Com o passar dos anos, as relações de consumo mudaram e, principalmente, a forma como lidamos com o tempo também. Quem nunca ouviu a expressão "tempo é dinheiro?". No âmbito jurídico, por exemplo, o tempo, segundo o especialista em Direito do Consumidor Vitor Guglinski, é considerado parâmetro objetivo utilizado para criar e extinguir direitos. E foi diante da importância de se abordar os efeitos que sofremos quando a solução de demandas de consumo requer tempo considerável, que Vitor escolheu como tema para a quarta live o título "Responsabilidade Civil pela Perda de Tempo".
Intermediada pela professora do Instituto de Direito Real Bethânia Senra, Vitor Guglinski, ressaltou que esse tema merecia uma atenção no Brasil desde meados dos anos 2000. Ele defende que é inadmissível que o consumidor enfrente verdadeiras e duradouras batalhas para tentar ver os seus direitos respeitados.
"É um tema que faz parte desde sempre das relações de consumo. O tempo que o consumidor desperdiça para poder solucionar eventuais demandas de consumo junto aos fornecedores é algo que já vem merecendo atenção no Brasil desde meados dos anos 2000".
O advogado conta que o seu primeiro contato com uma possível responsabilidade civil pela perda de tempo por parte do consumidor foi analisando decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em especial, os votos do desembargador André Gustavo Andrade. Vitor relembra que, em todas as suas decisões, o desembargador considerava o tempo em que o consumidor teria levado para conseguir solucionar uma demanda de consumo. Ou seja, dentro dessa lógica, ele colocava o tempo perdido como um agravante na indenização.
"Resumidamente, ele começou a considerar o tempo que o consumidor leva para poder solucionar demandas de consumo. Na maioria das vezes, demandas fáceis, que se o fornecedor tivesse boa vontade e cumprimisse a missão dele de bem atender, não iriam parar no poder judiciário. Ele começou a considerar esse tempo como um agravante nas ações envolvendo ressarcimento por dano moral. Se o consumidor já sofria um dano moral ali, se além disso, ele ainda precisa despender tempo para solucionar uma demanda de consumo, esse tempo seria considerado um agravante dentro daquela lógica de que a indenização se mede pela extensão do dano".
Mas como isso funciona na prática? Em seu artigo “Danos morais pela perda do tempo útil: uma nova modalidade”, Vitor separou algumas ementas que confirmam a sua teoria. Uma delas foi do desembargador Alexandra Câmara. O julgamento realizado no dia 3 de novembro de 2010 tratava de uma demanda indenizatória a respeito de um seguro descontado da conta corrente do consumidor sem a autorização do mesmo. Ao comprovar que o correntista tentou por três anos uma resolução do problema, o desembargador entendeu que o caso era de dano moral configurado e que o consumidor teve perda do seu tempo livre.
Durante a live, o advogado em Direito do Consumidor ressaltou como essas decisões são importantes para o consumidor e para o advogado. Ele explica que esse movimento, que já pode ser visto em alguns tribunais, é essencial para que os advogados consigam combater o argumento de que as relações de consumo não passam de meros aborrecimentos.
"Muitas demandas são julgadas improcedentes ou, às vezes, o dano é fixado em um patamar muito baixo porque os magistrados consideram que esses problemas de consumo são meros aborrecimentos na vida moderna".
Um dos assuntos tratados por Vitor Guglinski foi a ética no mercado de consumo e abordou como está em falta no SAC, por exemplo.
"Se o fornecedor agisse com ética no mercado de consumo, o que ele faria? Eu veiculo uma mensagem de forma difusa prometendo que ele vai economizar tempo na vida dele. E quando ele tem problema, o que eu faço? Eu faço de tudo para não resolver. Se ele quer cancelar um serviço, eu faço de tudo para não cancelar. Eu derrubo a ligação. Inclusive nós temos denúncias em que ex-atendentes de call center dizem que são treinados para não resolver o problema do consumidor".
E aqui é importante trazer à tona a "Lei do SAC" que, infelizmente, não é de conhecimento de todos e que é ignorada por várias empresas. Publicado em 2008, o decreto tem como objetivo regulamentar os contatos de organizações de alguns setores com os seus consumidores, visando evitar situações de constrangimento, de falta de respeito à privacidade do indivíduo, bem como de auxílio no caso de eventuais problemas. Entre as normas fixadas pela Lei estão o tempo máximo para resposta a partir do primeiro contato, a postura que deverá ser adotada pela empresa diante de um pedido de cancelamento do serviço e as regras para uma resposta ao consumidor, que deverá ser clara, objetiva e abordar todos os pontos da demanda do consumidor.
Diante deste cenário, em que as empresas fecham os olhos para essa lei, Vitor ressaltou a importância de os magistrados olharem para a postura adotada por prestadores de serviço. Ele lamentou: "Eu sinto falta dos magistrados, que julgam que isso é um mero aborrecimento, olharem para isso. O juiz fica encastelado no gabinete nele e, com o tempo, perde o tempo com a realidade que ele irá julgar".
Antes de encerrar a live, Vitor Guglinski abordou a autonomia do dano. De acordo com o especialista, essa questão é bem dividida. Ele explica que de um lado existem autores que defendem que é uma lesão autônoma, que não depende da efetiva demonstração de prejuízo. Ou seja, basta o consumidor demonstrar que perdeu tempo. Por outro lado, tem uma corrente que defende que é dano moral. Ou seja, essa lesão ao tempo compõe o dano moral. Essa segunda é defendida por Vitor.
"Ninguém gosta de perder tempo. Nessas situações de desperdício de tempo, você vai ter uma agressão espiritual. Você vai sentir raiva, descaso, frustração, vai se irritar."
Confira a live completa clicando no vídeo abaixo.