior, como a caneta.

 

Prescrição e Decadência

A prescrição é a perda da pretensão ao exercício do direito de ação, ou seja, significa dizer que o titular do direito deixou passar o prazo para agir, realizar determinado ato. Regulada nos artigos 189 a 206 do Código Civil, o instituto da prescrição somente se apresenta em anos.

Segundo o autor Flávio Tartuce, a prescrição se associa às ações condenatórias, ou seja, àquelas ações relacionadas com direitos subjetivos, próprios das pretensões pessoais. Assim, segundo ele, a prescrição mantém relação com deveres, obrigações e com a responsabilidade decorrente da inobservância das regras ditadas pelas partes ou pela ordem jurídica.

Já a decadência é a perda do direito material pelo não exercício em certo período de tempo. Está regulada nos artigos 207 a 211 do Código Civil, bem como seus prazos se apresentam em dias, meses, ano e dia ou até em anos.

Segundo o autor Flávio Tartuce, a decadência está associada a direitos potestativos e às ações constitutivas, sejam elas positivas ou negativas, como por exemplo, as ações anulatórias de atos e negócios jurídicos. Assim, esse instituto tem relação com um estado de sujeição, próprio dos direitos potestativos (aquele direito que “não tem saída”).

 

Prazos decadencial e prescricional previstos no CDC

Após análise minuciosa sobre cada instituto, cumpre agora dispor sobre os prazos decadencial e prescricional previstos no Código de Defesa do Consumidor:

Prazo decadencial

Segundo o artigo 26 do CDC, o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

a) trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

b) noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

A contagem do prazo decadencial inicia-se a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, conforme seu §1º.

Ou seja, o prazo para reclamar do vício de um produto ou serviço é um prazo decadencial.

Nesse sentido, segue trecho do acórdão nº 1202604 da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal:

“(...) Tratando-se de vício de adequação, os prazos para reclamação do consumidor são decadenciais, nos termos do art. 26, CDC, sendo de 90 (noventa) dias para o caso de se tratar de produto ou serviço durável. 7. Se o vício de adequação é aparente ou de fácil constatação, que possa ser detectado pelo consumidor mediante uma inspeção ordinária, o prazo decadencial tem como termo a quo a data em que o produto é entregue ou em que o serviço é executado e recebido. (Acórdão 1202604, 07134596920188070020, Relator: FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 19/9/2019, publicado no DJE: 1/10/2019). (grifo nosso)

Já quando refere-se ao vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito, conforme seu §3º.

Importante destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.123.004, em que argumenta sobre a vida útil do produto:

“De fato, conforme premissa de fato fixada pela corte de origem, o vício do produto era oculto. Nesse sentido, o dies a quo do prazo decadencial de que trata o art. 26, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor é a data em ficar evidenciado o aludido vício, ainda que haja uma garantia contratual, sem abandonar, contudo, o critério da vida útil do bem durável, a fim de que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente”. (REsp 1.123.004/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 9-12- 2011). (grifo nosso)

Ainda, em seu §2º, o CDC dispõe sobre os casos que obstam a decadência:

- a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca e

- a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

Prazo Prescricional

De acordo com o artigo 27, prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Ou seja, quando tratar-se de um acidente de consumo

 

   Curso de Direito do Consumidor com Vítor Guglinski com foco 100% na prática jurídica, jurisprudência atualizada e teses reais utilizadas na advocacia consumerista.

 

Referência Bibliográfica:

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor, 2018. Volume único, p. 171.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 288.

DE ALMEIDA, Fabrício Bolzan. Direito do Consumidor Esquematizado, p.180.