Compliance e Sanção: Acordos de Leniência à Luz da Legislação e da Jurisprudência do STF

Por Thaís Netto - 08/04/2024 as 17:48

O termo compliance teve origem nos EUA na década de 1950, mas ganhou notoriedade com a Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846 de 2013, que pretende estimular a cultura de compliance nas empresas, já que a adoção de programas de integridade é tida como atenuante na aplicação da pena. Os Acordos de Leniência, previstos na referida lei, são tidos como instrumentos de investigação e de negociação entre o Estado e o particular, que trazem benefícios para a empresa, como a extinção ou a atenuação das penalidades.  

Neste artigo, objetiva-se discorrer sobre os programas de compliance e a sanção cabível nos casos de descumprimento da Lei Anticorrupção, abordando os tipos de acordo de leniência, a jurisprudência do STF e as orientações do MPF a respeito do acordo citado.  

Compliance e sanção - Lei Anticorrupção 

Segundo o Presidente do Instituto de Advogados de São Paulo Renato de Mello Jorge Silveira e o Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto - FDRP USP Eduardo Saad Diniz (2016) a cultura de compliance é orientada por decisões empresariais em conformidade com as melhores práticas e com os padrões de governança corporativa, que vão além de estar em conformidade com a lei, relacionam-se com as novas práticas empresariais e estimulam novas práticas de mercado por intermédio da regulamentação jurídica. 

O Decreto nº 8.420 de 2015 regulamenta a Lei Anticorrupção e define o Programa de Integridade no artigo 41. O Programa de Integridade é um programa específico de compliance para prevenir, detectar e remediar atos lesivos previstos na Lei nº 12.846 de 2013. Os cinco pilares do programa indicado são: o comprometimento e apoio da alta direção, a instância responsável pelo Programa de Integridade, a análise de perfil e riscos, a estruturação das regras e os instrumentos e estratégias de monitoramento contínuo.  

Conforme indicado na Cartilha “Programa de Integridade - Diretrizes para Empresas Privadas” da CGU (2015) a avaliação do programa citado pode ser utilizada para aplicar sanções - reduzir a multa - e celebrar acordo de leniência. No que se refere ao acordo de leniência, cabe informar que o compromisso de adotar, aplicar ou aperfeiçoar o Programa de Integridade deverá ser adotado pela empresa para as suas operações futuras.  

Na esfera administrativa são previstas sanções que deverão ser aplicadas às pessoas jurídicas responsáveis pelos atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção, tais como a multa, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, com a exclusão dos tributos, que não deve ser inferior à vantagem auferida, quando for possível a sua estimação e a publicação extraordinária da decisão condenatória, nos termos do artigo 6º, I e II, da Lei nº 12.846 de 2013.  

Destaca-se que a responsabilização na esfera administrativa não afasta a possibilidade de responsabilização na esfera judicial, com base no artigo 18, da Lei nº 12.846 de 2013. Em virtude da prática de atos previstos no artigo 5º, da Lei nº 12.846 de 2013, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, por intermédio de Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com o intuito de aplicar sanções às pessoas jurídicas infratoras, como a suspensão ou interdição parcial das atividades, entre outras, previstas no artigo 19, da Lei Anticorrupção.  

O Programa de Integridade e o acordo de leniência são tidos como atenuantes que devem ser levados em consideração na aplicação de sanções previstas na Lei Anticorrupção. Os mecanismos e os procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como, a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica são observados na aplicação das sanções, com base no artigo 7º, Inciso VIII, da Lei nº 12.846 de 2013.  

Conforme indicado pela CGU, cumprido o acordo de leniência a empresa poderá ter a isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora; a isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público; a redução do valor final da multa aplicável, de acordo com o artigo 23 ou isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas no artigo 86 e 88 da Lei nº 8.666 de 1993, ou de outra forma de licitações e de contratos.  

Pode-se dizer que as punições e exigências previstas na Lei citada trouxeram à tona reflexões sobre o papel das empresas no enfrentamento da corrupção. De acordo com a Cartilha já citada da CGU (2015), mais do que evitar penalidades, o Programa de Integridade é bom para o negócio, pois possuir o Programa de Integridade tem sido visto como um diferencial no mundo corporativo.  

Acordos de Leniência e a Jurisprudência do STF  

Conforme indicado na Arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF com o título “Celebração de acordo de leniência e declaração de inidoneidade pelo TCU” - STF - Informativo nº 979 de 2020, há quatro gêneros de acordo de leniência: o Acordo de Leniência Antitruste; o Acordo de Leniência Anticorrupção; o Acordo de Leniência do MP, que não possui previsão expressa, porém surge da interpretação das funções do Parquet; o Acordo de Leniência do Sistema Financeiro Nacional e o “acordo de não persecução penal introduzido pela Lei nº 13.964 de 2019”.  

O Programa de Leniência Antitruste do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE - pode ser entendido como o conjunto de iniciativas com o intuito de detectar, investigar e punir infrações contra a ordem econômica; informar e orientar de forma permanente as empresas e os cidadãos em geral a respeito dos direitos e das garantias previstas nos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529 de 2011 - Lei de Defesa da Concorrência.  

O acordo de leniência Anticorrupção encontra-se previsto no artigo 16 e 17 da Lei nº 12.846 de 2013. De acordo com tais dispositivos a Administração Pública pode celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática de infrações previstas na lei, com o objetivo de colaborar com a investigação e com o processo administrativo correspondente, contanto que a partir da colaboração sejam identificados os envolvidos na infração e na obtenção de informações e documentos que comprovem o ilícito sob a apuração.  

Na redação originária do artigo 17, §1º da Lei nº 8.429 de 1992 – Lei de Improbidade Administrativa havia vedação à celebração de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa. Contudo, com a Lei nº 13.964 de 2019 – Lei Anti-crime o dispositivo indicado teve sua redação alterada, admitindo a celebração de acordo de não persecução penal. 

Como se pode perceber há diversos gêneros do acordo de leniência. O acordo de leniência é diferente de acordo de colaboração premiada. O acordo de leniência está relacionado com o direito administrativo sancionador e o acordo de colaboração premiada é instituto do direito penal previsto na Lei nº 12.850 de 2013 e pode ser caracterizado como instrumento investigativo e reparatório. 

No acordo de colaboração premiada o envolvido em um crime ou atividade criminosa coopera com o Ministério Público ou outra autoridade de investigação mediante o fornecimento de informações ou de evidências ou por intermédio da reparação do dano e da recuperação do proveito dos crimes em troca de benefícios sancionatórios. 

Em 20 de junho de 2018, o STF encerrou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI e entendeu pela constitucionalidade da possibilidade dos delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial. 

Outro ponto importante com relação à jurisprudência do STF diz respeito ao acordo de leniência e ao compartilhamento de provas, delimitado no Informativo nº 913 do STF, de 27 a 31 de agosto de 2018. Com base no Informativo citado é possível o compartilhamento de provas, desde que o pedido seja delimitado e justificado, com base na Jurisprudência STF (Pet 6.8457.463), observadas cautelas especiais ao tratar da colaboração premiada e do acordo de leniência.  

Nesse entendimento é legítimo o compartilhamento com o objetivo de instruir o inquérito, que investiga a pessoa a qual não celebrou o acordo de leniência, contanto que isso não acarrete eventual prejuízo aos aderentes do instrumento. 

Guias de orientação e nota técnica - 5ª CCR  

Em 2020 a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção Comissão de Assessoramento Permanente em Leniência e Colaboração Premiada, divulgou a Nota Técnica nº 1/2020 sobre os Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo Ministério Público Federal. A respectiva Nota Técnica pretende aperfeiçoar a atividade institucional de Membros do MPF, sob a coordenação da 5ª CCR.  

No ano anterior, em 2019, a Câmara do MPF criou um guia com orientações a respeito dos acordos de leniência, o chamado Guia Prático 5ª CCR – Câmara de Coordenação e Revisão, que contempla a introdução ao assunto, as definições, as competências, as fases, os requisitos mínimos, os modelos e as orientações e perguntas frequentes, com o intuito de auxiliar os membros do Ministério público.  

Percebe-se que a Nota Técnica vem ao encontro de uma tentativa de uniformizar o tema, apesar de não existir obrigatoriedade em segui-la, além de ser uma forma de cooperação técnica com outros órgãos como Advocacia Geral da União - AGU, Controladoria Geral União - CGU e Tribunal de Contas da União - TCU de atuarem de forma coordenada contra a corrupção. 

Como já exposto em outro artigo, o acordo de leniência e a delação premiada são institutos muito criticados pelos juristas, que não os veem como instrumentos éticos e morais, já que o Estado utiliza a informação de um traidor para descobrir os envolvidos em uma atividade criminosa e também não há a garantia de que a informação obtida seja verdadeira. 

Existem operadores do direito que defendem a constitucionalidade do instituto, outros defendem a inconstitucionalidade, por acreditarem que os instrumentos indicados ferem a ampla defesa e o contraditório, pois a delação é a realizada sem a presença do delatado que, dessa forma, não teria como se defender. 

Referências:

Cartilha Programa de Integridade - Diretrizes para Empresas Privadas da CGU de 2015. 

Guia Prático 5 CCR Acordos de Leniência. 

Perguntas Frequentes - Lei Anticorrupção. Governo Federal Controladoria Geral da União - CGU.  

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge.; DINIZ, Eduardo Saad. Compliance, Direito Penal e Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2016. 

STF. Informativo nº 979. 25 a 29 de maio de 2020. 

STF. Informativo nº 913. 27 a 31 de agosto de 2018. 

STF decide que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração premiada. 20 junho de 2018.