Tratamento Jurisprudencial Dispensado aos Casos de Pornografia de Vingança

Análise jurisprudencial sobre responsabilidade civil nos casos de divulgação não consensual de conteúdo íntimo.

Apesar do advento da Lei nº. 13.718/2018 que tornou crime o fenômeno da Pornografia de Vingança, sua aplicação ainda não pode ser observada nesse mapeamento jurisprudencial, haja vista seu sancionamento ter se dado recentemente.

Diante da insuficiência legistativa referente à Pornografia de Vingança, cabe mencionar como os Tribunais vêm se posicionando. Inicialmente, cumpre definir limites para a presente análise. Isso, pois, com o intuito de preservar a intimidade (já violada) das vítimas e evitar a revitimização, os processos, em sua maioria, correm em segredo de justiça, o que reduz contundentemente o objeto da presente análise. A regra geral da tramitação processual baseia-se no Princípio da Publicidade, ou seja, todos os atos processuais são públicos. Ocorre que, em situações excepcionais, o magistrado pode determinar o segredo de justiça, consoante o Art. 189, III do Código de Processo Civil/15 e o Art. 201, §6º, que preveem a possibilidade de decretar o segredo de justiça para não prejudicar a intimidade da vítima. 

Apesar de existirem diversas perspectivas sendo discutidas no mundo jurídico acerca do fenômeno estudado, não há nenhuma lei específica aprovada no tocante à revengeporn, havendo apenas PL’s. Essa realidade leva os Tribunais a optarem por aplicar a adotar as normais penais e civis já existentes nos respectivos diplomas legais, utilizando a analogia. Na esfera penal, observa-se um regular enquadramento dos casos de revengeporn em difamação e injúria, haja vista existir, de fato, o ferimento à honra e à imagem da vítima – no entanto, tal configuração representa um problema, pois a pena branda conferida a esses delitos não se coaduna com a gravidade do fenômeno estudado. (PEGORER; ALVES. 2 amazon013, p. 14). Conforme os julgados abaixo: 

Apelação. Juizado Especial Criminal. Queixa Crime. Art. 139 do Código Penal. Divulgação de vídeo íntimo em "grupo" de whatsapp. Criminoso o compartilhamento de imagens e vídeos íntimos sem a autorização das pessoas nele retratadas. Violação da intimidade é crime. Inteligência do art. 5º, inc. X da Constituição da República. Imenso dessabor. Inconfundível o animus difamandi. Típica a conduta. Vídeos de sexo produzido entre casais trazem implicitamente a cláusula da confidencialidade. Quebra de confiança que não se justifica. Ninguém faz vídeos íntimos para serem divulgados a terceiros, mormente se não são atores ou profissionais do sexo. Prova idônea a gerar um decreto condenatório. Dosimetria da pena. Error in judicando. Causa de aumento do inc. III do art. 141 do Código Penal, não reconhecida. Pena que não se altera, à mingua e recurso da acusação. Eleita pena alternativa, sem a observância do art. 93, inc. IX da Constituição da República. Ausência de fundamentação. Retificação que se impõe para assegurar a pena alternativa mais favorável ao reo. Provido em parte o recurso para a concessão de pena alternativa a alternativa. Apelo conhecido e parcialmente provido. (CAPITAL. 1ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – APR: 4371520158190033, Relator:  CLAUDIA MARCIA GONCALVES VIDAL. Julgado em: 09/01/2018)

PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE PARA ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS, BEM COMO A CRIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM O NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO. [...] 3. Comete os crimes de difamação e de injúria qualificadas pelo emprego de meio que facilita a sua propagação - arts. 139 e 140, c.c. 141, II do CP - o agente que posta na Internet imagens eróticas e não autorizadas de ex-namorada, bem como textos fazendo-a passar por prostituta.(Apelação Criminal Nº 756.367-3, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Paraná, Relator: Lilian Romero, Julgado em 07/07/2011)

Em um julgado do TJ-DF, por outro lado, é possível observar a aplicação da Lei Maria da Penha em relação ao delito de Pornografia de Vingança efetivado por força da relação doméstica entre namorados:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA NO  MBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO.INVIABILIDADE.AUTORIA EMATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS.PALAVRA DA VÍTIMA. FUNDADO TEMOR. DOSIMETRIA DA PENA. QUANTUM DE AUMENTO DA PENA NA SEGUNDA FASE. REDUÇÃO. RECURSO CONHECIDO EPARCIALMENTE PROVIDO.

1. Em crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima assume especial relevância. Não há que se falar em absolvição por falta de provas diante das declarações harmônicas da vítima no sentido de que o réu a ameaçou por intermédio de mensagens de telefone celular, máxime porque a versão da vítima é respaldada pelos depoimentos da testemunha e da informante ouvidas em Juízo, além de constar dos autos as cópias das mensagens enviadas para a vítima.2. Não se verifica a atipicidade do fato, uma vez que, além de estar comprovado nos autos ter a vítima se sentido intimidada com as mensagens recebidas (que a fizeram procurar auxílio policial), a circunstância de a conduta ter sido praticada com ânimo exaltado não afasta o elemento subjetivo do tipo.3. O quantum de aumento pela agravante, na segunda fase da dosimetria, deve guardar proporcionalidade com a pena-base. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido para, mantida a condenação do recorrente nas sanções do artigo 147, caput, do Código Penal, c/c o artigo 5º, inciso III, da Lei nº 11.340/2006 (ameaça cometida no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher), reduzir o quantum de elevação da pena por força da circunstância agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea 'f', do Código Penal (infração penal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher), de modo a diminuir a pena de 01 (um) mês e 20 (vinte) dias de detenção para 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção, mantidos o regime inicial aberto para o cumprimento da pena e a substituição da pena nos moldes definidos na sentença.

TJ-DF 20161310017893DF 0001758-35.2016.8.07.0017, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELITANI, Data de Julgamento: 08.03.2018. 2ª TURMA CRIMINAL

Já na esfera cível, os tribunais vêm condenando os autores da divulgação de material íntimo de forma não consensual com a indenização por danos morais, utilizando preceitos do próprio código civil para embasar as decisões e delimitar o valor devido a título de indenização:

APELAÇÃO CÍVEL. responsabilidade civil. ação de indenização por danos morais. DISSOLUÇÃO CONFLITUOSA DE SOCIEDADE COMERCIAL E CONJUGAL, COM OFENSAS RECÍPROCAS. ENVIO DE IMAGENS da autora nua, caPTURADAS EM MOMENTO DE INTIMIDADE do ex-casal, aos pais da vítima. Envio de mensagens A terceiros, expondo detalhes da relação do ex-casal. Envio de mensagens contendo ameaças. violação dos direitos da personalidade evidenciada. dano moral caracterizado. quantum. 

1. PRELIMINAR de não conhecimento do apelo rejeitada, porquanto tempestivo. PRELIMINAR de nulidade da sentença por cerceamento de defesa igualmente rejeitada, pois o Juiz não se baseou nos documentos acostados com os memoriais para formar sua convicção e prolatar a sentença. 2. MÉRITO: A prova carreada aos autos é farta e robusta, demonstrando à saciedade o comportamento indigno do réu para com a sua ex-companheira e seus ex-sogros.3. Eventuais rusgas pela separação tumultuada e pela dissolução da sociedade patrimonial, para além da conjugal, não davam ao réu o direito de expor à intimidade de sua ex-companheira aos seus pais e a terceiros (empresas com quem mantinham relações comerciais). O demandado poderia ter se valido dos meios adequados – inclusive de demandas judiciais nas quais poderia ter requerido antecipação de tutela – para proteger os seus interesses econômicos e societários, para não se ver alijado dos negócios que estavam em andamento e dos quais entendia ter participação. Todavia, jamais poderia valer-se de ameaças físicas/psíquicas e de atitudes ofensivas e desrespeitosas para intimidar a sua ex-companheira e ex-sócia, bem como aos seus ex-sogros.4. Há uma linha, ainda que tênue, que separa os homens civilizados dos bárbaros. Essa linha se chama respeito, e se cruzada, inviabiliza a vida em sociedade. O réu cruzou essa linha em mais de uma oportunidade, violando os direitos de personalidade dos autores, razão pela qual deve reparar o dano moral que provocou.5. Quantum arbitrado na origem em favor dos ex-sogros – R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um – e de R$20.000,00 para a ex-companheira, que vai mantido, pois adequados e proporcionais aos danos sofridos.

APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70077174977. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator: EUGÊNIO FACCHINI NETO. DATA DO JULGAMENTO: 26.06.2018) 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXPOSIÇÃO DE FOTO ÍNTIMA EM REDE SOCIAL SEM AUTORIZAÇÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO NÃO RECONHECIDA. DANO MORAL IN RE IPSA. MINORAÇÃO DO QUANTUM. CONSECTÁRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Preliminar de carência de ação afastada, ante a inconsistência da arguição. Demonstração de que a pessoa presente na foto publicada em rede social efetivamente era a autora. 2. Caso em que a parte autora postula indenização por danos morais decorrentes da exposição pelo seu ex-marido de foto íntima sua em rede social sem o devido consentimento. 3. Dano moral caracterizado. Ato ilícito indenizável consistente na exposição sem autorização de foto íntima em rede social de grande porte, sendo impossível precisar o tamanho da exposição sofrida pela autora. Dano da espécie in reipsa. Dispensada a comprovação efetiva do dano, sendo suficiente a comprovação do ato ilícito e nexo de causalidade. 4. Quantum indenizatório minorado, de acordo com as circunstâncias do caso concreto e os precedentes locais. 5. Em se tratando de indenização por dano moral, os juros de mora e a correção monetária incidem desde a data do arbitramento. Precedentes. 6. Manutenção da fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, de acordo com o § 3º do artigo 20 do CPC. PRELIMINAR AFASTADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UN NIME. (Apelação Cível Nº 70052257532, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 12/12/2012)

Atualmente, houve uma decisão jurisprudencial muito importante no que toca ao entendimento da origem do fenômeno estudado na presente pesquisa. Isso, pois a ministra Nancy Andrighi considerou, em sede de decisão junto à 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que a Pornografia de Vingança é uma forma de Violência de Gênero. Relatora do caso, Andrighi destacou que é possível determinar que os provedores tomem providências para retirar dos resultados das pesquisas os conteúdos expressamente indicados pelas URLs, buscando excluir completamente um material íntimo divulgado sem consentimento, segundo informações veiculadas pela Revista Consultor Jurídico, em 2018.

Além disso, determinou que a medida deva ser realizada em caráter de urgência, pois a rápida disseminação proporcionada pela internet pode agravar prejuízos à pessoa. Ademais, a ministra observou, consoante preceitos do Marco Civil da Internet que, quando houver divulgação de cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, o provedor passa a ser subsidiariamente responsável a partir da notificação extrajudicial formulada pelo particular interessado na remoção desse conteúdo, e não a partir da ordem judicial com esse comando, explicou a relatora.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. RETIRADA DE CONTEÚDO ILEGAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. IMPOSSIBILIDADE. RETIRADA DE URLS DOS RESULTADOS DE BUSCA. POSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO PORNOGRÁFICA NÃO CONSENTIDA. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA. DIREITOS DE PERSONALIDADE. INTIMIDADE. PRIVACIDADE. GRAVE LESÃO. 1. Ação ajuizada em 20/11/2012. Recurso especial interposto em 08/05/2015 e distribuído a este gabinete em 25/08/2016. 2. Na hipótese, o MP/SP ajuizou ação de obrigação de fazer, em defesa de adolescente, cujo cartão de memória do telefone celular foi furtado por colega de escola, o que ocasionou a divulgação de conteúdo íntimo de caráter sexual, um vídeo feito pela jovem que estava armazenado em seu telefone. 3. É cabível o recurso especial contra acórdão proferido em agravo de instrumento em hipóteses de antecipação de efeito da tutela, especificamente para a delimitação de seu alcance frente à legislação federal. 4. A atividade dos provedores de busca, por si própria, pode causar prejuízos a direitos de personalidade, em razão da capacidade de limitar ou induzir o acesso a determinados conteúdos. 5. Como medida de urgência, é possível se determinar que os provedores de busca retirem determinados conteúdos expressamente indicados pelos localizadores únicos (URLs) dos resultados das buscas efetuadas pelos usuários, especialmente em situações que: (i) a rápida disseminação da informação possa agravar prejuízos à pessoa; e (ii) a remoção do conteúdo na origem possa necessitar de mais tempo que o necessário para se estabelecer a devida proteção à personalidade da pessoa exposta. 6. Mesmo em tutela de urgência, os provedores de busca não podem ser obrigados a executar monitoramento prévio das informações que constam nos resultados das pesquisas. 7. A “exposição pornográfica não consentida”, da qual a “pornografia de vingança” é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis. 8. A única exceção à reserva de jurisdição para a retirada de conteúdo infringente da internet, prevista na Lei 12.965/2014, está relacionada a “vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado ”, conforme disposto em seu art. 21 (“O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo ”). Nessas circunstâncias, o provedor passa a ser subsidiariamente responsável a partir da notificação extrajudicial formulada pelo particular interessado na remoção desse conteúdo, e não a partir da ordem judicial com esse comando. 9. Na hipótese em julgamento, a adolescente foi vítima de “exposição pornográfica não consentida” e, assim, é cabível para sua proteção a ordem de exclusão de conteúdos (indicados por URL) dos resultados de pesquisas feitas pelos provedores de busca, por meio de antecipação de tutela. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.679.465 - SP (2016/0204216-5; Relatora: Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 13/03/18. STJ – Brasília/DF) 

O reconhecimento da Pornografia de Revanche enquanto violência de gênero por uma representante do Superior Tribunal de Justiça é um indubitável avanço jurídico e social. A partir dessa elucidação feita por Andrighi, é possível nutrir, de fato, uma esperança acerca da melhor adequação jurídica desse fenômeno no ordenamento jurídico, sendo certo, contudo, que o desafio para reduzir sua incidência está apenas começando.