Tentativa Conceitual e Natureza Jurídica de Casamento
O ordenamento jurídico brasileiro não trouxe em seu arcabouço normativo uma definição clara para o conceito de casamento, contudo asseverou requisitos para a sua validade e celebração, bem como sua finalidade e os efeitos que dele decorrem.
Maria Berenice Dias, em seu Manual de Direito de Família (2021, p. 467), dispõe que o casamento, além do ato de celebração, também consiste na relação jurídica formada pelo matrimônio, que se expressa pela ideia de comunhão de vidas, que, por sua vez, é o efeito por excelência do casamento. Segundo a doutrinadora, o casamento deve ser entendido como um negócio jurídico bilateral que não está afeto à teoria dos atos jurídicos, por ser regido pelo Direito das Famílias.
Paulo Lôbo (2021, p. 76), conceitua o casamento como sendo um ato jurídico negocial, em que homem e mulher constituem família por livre manifestação de vontade, com o reconhecimento do Estado.
Não obstante a menção a sexos distintos, é importante atentar-se ao fato de que, hoje, repousa na jurisprudência a possibilidade de constituição de casamento entre pessoas do mesmo gênero. Nessa direção, no ano de 2015, foi aprovado o Enunciado nº 601, da VII Jornada de Direito Civil, realizado pelo Conselho da Justiça Federal, em que ficou reconhecida a existência e a validade do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ainda que seu conceito e sua natureza jurídica sejam bastante discutidos, não se pode negar que os indivíduos são livres para constituir casamento, porém, no que toca aos direitos e deveres, ficam sujeitos aos efeitos jurídicos produzidos pelo vínculo conjugal, que, em sua grande maioria, não dependem de suas vontades (DIAS, 2021, p. 470).
Efeitos do Casamento
A família constituída pelo casamento passa a desfrutar de proteção especial do Estado, produzindo eficácia erga omnes, para ir além dos cônjuges e operar efeitos perante toda a sociedade (DIAS, 2021, p. 492).
Múltiplos são os efeitos decorrentes do casamento, que foram elencados, não de forma exaustiva, pelo Código Civil Brasileiro, e que podem ser classificados como de ordem pessoal, social e patrimonial. É possível verificar, ainda, vantagens e restrições irradiadas em esferas como a previdenciária e a tributária.
A seguir serão destacados os principais efeitos que derivam dessa espécie de vínculo matrimonial.
Efeitos Pessoais do Casamento
Os efeitos pessoais dizem respeito aos cônjuges entre si, em suas relações uns com os outros, e estão estampados no art. 1.565 e seguintes do Código Civil Brasileiro.
Entre eles, encontram-se deveres que são impostos a ambos os cônjuges, como a fidelidade recíproca, a coabitação (vida em comum no domicílio do casal), a assistência e o respeito mútuos, além do sustento, guarda e educação dos filhos.
No tocante à fixação do domicílio comum, importante frisar que a sua escolha compete igualmente a ambos os cônjuges, contudo, cabe mencionar a forte crítica que atinge esse comando, considerando que alguns casais acabam optando por viverem em residências diversas, sem que isso descaracterize o matrimônio (DIAS, 2021, p. 503).
Quanto ao dever de contribuição para a manutenção do lar conjugal, com o sustento da família e educação dos filhos, verifica-se que tal instrução deverá ocorrer independentemente do regime de bens estabelecido, devendo ser devidamente proporcional aos ganhos e rendimentos de cada consorte (CPC 1.568).
O exercício em conjunto da direção da sociedade conjugal, é um pressuposto que também deve ser observado, tendo em vista o postulado da igualdade entre homem e mulher, consagrado na Constituição pátria, em seu art. 5º, inciso I, findo o regime patriarcal arcaico em que somente o homem era responsável pelo comando do lar e da entidade familiar. Destaca-se neste ponto que, em caso de divergência entre os cônjuges, é cabível a deliberação judicial a seu respeito.
No rol de repercussões dos efeitos pessoais, decorrente do laço matrimonial do casamento, encontra-se, ainda, a possibilidade de acréscimo do sobrenome de cada cônjuge ao seu, independentemente da vontade do outro. Considerando que o nome faz parte do conjunto de direitos da personalidade do indivíduo, e que o mesmo adere à pessoa, cabe exclusivamente ao próprio consorte a faculdade de acrescer, bem como de retirar, em caso de divórcio, o sobrenome do parceiro (DIAS, 2021, p. 170).
Efeitos Sociais do Casamento
Os efeitos de acepção social decorrem da eficácia erga omnes do casamento, ou seja, são os que dizem respeito às implicações que prevalecerão em relação a terceiros.
A alteração do estado civil é um dos primeiros efeitos a serem observados quando da celebração do casamento. A aquisição da condição de casado serve para dar publicidade à qualificação pessoal e patrimonial do indivíduo, proporcionando segurança a terceiros frente às relações jurídicas pactuadas (DIAS, 2021, p. 468).
A emancipação do cônjuge incapaz é outra repercussão que pode decorrer do casamento e, eventual divórcio, antes do indivíduo completar 18 anos de idade, não tem o condão de cessar a capacidade adquirida com o matrimônio.
Por outro lado, a presunção relativa de paternidade que se atribui ao consorte, em relação aos filhos nascidos na constância do vínculo conjugal (CC 1.597), independentemente se a fertilização tenha ocorrido pelo contato sexual ou mediante o método da reprodução assistida, é outra relevante eficácia de cunho social, produzida com o casamento.
O estabelecimento do parentesco por afinidade entre cada cônjuge e os parentes do outro, também é uma consequência verificada com o casamento (CC 1.595), e ocorre tanto na linha reta quanto na colateral, limitando-se, neste último, aos irmãos. Tal forma de parentesco, na linha reta (ascendentes e descendentes), não se dissolve com o divórcio e tampouco com a morte do consorte, e resulta no impedimento matrimonial vitalício entre os parentes de um cônjuge com o outro.
Na prática, cita-se o exemplo em que o ex-consorte não poderá se casar com a sogra ou com o enteado, mesmo após o fim do casamento. Frisa-se que o mesmo não ocorre com os parentes na linha colateral, ou seja, será possível ao indivíduo casar-se com seu ex-cunhado, tendo em vista a cessação do parentesco.
Efeitos Patrimoniais do Casamento
Esses efeitos relacionam-se com o regime de bens determinado pelo casal na celebração do casamento. O regime de bens, por sua vez, pode ser caracterizado pelo regramento patrimonial que regerá a sociedade conjugal, cujo principal objetivo é solucionar questões relativas à comunicabilidade, verificando no caso concreto se determinado bem integrará o patrimônio do outro cônjuge (DIAS, 2021, p. 466).
As sequelas de ordem patrimonial são significativas, pois dependendo do regramento adotado, poderá ocorrer a comunicabilidade inclusive no que se refere ao patrimônio particular, como acontece no regime da Comunhão Universal de bens.
No tocante ao regime de bens, considerando a sua intrínseca ligação com os efeitos patrimoniais do casamento, cabe trazer uma breve explicação a respeito dos tipos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, que são o regime da Comunhão Universal de bens, da Comunhão Parcial, da Separação Convencional, da Separação Obrigatória de bens e da Participação Final nos Aquestos.
No regramento da Comunhão Universal, os bens adquiridos antes e durante o casamento comunicam-se entre os respectivos cônjuges, inclusive doações e heranças, formando um patrimônio comum ao casal.
Na Comunhão Parcial de bens, o patrimônio adquirido antes do casamento compõe o acervo particular e não se comunica entre os cônjuges, assim como as heranças, e as doações anteriores à constituição do vínculo conjugal, ou posteriores, quando gravadas de cláusula de incomunicabilidade. Por outro lado, é garantida a meação do que for adquirido durante o casamento, ainda que exclusivamente por um dos consortes, uma vez que a lei, nesse caso, presume o esforço comum para a aquisição.
Segundo o Código Civil (1.687 e 1.688), os nubentes podem optar, por meio do instrumento do pacto antenupcial, pela incomunicabilidade total de seus bens, de tal forma que o casamento não repercutirá na esfera patrimonial dos cônjuges, podendo cada um livremente alienar e gravar de ônus real seus bens (DIAS, 2021, p. 711). Não haverá nenhuma comunicação entre o acervo patrimonial, nem durante o casamento ou sequer com a sua dissolução. Este regramento diz respeito ao regime da Separação Consensual de bens.
De outro modo, a Separação Obrigatória de bens é imposta pela lei (CC 1.641) no intuito dar proteção ao patrimônio de um consorte em relação ao outro, nas hipóteses em que não fora observada alguma das causas impeditivas do casamento, quando um ou ambos os nubentes possuírem idade superior a 70 anos, ou, ainda, de todos os que dependerem de suprimento judicial para constituir casamento.
Por fim, no conjunto de regras atinente ao regime da Participação Final nos Aquestos, considera-se a existência de um regime misto, como se na constância do casamento vigorasse o regime da Separação de bens, em que os bens são adquiridos e administrados individualmente por cada cônjuge. E, no caso de um possível divórcio, passaria a ser regido pelo regramento da Comunhão Parcial, em que cada consorte permanece com seus bens particulares e, quanto aos adquiridos em conjunto, durante o matrimônio, serão objeto de partilha.
Conforme visto, a depender do regramento adotado pelo casal, os consortes perdem a titularidade exclusiva do seu patrimônio, de modo que, com exceção do regime da Separação Convencional, em todos os demais, o acervo que for adquirido por qualquer dos cônjuges, durante o matrimônio, não lhes pertencerá com exclusividade, o que se denomina de “mancomunhão” (DIAS, 2021, p. 468).
Vedações do Casamento
Em continuidade ao estudo da produção de efeitos patrimoniais, serão enfatizadas, a seguir, algumas relevantes restrições estabelecidas pelo Código Civil Brasileiro aos cônjuges, em decorrência da constituição do casamento, no que toca aos seus bens imóveis.
Assim dispõe o referido diploma legal:
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.”
Nesse sentido, o cônjuge que não tenha participado dos atos descritos no artigo transcrito acima, poderá requerer a sua anulação, até dois anos após o término da sociedade conjugal (CC 1.649).
Cabe fazer menção à possibilidade de, no regime da Participação Final nos Aquestos, ser convencionada no pacto antenupcial a livre disposição dos bens imóveis particulares, o que se enquadraria como uma exceção à regra ora apontada (CC 1. 656).
Dessa forma, para alienar ou comprometer o patrimônio imóvel do casal, será necessária a chamada vênia conjugal, ou seja, que ambos os consortes firmem o respectivo documento, sendo possível buscar suprimento judicial no caso de recusa injustificada. Frisa-se, ainda que se trate do acervo particular, de bens adquiridos anteriormente ao enlace, será necessária a referida outorga (DIAS, 2021, p. 689).
Seguindo o raciocínio, também fica vedado agir em juízo sem a concordância do outro consorte quanto aos bens imóveis ou aos direitos que deles decorrem (CC 1.647, II).
Obrigação Alimentar do Casamento
O dever de prestar alimentos ao ex-cônjuge tem fundamento no dever de cuidado, bem como nos princípios da solidariedade (CR 3º, I) e da dignidade da pessoa humana (CR 1º, III), e possui caráter excepcional e transitório, podendo ser concedido quando quem pretende os alimentos não tiver bens suficientes para sua manutenção, bem como for incapaz de prover, pelo seu trabalho, o próprio sustento.
Demais Efeitos do Casamento:
Não Fluência de Prazo Prescricional
De acordo com o Código Civil (197, I), não correrá prescrição entre os cônjuges na constância a sociedade conjugal.
Preferência na Curadoria
O cônjuge é o primeiro legitimado a ser curador do outro que se incapacita (CC 1.775).
Reflexos Sucessórios e Direito Real de Habitação
O casamento garante ao cônjuge sobrevivente a qualidade de herdeiro necessário (CC 1.829, III), bem como assegura o direito real de habitação para permanecer no imóvel residencial do casal, após o falecimento de seu consorte (CC 1831).
Restrição à Esterilização Voluntária
À base de duras críticas, a Lei 9.263/1996, estabeleceu em seu art. 10º, §5º, a exigência de concordância expressa de um dos cônjuges para que o outro possa se submeter a procedimento de esterilização.
Inelegibilidade do Cônjuge
A Constituição da República (art. 14, §7º) prevê a inelegibilidade do cônjuge, no território de jurisdição do titular, aos cargos de Presidente da República, Governador e Prefeito, de modo que a dissolução da sociedade conjugal, no curso do mandato, não afastará tal regramento (STF/S.V. 18).
Usucapião conjugal
Com o intuito de proteger o direito constitucional à moradia, o Código Civil admitiu a aquisição da propriedade, em decorrência do rompimento conjugal, em que há o abandono do lar por um dos pares, de modo que, ao consorte que permanecer na posse do imóvel comum, por mais de dois anos, caberá o direito de usucapião do respectivo bem (CC 1.240-A). As condições para tal aquisição são de que o imóvel deva pertencer a ambos os cônjuges, não podendo ter mais de 250 m², além da obrigatoriedade do possuidor permanecer ali residindo e não ter outro imóvel.
Conclusão
Conforme foi possível analisar, o instituto do casamento, nas palavras de Maria Berenice Dias “deita sobre o par afetivo um conjunto de enunciados enumerados na lei, que impõe uma espécie de poder absoluto e exclusivo de um sobre o outro” (2021, p. 495). Desse modo, por meio de um vasto arcabouço normativo, o Estado atribui responsabilidades e impõe as mais variadas regras a serem cumpridas pelos consortes, ditando os efeitos jurídicos que dele decorrem, no intuito de preservar a própria entidade familiar, bem como toda a sociedade frente às relações jurídicas pactuadas. Contudo, não se pode perder de vista que algumas regras são excessivamente invasivas, tornando seus conteúdos por vezes delicados, o que leva à reflexão sobre a necessidade de adequação ao momento presente.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias, v. 5, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.