Compliance e as investigações internas

Por Thaís Netto - 09/04/2024 as 14:12

O termo compliance surgiu nos EUA na década de 1950 e significa estar em conformidade com as leis e os regulamentos. No Brasil o compliance começou a ser adotado no final da década de 1990, mas ganhou destaque com a Lei Anticorrupção. Neste artigo objetiva-se abordar as investigações internas de compliance. 

Compliance, Lei Anticorrupção e o Decreto nº 8.420 de 2015

Conforme exposto no Guia para programas de Compliance (p.6, 2016) elaborado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, compliance pode ser entendido como o “conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores”. 

O Decreto nº 8.420 de 2015 regulamenta a Lei nº 12.846 de 2013. No artigo 42, do Decreto são indicados os elementos do compliance, entre eles cabe indicar o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica; os padrões de conduta, o código de ética e as políticas de integridade, bem como, os canais de denúncia e as medidas disciplinares nos casos de violação do programa indicado. 

Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2018) semelhante ao instituto da delação - ou colaboração - premiada no Direito Penal, a Lei Anticorrupção prevê o acordo de leniência, que é celebrado quando as pessoas jurídicas responsáveis por ilícitos, preenchendo requisitos legais, colaborem de forma efetiva com a apuração e com o processo administrativo. 

As disposições sobre o Acordo de Leniência estão previstas na Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846 de 2013, do artigo 16 ao 17 e no Decreto nº 8.420 de 2015, do artigo 28 ao 40. 

Para Aury Lopes Júnior (p. 449, 2019) “a delação premiada nada mais é do que uma traição premiada, em que o interesse do delator em se ver beneficiado costuma fazer com que ele atribua fatos falsos” ou realize uma declaração sobre fatos falsos com o objetivo de ver valorizada a sua conduta e, com isso, negociar um benefício maior. 

O instituto da delação premiada no direito penal recebe muitas críticas, uma vez que se analisado do ponto de vista moral, chega-se ao seguinte questionamento: como se pode premiar uma traição? 

Investigações internas e Acordos de Leniência  

Segundo Leopoldo Pagotto et al. (2020) as investigações internas tem origem nos EUA. No Brasil não há previsão legal explícita do que seria uma investigação interna. Entretanto, existem algumas passagens na legislação que tratam da investigação interna como o artigo 7, inciso VII, do Decreto nº 12.846 de 2013. 

Ainda com base na exposição de Leopoldo Pagotto et al. (2020), cabe indicar que a investigação interna pode ser entendida como um conjunto de ações articuladas com o intuito de esclarecer determinados fatos ocorridos envolvendo a pessoa jurídica e, dessa maneira, subsidiar o processo de tomada de decisões. 

A investigação interna pode ser iniciada de diferentes maneiras: após a auditoria da pessoa jurídica identificar algum fato suspeito ou com uma denúncia. A respectiva denúncia deverá ser recebida e processada de modo adequado. Ressalta-se a importância dos canais de denúncia bem estruturados. 

A investigação interna pode ser realizada pela própria empresa  - in counsel - ou por terceiros - outside counsel - que serão contratados para realizar a investigação. Além disso, as investigações internas podem envolver diversas áreas como concorrência, direito digital, criminal, trabalhista, tributária e anticorrupção. 

Para Francisco Schertel Mendes e Vinícius Marques de Carvalho (2017) as fases para a consolidação do Acordo de Leniência são: a primeira - pedido de senha marker -, a segunda - apresentação de informações e documentos que comprovem a infração notificada ou que se encontra sob investigação e a terceira - formalização do Acordo de Leniência. 

O marker é considerado a primeira fase para celebrar o acordo de leniência. Dessa forma, aquele que o possui é o primeiro na fila para firmar o acordo. O pedido indicado precisa conter algumas informações, como quem está fazendo o pedido e quem são os envolvidos no ilícito; o que foi objeto do cartel; quanto tempo durou e em que local surtiu efeitos.

A segunda fase é a apresentação de provas. Nela, a empresa deve conduzir uma investigação interna, coletar provas e dirigir-se ao poder público com as informações indicadas e com os documentos. Exemplo: troca de e-mails, troca de correspondências, troca de mensagem de texto, comprovantes de reuniões. 

A terceira fase é a de formalização do acordo. A empresa fica encarregada de tomar as providências finais com relação à documentação e ao comparecimento dos interessados para assinar a leniência. O Cade se comunica com o Ministério Público. Somente após acordada a versão final entre MP, Cade e proponente é que o acordo de leniência será assinado. 

Após a formalização do acordo, o signatário pode utilizar seus benefícios, como a imunidade completa, se o caso relatado não for de conhecimento do Cade quando da obtenção do marker ou a redução da pena em até dois terços, nos demais casos. 

Alguns autores entendem que a referida participação do Ministério Público nos trâmites do acordo de leniência poderia levar a irregularidade, a posterior propositura de ação penal em face do leniente, utilizando-se das próprias provas por ele obtidas. Será que a situação indicada está de acordo com o devido processo legal constitucional? 

Investigações internas e a LGPD

A Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD - Lei nº 13.709 de 2018 dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, com o intuito de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como, o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. 

Salienta-se que a lei indicada visa ainda, proteger o tratamento de dados pessoais sensíveis de todos os indivíduos. A lei permite o uso de dados, desde que forem preenchidos os requisitos do artigo 7º, como o consentimento do titular de dados. Com relação aos dados pessoais sensíveis deve ser dada atenção especial e somente pode ocorrer nas hipóteses indicadas no artigo 11. 

Assim, observa-se que as investigações internas deverão ser conduzidas respeitando os princípios e os direitos previstos na LGPD. As empresas ao realizarem o tratamento de dados pessoais devem respeitar os dispositivos da LGPD, a boa-fé e adotar medidas de segurança capazes de proteger os dados pessoais contra acessos que não forem autorizados. 

Muitos autores apontam que a investigação interna bem conduzida pode auxiliar a organização a implementar medidas mitigadoras quando forem necessárias e evitar que a organização fique exposta à fraude e à corrupção. 

Referências:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32 ed. São Paulo: Atlas, 2018.

CARVALHO, Vinícius Marques de.; RODRIGUES, Eduardo Frade. Guia para programas de Compliance. Brasília: CADE, 2016. 

JÚNIOR, Aury Celso Lima Lopes. Direito Processual Penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, Educação, 2019. 

MENDES, Francisco Schertel.; CARVALHO, Vinícius Marques de. Compliance - Concorrência e combate à corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. 

PAGOTTO, Leopoldo.; ALMEIDA, Silvia Helena Cavalcante de.; FERNANDES, Indira. Investigações internas. In: CARVALHO, André Castro. Manual de Compliance. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.