Neste artigo objetiva-se continuar a exposição sobre compliance e contratualização, abordando a política de compliance e a aplicação nos contratos públicos, bem como, as inovações da Lei nº 13.303 de 2016 nas aquisições e nos contratos.
COMPLIANCE E PROGRAMA DE INTEGRIDADE
O termo compliance significa estar em conformidade com as normas internas e externas da organização. O programa de integridade, por sua vez, é tido como um programa de compliance específico que pretende remediar, detectar e prevenir atos lesivos previstos na Lei nº 12.846 de 2013 - Lei Anticorrupção.
A definição e os pilares de sustentação do Programa de Integridade encontram-se dispostos no artigo 41 do Decreto nº 8.420 de 2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção (OAB-DF, 2018). Dessa forma, o Programa de Integridade baseia-se, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos, bem como, de procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, de políticas e de diretrizes com o intuito de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos realizados contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Segundo Carla Veríssimo de Carli (2017) as empresas que já possuem programa de integridade - estrutura para o bom cumprimento de leis em geral - devem trabalhar para que as medidas anticorrupção sejam implementadas e integradas ao programa existente. As medidas indicadas devem prevenir a ocorrência de suborno, de fraudes nos processos de licitações e de execução de contratos com o setor público.
O programa de integridade será avaliado a partir dos parâmetros indicados no artigo 42, do Decreto nº 8.420 de 2015, tais como: comprometimento da alta direção da pessoa jurídica; padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimento de integridade que se apliquem a todos os empregados e administradores; treinamentos periódicos sobre o programa; canais de denúncia de irregularidades; monitoramento contínuo do programa; medidas disciplinares nos casos de violações do programa.
AS INOVAÇÕES DA LEI 13.303 DE 2016 NAS AQUISIÇÕES E CONTRATOS
Conforme indicado por Odete Medauar (2018) o Estatuto das Estatais - Lei nº 13.303 de 2016 prevê a inserção, nas referidas estruturas, de área responsável por verificar o cumprimento de suas obrigações e gerir os riscos, nos termos do artigo 9º, II, referindo-se a área de compliance no §4º do respectivo artigo.
A empresa pública e a sociedade de economia mista devem adotar regras de estruturas e de práticas de gestão de riscos e controle que incluem: a ação dos administradores e empregados, por intermédio da implementação cotidiana de práticas de controle interno; a área responsável por verificar o cumprimento das obrigações e gerir os riscos; a auditoria interna e o Comitê de Auditoria Estatutário, com base no artigo 9º, incisos I, II, e III, do Estatuto das Estatais.
Além disso, com base no artigo 9º, § 1º, da Lei nº 13.303 de 2016, o Código de Conduta e Integridade elaborado deve conter:
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Princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, assim como, orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e de fraude;
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Instâncias internas responsáveis pela atualização e pela aplicação do Código de Conduta e Integridade;
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Canal de denúncias que permita o recebimento de denúncias internas e externas relacionadas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;
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Mecanismos de proteção que impossibilitem qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias;
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Sanções aplicáveis nos casos de violação de regras do Código de Conduta e Integridade;
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Previsão de treinamento periódico sobre o Código de Conduta e Integridade, no mínimo anual, aos empregados e aos administrados, no que se refere a política de gestão de riscos, a administradores.
DISCUSSÕES SOBRE A EXIGÊNCIA DE COMPLIANCE NAS LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES
Os incentivos na adoção dos programas de compliance / integridade e, em alguns casos, a exigência de implementação de tais programas para empresas que pretendem contratar com o Poder Público podem ser vistos como uma forma de enfrentamento da corrupção e de diminuição da ocorrência de fraudes. Pressupõe-se que as organizações que possuem tais programas adotem uma postura ética e de integridade.
Entretanto, diversos juristas têm questionado a efetividade de tais exigências, na medida em que não se pode afirmar que a adoção dos programas citados garantirá de fato a redução da corrupção e de desvios de conduta dos agentes públicos e privados.
Nesse sentido, Losinkas e Ferro (2020) apontam que a Lei nº 8.666 de 1993 também teve o processo marcado pelo discurso anticorrupção e foi falha na coibição da ocorrência de fraudes nos processos de compras e de execução dos contratos. Surgiram ainda, nos últimos 25 anos, diferentes normas para contratações públicas, que excepcionam a aplicação e a utilização da Lei nº 8.666 de 1993, como a Lei nº 10.520 de 2002 - Lei do Pregão - e a Lei Federal nº 8.987 de 1995 - Lei de Concessão de Serviços Públicos.
Losinkas e Ferro (2020) argumentam ainda, que a preocupação com a efetividade contraposta ao formalismo da lei não é novidade no mundo jurídico, “haja vista a importância dada por Norberto Bobbio ao desenvolvimento das teorias jurídicas ditas ‘realistas’, as quais, descartando a autossuficiência do sistema jurídico, clamavam pela inter-relação do direito com os sistemas político, social e econômico, como um todo”.
Diante do exposto, pode-se dizer que os programas de compliance e de integridade são pautados em diversos pilares como a integridade e a transparência. A Lei Anticorrupção, o Decreto nº 8.420 de 2015 e o dispositivo da Lei das Estatais, que trata do compliance objetivam trazer uma cultura de compliance para as organizações, bem como, diminuir as ocorrências de desvios, de fraude e de corrupção.
Como foi indicado, diversos juristas têm debatido sobre a efetividade do referido programa. Observa-se, contudo, que tem sido crescente a exigência de implementar tais programas nas empresas que pretendem contratar com o Poder Público.
Referências:
CARLI, Carla Veríssimo de. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017.
LOSINKAS, Paulo Victor Barchi.; FERRO, Murilo Ruiz. Exigência de Compliance nas Licitações e nas Contratações Públicas. In: CARVALHO, André Castro. Manual de Compliance. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Forense, 2018.
PROGRAMA DE INTEGRIDADE em Organizações do Terceiro Setor: Manual de Compliance. OAB - DF. 2018.