Questões da prova:
DPERJ - 2023 - FGV - Defensor Público
89 questões

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IDR11329

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Direitos Humanos
  • Identidade de Gênero e Sistema Prisional

Jhuly, travesti, vive em união estável com Pedro, que foi preso, em razão de mandado de prisão preventiva, acusado do crime de tráfico de drogas (Art. 33, Lei federal n.º 11.343/2006). Jhuly passou a realizar visitas periódicas a Pedro na unidade prisional. Em uma das visitas, Pedro solicitou que Jhuly lhe trouxesse 20g de maconha. Em 10/03/2023, Jhuly tentou adentrar a unidade prisional com o material entorpecente solicitado por Pedro, mas foi flagrada pelo bodyscan. Autuado o flagrante em face de Jhuly e Pedro, ambos foram encaminhados à audiência de custódia em 13/03/2023.

Diante dessa situação-problema, é correto afirmar, nos termos da legislação vigente, que:

 se decretada a prisão preventiva de Jhuly, esta deverá cumpri-la em estabelecimento prisional masculino, sem direito de opção pela custódia em área reservada ou em unidade feminina, pois medida cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) não reconheceu o direito à identificação de gênero para pessoas travestis, apenas para mulheres transgêneros. Deverá ser relaxada a prisão de Pedro, pois a ação de solicitar não se encontra entre os elementos essenciais do tipo do Art. 33 da Lei federal n.º 11.343/2006, podendo configurar, no máximo, atos preparatórios;

não cumprido o prazo de 24 horas para a realização da audiência de custódia, deve a prisão em flagrante ser relaxada, acarretando automática nulidade no processo penal, e eventual representação pela prisão preventiva não constitui novo título a justificar a privação da liberdade. Além disso, deve, ainda, ser relaxada a prisão de Pedro, pois a ação de solicitar não se encontra entre os elementos essenciais do tipo do Art. 33 da Lei federal n.º 11.343/2006, podendo configurar, no máximo, atos preparatórios; 

deverá ser relaxada a prisão de Pedro, pois a ação de solicitar não se encontra entre os elementos essenciais do tipo do Art. 33 da Lei federal n.º 11.343/2006, podendo configurar, no máximo, atos preparatórios. Se decretada a prisão preventiva de Jhuly, esta deverá cumpri-la em estabelecimento prisional masculino, com direito de opção pela custódia em área reservada ou em unidade feminina, em razão de medida cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que reconheceu o direito à identificação de gênero para travestis e mulheres transgêneros;

o não cumprimento do prazo de 24 horas para a realização da audiência de custódia não acarreta automática nulidade no processo penal, e eventual representação pela prisão preventiva, constitui novo título a justificar a privação da liberdade. Se decretada a prisão preventiva de Jhuly, esta deverá cumpri-la em estabelecimento prisional masculino, sem direito de opção pela custódia em área reservada ou em unidade feminina, pois medida cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) não reconheceu o direito à identificação de gênero para pessoas travestis, apenas para mulheres transgêneros;

não deverá ser relaxada a prisão de Pedro, pois a ação de solicitar, no contexto fático apresentado, se trata de autoria mediata do crime capitulado no Art. 33 da Lei federal n.º 11.343/2006. Além disso, o não cumprimento do prazo de 24 horas para a realização da audiência de custódia não acarreta automática nulidade no processo penal, e eventual representação pela prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade.

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IDR11330

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Capacidade postulatória do réu
  • Direito de recorrer em processo penal

Alex, preso preventivamente, foi sentenciado e condenado a cinco anos e quatro meses pelo crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas (Art. 157, § 2º, inciso II, do Código Penal). O advogado do réu foi intimado do inteiro teor da sentença condenatória em 07/07/2023 e não interpôs apelação. Alex, pessoalmente intimado em 17/07/2023, informou ao oficial de justiça que queria recorrer da decisão e solicitou atendimento da Defensoria Pública, tendo o servidor público prontamente certificado as declarações do réu. Os autos foram remetidos à Defensoria Pública em 25/07/2023, tendo a apelação com razões sido juntada ao processo em 10/08/2023.

O juízo não recebeu o recurso sob o argumento de que este seria intempestivo, em razão do decurso do prazo para defesa técnica que ocorreu em 14/07/2023

A decisão do magistrado, no caso:

foi acertada. O recurso foi intempestivo, porquanto a defesa técnica deixou transcorrer in albis o prazo de interposição, não podendo a marcha processual retroagir, ainda que o réu tenha solicitado o atendimento da Defensoria Pública;

suprimiu direito de defesa de Alex. A lei garante ao réu capacidade postulatória autônoma para interposição de apelação, tendo sido esta efetuada no momento que declarou o seu desejo de recorrer ao oficial de justiça, sendo os autos remetidos à Defensoria Pública apenas para apresentação de razões;

foi acertada. O recurso foi intempestivo, porquanto, ainda que a lei garanta ao réu capacidade postulatória autônoma para interposição de apelação, a Defensoria Pública apresentou as razões de apelação intempestivamente, fora do prazo de oito dias, por se tratar de prazo próprio; 

 suprimiu prerrogativa da Defensoria Pública. Ante a vulnerabilidade do réu e o abandono do processo pelo advogado particular, a marcha processual pode retroagir para garantir seu direito a ampla defesa, tendo o órgão ministerial interposto a apelação no prazo legal;

foi acertada. A certidão emitida pelo oficial de justiça registrando o desejo de recorrer do réu não tem validade jurídica como interposição de apelação, portanto, a Defensoria Pública perdeu o prazo de cinco dias para o protocolo do referido recurso.

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IDR11331

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Tribunal do Júri
  • Homicídio Qualificado e Feminicídio
  • Dosimetria da Pena

José, ex-marido de Maria, durante o relacionamento conjugal, teve uma filha chamada Zefinha. Após a separação, se instaurou permanente conflito entre ambos, em razão do não pagamento de pensão alimentícia por parte de José. No dia 24/12/2019, José encontrou Zefinha, à época com 5 anos de idade, e foi cumprimentá-la afetuosamente e desejar feliz natal. Maria, visualizando a cena a uns 200m, reverberou “Vagabundo, safado, bêbado, sem vergonha! Não paga o que deve e quer dar uma de pai! Pai é quem cria.” José, encolerizado, armou-se com pedregulho que achou na rua e arremessou, de onde estava, na direção de Maria. Nesse mesmo instante, inesperadamente, Zefinha passou correndo na frente, sendo atingida pelo projétil na cabeça e indo a óbito no local. José foi preso em flagrante e denunciado pelo crime de homicídio duplamente qualificado consumado, por motivo fútil, e feminicídio (Art. 121 § 2º, II e VI, do Código Penal). Pronunciado, foi realizada a sessão do Tribunal do Júri em 20/06/2023. O Ministério Público sustentou pela condenação nos termos da denúncia, enquanto a Defensoria Pública defendeu pela absolvição por clemência, afirmando que as consequências da infração atingiram o réu de forma tão grave que a sanção penal se torna desnecessária; subsidiariamente, requereu pela desclassificação pela ausência de animus necandi para homicídio culposo, por último, exortou pela quesitação do privilégio do Art. 121, § 1º, do Código Penal pela injusta provocação da vítima.

Diante dessa situação-problema, é correto afirmar, nos termos da legislação vigente e da jurisprudência pátria, que: 

não cabe absolvição por clemência em casos de feminicídio por força da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 779, que vetou argumentos de legítima defesa da honra; 

o juiz singular inverterá a ordem da quesitação, porquanto a tese absolutória sustentada pela defesa em plenário deve ser apreciada antes do quesito desclassificatório, sob pena de ser malferida a garantia fundamental da plenitude de defesa;

não cabe a quesitação do privilégio, pois a vítima atingida não foi a responsável pela injusta provocação, não sendo aplicável a previsão legal quanto ao erro sobre a pessoa (Art. 20, §3º, do Código Penal); 

o juiz singular, em caso de desclassificação, não poderá aplicar a previsão do Art. 121, §5º, do Código Penal (perdão judicial), pois o conselho de sentença não absolveu José, estando o juiz-presidente adstrito à aplicação da dosimetria da pena;

não cabe ao juiz singular, em nenhuma hipótese, alterar a ordem da quesitação, descrita no Art. 483 do Código de Processo Penal, na seguinte sequência: a materialidade do fato, a autoria ou participação, e se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa.

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IDR11332

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Defensoria Pública e Assistência Jurídica
  • Direitos da Vítima
  • Processo Penal Democrático

Isabela, estudante de medicina, acusa seu ex-namorado, Henrique, e seus amigos, Rômulo e Francisco, de a terem violentado em uma festa onde fizeram uso abusivo de álcool e drogas e, por consequência, ficou completamente incapaz de consentir com o ato sexual. Todos são denunciados pelo crime de estupro de vulnerável (Art. 217-A, § 1º, do Código Penal) e, ante a gravidade do delito, o Ministério Público pede a prisão preventiva dos envolvidos, pedido este acolhido pelo juízo. Rômulo e Francisco não são localizados e são citados por edital, havendo o desmembramento do processo em relação a eles. Por equívoco, o mandado de citação de Henrique é cumprido sem o mandado de prisão. Temendo ser preso, Henrique resolve fugir para o interior de Minas Gerais. Antes, porém, contrata advogado particular, que apresenta resposta à acusação juntamente com pedido de revogação da prisão preventiva. Em sua peça de defesa, junta fotos sensuais de Isabela em bares de Ibiza bebendo com amigos e com o próprio acusado. Afirma que o ato foi consensual e, portanto, não haveria crime. O juiz indefere o pedido de liberdade e designa audiência de instrução e julgamento. Isabela, por sua vez, recebe a intimação para depor e é orientada a comparecer na Defensoria Pública para ser assistida, não obstante more na zona sul de Niterói e tenha plenas condições de pagar um advogado particular. Ela procura a Defensoria Pública atuante no Juizado de Violência Doméstica pela Vítima, onde é acolhida e recebe atendimento humanizado.

Diante dessa situação hipotética e baseado no processo penal democrático, é correto afirmar que:

a defensora pública deverá orientar Isabela a contratar advogado particular, pois não se adequa ao perfil de assistidos pela Defensoria Pública. De toda forma, pode informá-la que, na qualidade de vítima, pode se negar a comparecer à audiência se este for seu desejo, afinal, forçá-la a depor sobre os fatos implicaria revitimizá-la por algo que quer esquecer, sendo ilegal eventual mandado de condução coercitiva;

 Isabela poderá ser atendida pela defensora pública, que atuará na qualidade de assistente qualificada pela vítima e poderá exigir que seu ex-namorado seja retirado da sala de audiências, caso tenha se apresentado para o ato. Caberá ao juízo promover os meios necessários para que Henrique, dentro do fórum, participe da audiência por meio de videoconferência, viabilizando o seu direito de presença. Se não houver equipamento para tanto, deverá ser retirado da sala para oitiva da vítima, mantendo-se seu advogado, retornando para presenciar o depoimento das testemunhas e, imediatamente após, ser interrogado;

a defensora pública deverá requerer sua habilitação nos autos para atuar como assistente qualificada pela vítima. Caso Isabela não deseje mais falar sobre os fatos, sua defensora deve orientá-la a, durante seu depoimento, invocar seu direito a não autoincriminação e ficar em silêncio. A vítima é sujeito de direitos e não meio de prova;

Isabela poderá ser atendida pela Defensoria Pública que atuará na qualidade de assistente de acusação. Se o advogado de defesa de Henrique expuser as fotos sensuais de Isabela bebendo em festas e de forma jocosa fizer perguntas sobre seus hábitos sexuais, indicando que a mesma é adepta a sexo grupal, essas perguntas não podem ser indeferidas pelo juízo sob pena de cercear o direito à ampla defesa do acusado;

Isabela poderá ser atendida pela Defensoria Pública que também poderá arrolar testemunhas, desde que se habilite na qualidade de assistente de acusação. Sob a ótica do processo democrático, se o Ministério Público arrolou uma testemunha que não havia sido arrolada pela defesa e o órgão de acusação desiste de ouvi-la, o juiz não poderá dispensá-la sem a anuência dos advogados (de defesa e da vítima). Se o juiz entender necessário ouvir a testemunha dispensada, prevalecerá a sua vontade, pois o objetivo da prova é a obtenção da verdade real, e o magistrado é destinatário final da prova.

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IDR11333

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Princípios e Garantias Constitucionais no Processo Penal
  • Presunção de Inocência e Execução Penal

Em relação aos princípios e garantias constitucionais aplicáveis ao processo penal, é correto afirmar que:

o princípio da não autoincriminação tem aplicação na fase processual e, segundo ele, o acusado não estaria obrigado a colaborar para a formação da convicção do julgador se isso desatender aos seus próprios interesses. Por ser a busca pessoal ato pré-processual, o Aviso de Miranda é dispensável, até mesmo porque o interrogatório sub-reptício não surte efeitos processuais;

a demora na prestação jurisdicional fulmina a presunção de inocência na medida em que o prolongamento excessivo do processo penal vai paulatinamente sepultando a credibilidade do acusado, estigmatizando-o, mas, por outro lado, garante o relaxamento da prisão preventiva se o réu responder ao processo preso por mais de noventa dias sem que a prisão seja reavaliada pelo magistrado;

o princípio da proibição da reformatio in pejus para recurso exclusivo da defesa cede frente ao princípio da soberania dos vereditos dada a natureza constitucional deste último e apenas legal do primeiro, sendo uma hipótese em que eventual recurso defensivo poderá implicar a piora da situação do acusado. É o que ocorre, por exemplo, em relação às qualificadoras que podem ter sido afastadas no primeiro julgamento, mas reconhecidas no segundo;

embora não esteja previsto expressamente na Constituição, o princípio acusatório é decorrência lógica da adoção de uma Constituição democrática. Neste sentido, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da figura do juiz de garantias preserva a imparcialidade do juízo da instrução que não participa da fase pré-processual e não terá acesso aos autos que compõem as matérias de competência do primeiro;

embora tenha assento constitucional, ao autorizar a execução antecipada da pena, o Supremo Tribunal Federal ignorou a literalidade do conceito de trânsito em julgado e com isso malferiu o princípio da presunção de inocência, incorrendo em flexibilização sem precedentes das liberdades fundamentais.

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IDR11334

Direito Processual Penal
Tags:
  • Investigação Criminal
  • Direito à Prova

Alessandra é a principal suspeita de ter subtraído os manuscritos que Thaísa escrevia sobre a reforma antimanicomial, pois a primeira lançou um livro abordando justamente a tese que apenas a segunda defendia no meio jurídico. Ambas desejam descobrir quem efetivamente subtraiu o manuscrito. Alessandra nega o furto e atribui a Paula, conhecida por plagiar outros autores, a autoria do delito. Com isso, cada qual inicia sua própria investigação independente da intervenção da Polícia Civil, pois estavam descrentes do interesse dos investigadores em apurar como a subtração se deu.

Sobre a investigação criminal sob a ótica de um direito processual democrático e cooperativo, é correto afirmar que:

o detetive particular pode ser contratado tanto pela vítima quanto pela própria acusada. Dentre as atividades possíveis, o detetive de Thaísa poderá identificar e localizar testemunhas, além de acompanhar os investigadores em suas diligências, enquanto o de Alessandra, para provar sua inocência, poderá realizar registros fotográficos e telefônicos, mesmo quando protegidos pelo sigilo e desde que as informações obtidas não extrapolem o âmbito daquela investigação criminal; 

) por ser o crime de ação penal pública, o Ministério Público pode realizar investigação criminal direta, sem intervenção policial. Nesse caso, não estará obrigado a compartilhar todas as informações obtidas, sendo-lhe facultado proceder ao recorte daquilo que for mais relevante para a instrução, o mesmo podendo ser dito em relação a Thaísa, que não poderá ser obrigada a juntar provas encontradas por seu detetive e que favoreçam Alessandra;

 por ser o crime de ação penal pública, o Ministério Público pode realizar investigação criminal direta, mas, nesse caso, todo o material probatório por ele arrecadado deve ser compartilhado nos autos. Alessandra, a seu turno, não é obrigada a colaborar com a acusação, podendo até mesmo mentir sobre os fatos, pois, ao contrário do que ocorre no direito norte-americano, o perjúrio não é previsto no direito brasileiro;

verificando-se que Alessandra está em nítida situação de desvantagem, dada a instauração de investigação interna pelo Ministério Público, havendo, por outro lado, notícias de que o furto foi praticado por Paula, na qualidade de destinatário das provas, pode o juiz determinar a realização de atos investigatórios desde que o faça para beneficiar Alessandra, visando reequilibrar a paridade das armas;

a defesa de Alessandra pode ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados no inquérito policial que digam respeito ao seu exercício do direito de defesa. Já Thaísa não poderá requerer acesso ao inquérito policial, dado seu caráter sigiloso, situação que se altera se estiver habilitada como assistente de acusação. 

47

IDR11335

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Suspensão condicional do processo
  • Institutos despenalizadores

Sobre a instrução processual envolvendo a prática dos delitos de ameaça (Art. 147 do CP; pena: detenção, de um a seis meses, ou multa), difamação (Art. 139 do CP; pena: detenção, de três meses a um ano, e multa) e estelionato (Art. 171 do CP; pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa), considerados isoladamente em processos distintos, é correto afirmar que: 

em relação ao crime de difamação, a ausência da vítima à audiência preliminar acarreta imediata extinção do processo, devendo sua ausência ser interpretada como desinteresse em prosseguir com a ação;

 em relação ao crime de ameaça, se o delito foi praticado no ambiente de violência doméstica, considerando que a vítima pode ter reatado com o agressor, torna-se indispensável marcar audiência preliminar para que ela possa se retratar ou ratificar a representação;

em relação ao crime de estelionato, se o réu já tiver sido beneficiado com a suspensão condicional do processo a menos de cinco anos, não poderá ser beneficiado com institutos despenalizadores como a transação criminal, o ANPP, nem com nova suspensão condicional do processo;

uma vez vencido o período de prova da suspensão condicional do processo sem que o Ministério Público tenha pedido a revogação do benefício, não será possível revogá-lo, mesmo que o réu tenha descumprido uma das condições estabelecidas, como comparecimento mensal em juízo para justificar suas atividades, pois teria ocorrido a preclusão temporal em favor do réu;

é válido acrescer às condições para o sursis processual, além das obrigações gerais - como a reparação do dano quando possível e a proibição de se ausentar da comarca sem autorização judicial - outras obrigações, mesmo que estas novas obrigações sejam equivalentes, do ponto de vista prático, às sanções penais, como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

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IDR11336

Direito Processual Penal
Tags:
  • Direito Penal
  • Sistema Acusatório e Mutatio Libelli no Processo Penal
  • Princípio da Congruência e Direitos da Defesa

Raquel e Denise foram investigadas pela prática do crime de peculato (Art. 312 do CP; pena: reclusão, de dois a doze anos, e multa) ocorrido, em tese, em 04/07/2022. Ouvidas em sede policial, optaram por confessar o delito, justificando Raquel estar com muitas dívidas no cartão de crédito, pois é uma consumidora compulsiva de roupas e joias, ao passo que Denise afirmou que tem muitos filhos para criar e precisou dos valores para pagar as despesas com as aulas de natação e balé das crianças. Sendo fartas as provas quanto à apropriação dos valores, o promotor de justiça resolve denunciá-las pelo peculato, acolhendo integralmente o indiciamento feito pelo delegado de polícia. Não houve na denúncia qualquer menção ao motivo fútil nem em relação a Raquel nem a Denise, ou qualquer outra agravante. As rés procuram advogado particular que, na resposta à acusação, requereu apenas a desclassificação para o crime de apropriação indébita (Art. 168 do CP; pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa), juntando provas de que Denise e Raquel haviam deixado o serviço público muito antes da data dos fatos e que, portanto, a apropriação não teve qualquer relação com o exercício da função pública.

Nesse cenário, é correto afirmar que:

por ser a qualidade de funcionário público elementar do crime de peculato e como essa não se fez presente, caberá ao magistrado prosseguir na instrução processual e, quando sentenciar, acolher a tese defensiva e reduzir a imputação, procedendo à mutatio libelli para condenar Raquel e Denise pelo crime de apropriação indébita. Se a pena for fixada no mínimo legal, não há motivos para recorrer da sentença;

caso o juiz condene as rés pelo crime de apropriação indébita, mas reconheça de ofício agravante do motivo fútil, mesmo que fixada a pena no mínimo legal, deverá o advogado apelar e suscitar a nulidade na instrução por não ter oportunizado a aplicação das medidas despenalizadoras frente à nova capitulação aplicada. Além disso, deve prequestionar a aplicação de ofício da agravante, visto que, embora prevista no CPP essa faculdade, mostra-se incompatível com o sistema acusatório;

uma vez verificado o equívoco na capitulação, deverá abrir vista ao promotor de justiça para que proceda ao aditamento da denúncia, visto que, pelo princípio da congruência, não pode a sentença decidir sobre algo que não lhe foi pedido. Uma vez aditada a denúncia, ouvidas as rés e condenadas pela apropriação indébita, se o juiz fixar a pena no mínimo legal, não caberá apelação, pois não haverá prejuízo a ser alegado e, no mérito, a sentença foi favorável às rés;

o juiz, ao sentenciar, poderá proceder à mutatio libelli e condenar Raquel e Denise pelo crime de apropriação indébita, desde que, antes de prolatar a sentença, reabra o prazo para que as partes sejam intimadas da modificação operada, evitando-se que a defesa seja surpreendida com a alteração da capitulação. Se as rés forem condenadas e receberem a pena mínima, poderão apelar alegando que, com a nova capitulação, fazem jus aos institutos despenalizadores do ANPP e da suspensão condicional do processo;

o juiz deve aguardar a sentença para proceder à adequação dos fatos narrados na denúncia à capitulação jurídica correta, procedendo à emendatio libelli para condenar Raquel e Denise pelo crime de apropriação indébita. Estará preclusa a discussão sobre o cabimento do ANPP, até mesmo porque o acordo deve anteceder o recebimento da denúncia, evitando-se, justamente, o ajuizamento da ação.

49

IDR11337

Direito Processual Penal
Tags:
  • Citação Processual Penal

Guilherme responde pelo crime de furto simples (Art. 155 do CP; pena: reclusão de um a quatro anos, e multa). Denunciado, foi expedido mandado de citação para sua residência, na favela da Maré. O mandado de citação voltou negativo em razão da periculosidade, afirmando o oficial de justiça que o local é dominado pelo tráfico, havendo homens ostensivamente armados que impediram seu acesso ao endereço. Narra que buscou apoio da associação de moradores, sem êxito, e que, por essa razão, certificou que enviou para o número que constava do mandado como sendo de Guilherme a citação e o recebedor teria procedido à leitura.

Nesse cenário, é correto afirmar que:

a citação é nula, pois não há previsão no ordenamento jurídico para a citação por meio remoto. No processo penal, forma é garantia;

a citação é nula, pois não foram observadas as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça para perfeita identificação do citando e, por consequência, o juiz deverá determinar a citação por edital do acusado, suspendendo-se o processo e o prazo prescricional pelo prazo da pena mínima prevista em abstrato, o qual voltará a correr de forma automática;

em razão da certidão negativa pela periculosidade, o magistrado deverá citar o réu por edital e poderá decretar sua prisão preventiva como forma de garantir sua localização, bem como determinar a produção de provas consideradas urgentes, desde que intimada a Defensoria Pública para apresentação da resposta à acusação;

a citação será válida se o oficial de justiça conseguir identificar o interlocutor com quem travou diálogo através de aplicativo de mensagem. Para tanto, deverá indicar o número de telefone, a confirmação escrita do recebimento do mandado e apresentar a foto do citando. Feito isso, a defesa só poderá alegar a nulidade da citação se provar prejuízo ao réu, como sua ausência em audiência;

a citação, embora não tenha observado a melhor técnica, será válida caso o réu compareça à Defensoria Pública e apresente sua defesa prévia. Posteriormente, se faltar à audiência de instrução e julgamento, o juiz deverá decretar sua revelia e determinar sua prisão, pois, ciente da Audiência de Instrução e Julgamento, não compareceu ao ato. A defesa técnica, porém, deve ser sempre intimada dos atos processuais subsequentes, observando-se a prerrogativa da intimação pessoal e do prazo em dobro para manifestação.

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IDR11338

Direito Processual Penal

“O instituto dos precedentes judiciais tem sido compreendido, antes de tudo como decisões judiciais em caso concreto que trate de questão jurídica e não apenas de simples subsunção dos atos aos textos legais.” (in Precedentes Judiciais no Processo Penal, Danyelle Galvão, Editora JusPodivm, 2022). O emblemático habeas corpus 769.783 da lavra da Defensoria Pública levou a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça a firmar precedente, relativo à extensão dos efeitos de sua decisão libertária, fundamentado na comprovação da violação sistemática de direitos do paciente por investigações que obtinham indício de autoria exclusivamente de reconhecimento por fotografia. Os reconhecimentos acarretaram mais de sessenta ações penais, estando o paciente preso e com dificuldades para exercer materialmente a ampla defesa.

O provimento jurisdicional unânime da Seção Criminal do Tribunal Superior teve o seguinte alcance: 

por se tratar de violação sistemática dos direitos do paciente durante as investigações pelos órgãos de segurança pública, de caráter transcendental, a concessão da ordem absolveu o paciente em todos os processos, pois reconheceu que as falsas memórias conduziram a reconhecimentos fotográficos equivocados e sem espeque em outras provas além da palavra da vítima;

em razão da repetição dos atos violadores, contrariando a nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, houve a concessão da ordem de absolvição no caso concreto analisado e concessão de ordem de habeas corpus ex officio para determinar a soltura imediata do paciente em todos os demais processos, cabendo aos juízes e tribunais, nas ações em curso, e aos juízos da execução penal, nas ações transitadas em julgado, aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida no caso analisado;

em razão dos reconhecimentos fotográficos como único indício da autoria, foi concedida a ordem de habeas corpus para absolver o paciente no caso concreto analisado, recomendando-se aos juízos que presidiam os demais processos que reanalisassem a necessidade de prisão cautelar, tendo como paradigma o precedente firmado. Determinou-se ainda a expedição de ofício à corregedoria de Polícia Civil para apurar eventuais responsabilidades;

houve pedido de intervenção e recurso do Ministério Público de São Paulo, na condição de amicus curiae, sendo admitido e deferida sua atuação. Dentre os argumentos utilizados, defendeu-se que nos crimes patrimoniais e sexuais, a palavra da vítima se reveste de especial valor probante e, por isso, não se poderia afastar a validade do reconhecimento fotográfico confirmado em juízo;

houve a concessão da ordem de habeas corpus, no caso concreto analisado, para absolver o paciente, não sendo produzido qualquer efeito nos demais processos em curso em razão do caráter individual do remédio heroico, cabendo à defesa peticionar nos demais feitos, pleiteando a transcendência objetiva da decisão nos demais processos em curso e a revisão criminal para os processos com trânsito em julgado.