Principais inovações advindas da Lei da Liberdade Econômica

A Lei nº 13.874 foi publicada em 20 de setembro de 2019 para instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelecer garantias de livre mercado, além de alterar diversos diplomas legais, dentre eles o Código Civil, a Lei que regulamenta as Sociedades por Ações (6.404/76), a Lei de Registros Públicos (6.015/73) e a Consolidação das Leis do Trabalho.

Conhecida como Lei da Liberdade Econômica, a Lei nº 13.874 adveio da Medida Provisória nº 876/2019, seguida da MP nº 881/2019, que foi proposta com objetivo de auxiliar na recuperação da economia e diminuir o índice de desemprego; garantir resultado efetivo em investimentos em educação e tecnologia; e, atrair investimentos e capital para o país.

Para a conversão da Medida Provisória em Lei, na forma do artigo 62, §3º, da Constituição Federal, foram vetados quatro pontos.

A saber, foi vetado por contrariedade ao interesse público e à segurança nacional o inciso VII do art. 3º, que previa testes e oferecimento de novos produtos sem requerimento ou ato publico de liberação.

Isso porque, mesmo que sejam testados ou oferecidos os produtos para pessoas capazes e com autorização delas, por meio de livre consentimento, poderia colocar em risco a vida, saúde e segurança dessas pessoas, enquanto consumidoras, o que implica em violação do dever estatal de defesa do consumidor (inciso XXXII do art. 5º e inciso V do art. 170 da CF).

Também foram vetados a alínea a do inciso XI do art. 3º, por falta de sentido e clareza; o § 9º do art. 3º por violação ao dever do Poder Público de prevenção ambiental; o inciso IV do art. 19 que revogaria o inciso IV do caput do art. 1.033 do Código Civil, por gerar insegurança jurídica; e o inciso I do art. 20 que previa a vigência da nova Lei após 90 dias da publicação.

Princípios da Lei da Liberdade Econômica

No artigo 2º da nova Lei estão expostos os princípios norteadores, que são:

I - a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;

II - a boa-fé do particular perante o poder público;

III - a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e IV - o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

O parágrafo único do artigo 2º, no entanto, apresenta hipóteses em que poderá ser afastada a vulnerabilidade do particular em relação ao estado, como em casos de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.

Registro de ponto

O §2º do artigo 74 da CLT, que previa a obrigatoriedade de registro de ponto para os estabelecimentos com mais de 10 trabalhadores, foi alterado pela Lei da Liberdade Econômica, expondo que:

§2º Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.

Assim, a anotação de horários de entrada e saída passou a ser exigida para empresas com mais de 20 funcionários.

O §4º inovou consignando que “Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.

Alvará e licenças de operação e funcionamento

Outro ponto importante da norma foi a liberação do funcionamento de atividade de baixo risco, que é basicamente o pequeno comércio, sem necessidade de atos prévios dos órgãos públicos, como prevê o inciso I do artigo 3º, que assim dispõe:

Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômico do País observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

I - desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

Por meio de Lei municipal ou decreto são definidas as atividades de baixo risco que têm dispensada a exigência de atos públicos de liberação. À exceção de questões ambientais, que não terão essa dispensa.

Fim do Sistema e-Social

O Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas, o e-Social, foi instituído para unificar dados previdenciários e trabalhistas de trabalhadores e de empregadores, com a Lei da Liberdade Econômica ele foi substituído por um sistema mais simples.

O artigo 16 da nova lei estabelece a substituição:

Art. 16.  O Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) será substituído, em nível federal, por sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais.  

O sistema digital atual utilizado é a REDESIM - Rede Nacional para a Simplificação do registro e da Legalização de Empresas e Negócios.

Carteira de trabalho eletrônica

A Lei da Liberdade Econômica trouxe a desburocratização e informatização, o que se pode constatar, também, nas novas carteiras de Trabalho que serão emitidas em meio eletrônico e com o número do Cadastro de Pessoas Físicas - CPF para identificação única do empregado.

Ademais, a partir da admissão os empregadores terão cinco dias úteis para fazer as anotações na CTPS e “O trabalhador deverá ter acesso às informações da sua CTPS no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir de sua anotação” (§8º do artigo 29 da Lei 13.874/2019).

Documentos públicos digitais

A nova norma altera o artigo 2º da Lei nº 12.682/2012:

O documento digital e a sua reprodução, em qualquer meio, realizada de acordo com o disposto nesta Lei e na legislação específica, terão o mesmo valor probatório do documento original, para todos os fins de direito, inclusive para atender ao poder fiscalizatório do Estado.

Assim, o documento público digitalizado terá valor jurídico e probatório tanto quanto o documento original.

Abuso do Poder Regulatório

A fim de garantir a livre iniciativa foi estabelecido pela Lei o dever da administração pública de evitar o abuso regulatório que possa afetar a exploração da atividade econômica, na forma do artigo 4º e seus incisos.

Dentre outras situações, os dispositivos vedam a criação de reserva de mercado que favoreça um grupo econômico ou profissional em detrimento dos concorrentes, proíbem regras que impeçam a entrada de competidores no mercado e a solicitação de certidões não previstas em lei.

Ficou expressamente proibida a exigência de especificação técnica desnecessária e a redação de enunciados que “[...] impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco”.

Desconsideração da personalidade jurídica

O artigo 7º da Lei da Liberdade Econômica alterou, ainda, o artigo 50 do Código Civil, que aplica o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Assim, salvo nos casos previstos, a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa dos sócios, associados, instituidores ou administradores.

Fundos de investimento

A Lei nº 13.874 estabeleceu modificações nas regras referentes aos fundos de investimento. Para tanto, o Código Civil contou com mais um capítulo, abrangendo os artigos 1.368-C a 1.368-F.

Até então, as regras dispostas nos artigos 1.314 a 1.358-A do Código Civil eram aplicadas aos condomínios em geral e utilizadas para os fundos de investimento.

Inicialmente a Lei esclarece que “O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza” (art. 1368-C do CC).

Com a mudança ficou determinado que “O registro dos regulamentos dos fundos de investimentos na Comissão de Valores Mobiliários é condição suficiente para garantir a sua publicidade e a oponibilidade de efeitos em relação a terceiros” (Art. 1638-C, §3º, do CC).

Negócios jurídicos

A nova Lei modificou o artigo 113 do Código Civil determinando uma nova visão para os negócios jurídicos, porquanto as partes podem pactuar livremente as regras de interpretação, desde que observada a função social do contrato e, nas relações privadas, o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

O artigo 421-A e seus incisos, por sua vez, trouxeram ao ordenamento jurídico, por meio da LLE, a possibilidade de revisão contratual:

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”

A modificação das regras dos contratos, sejam civis ou empresariais, é aplicável quando acontecem situações imprevisíveis que tornam o contrato excessivamente oneroso, resultando em desequilíbrio da relação jurídica, materializando a teoria da imprevisão.