Prevenção e Reparação de Danos Causados ao Consumidor: Responsabilidade Civil dos Profissionais Liberais

Por Júlia Brites - 27/04/2024 as 12:19

 

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Responsabilidade objetiva

O Código de Defesa do Consumidor tem como regra a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços, frente aos consumidores, pois tal opção visa a facilitar a tutela dos direitos do consumidor, em prol da reparação integral dos danos, constituindo um aspecto material do acesso à justiça, conforme expõe Flávio Tartuce.

Ou seja, significa dizer que o fornecedor terá que reparar os danos/prejuízos causados aos consumidores independentemente da comprovação do dolo ou da culpa.

Assim sendo, segue o artigo 927 do Código Civil:

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Responsabilidade subjetiva

No entanto, no caso dos profissionais liberais a responsabilidade é diferente: é subjetiva, tornando-se exceção à regra. Isso porque o artigo 14, §4º do CDC prevê que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa, ou seja, mediante a comprovação de dolo ou de culpa.

Rizzatto Nunes afirma que para caracterizar um profissional liberal devem estar presentes as seguintes características:

a) autonomia profissional, sem subordinação;

b) prestação pessoal dos serviços;

c) elaboração de regras pessoais de atendimento;

d) atuação lícita e eticamente admitida.

Segundo Fabrício Bolzan, prevalece que não há necessidade de formação superior, mas apenas formação específica, ainda que técnica.

Ainda, o autor cita razões que justificam o tratamento diferenciado aos profissionais liberais:

“(...) Há um caráter personalíssimo (intuitu personae) na relação existente, por exemplo, entre paciente e médico. Isto significa identificar o requisito da fidúcia — confiança — neste tipo de relação. Ademais, a atividade do profissional liberal desempenhada é, em regra, uma atividade de meio, em que o profissional compromete-se a empregar todo o seu conhecimento e todas as técnicas existentes para atingir o resultado pretendido, mas não há obrigatoriedade de atingi-lo, pois sua atividade não é preponderantemente de resultado. (...) O profissional liberal desenvolve uma atividade personalizada, isto é, nenhum paciente é igual ao outro, por mais que a doença seja mundialmente reconhecida. Tal situação exige, a depender das características do enfermo, um tratamento personalíssimo a ser estudado caso a caso. Tal contexto reflete inclusive no momento da contratação”. (grifo nosso)

Como colocado acima, o profissional liberal, em regra, desempenha uma atividade de meio, sem a obrigação de atingir o resultado esperado. A questão que surge é: o profissional liberal pode desempenhar atividade-fim?

A resposta é sim, bem como o mesmo se comprometerá a atingir o resultado pretendido, o que acontece, por exemplo, em cirurgias estéticas, de embelezamento.

E a responsabilidade, nesse caso, muda ou continua subjetiva?

Fabrício Bolzan responde esse questionamento:

“Inicialmente, cumpre destacar divergência na doutrina sobre o tema, muito bem pontuada pelas observações de Zelmo Denari: certo setor doutrinário acena para uma particularidade muito sutil, sustentando que nos contratos de resultado — em que a remuneração do profissional fica condicionada a determinado resultado favorável ao cliente, em contraposição aos contratos de meio — deve ser aplicada, excepcionalmente, a regra da responsabilidade objetiva, e não subjetiva. Não se pode compartir esse ponto de vista, pois a natureza do contrato (de resultado ou de meio) não tem nada a ver com a natureza intuitu personae da responsabilidade do profissional liberal.

As turmas terceira e quarta do Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que a atividade de resultado não transforma a responsabilidade subjetiva do profissional liberal em objetiva, mas ocorrerá a presunção de culpa do prestador do serviço pelos danos causados, com a respectiva inversão do ônus da prova. Assim, apesar de se discutir culpa (responsabilidade subjetiva), caberá ao profissional liberal demonstrar a inexistência desta no caso concreto para se eximir do dever de indenizar. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em termo de consentimento informado, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO (REsp 1.180.815/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 26-8-2010).

No mesmo sentido, o STJ ao entender que: Em procedimento cirúrgico para fins estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que importa a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional elidi-la de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente, em razão do ato cirúrgico. (REsp 985.888/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe 13-3-2012)”. (grifo nosso)

Dessa forma, a responsabilidade pessoal do profissional liberal mantém-se subjetiva, mas ocorrerá a presunção de culpa médica pelos danos causados.

 

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DE ALMEIDA, Fabrício Bolzan. Direito do Consumidor Esquematizado, pgs. 543, 544-546;

RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 230-231;

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor, 2018. Volume único, ps. 156.