Direito Processual Civil: Tutelas Provisórias

Por Jéssica Arruda - 20/09/2021 as 11:05

Em que pese não ter sido uma inovação legislativa quanto à finalidade, a tutela provisória foi concebida pelo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) no Livro V – Parte Geral, que disciplinou os Títulos: disposições gerais, tutela de urgência e tutela da evidência, nos art. 294 a 311.

Contrapondo-se à tutela definitiva, que é alcançada por meio de uma cognição exauriente, obedecendo ao rito processual pleno, de modo que visa obtenção da decisão de mérito (de efetivação ou certificação); a tutela provisória, é obtida em uma cognição sumária em juízo de probabilidade. Logo, pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo.

Visa-se através da tutela provisória a satisfação do requerente pela antecipação de tutela, ou assecuratória, quanto seu direito pela tutela cautelar, sendo que em ambos os casos, pode ser deferida antecedente ou incidente ao processo, mediante urgência ou evidência.

Objetiva-se, assim, a tutela provisória, combater os riscos trazidos pela morosidade judicial à apenas uma parte do litígio sob um pleito incontroverso, sob pena de violação ao princípio da isonomia.

 

Principais Características

A tutela provisória possui características típicas em suas espécies que cumprem ser ressaltadas. 

A primeira e, de clara percepção, é a sumariedade da cognição, ou seja, uma decisão não exauriente, pois como já mencionado, esta é realizada pelo juízo de probabilidade. Desta forma, torna-se inapta também a gerar coisa julgada, mas pode estabilizar, a depender do caso concreto. 

O art. 296 do CPC, ressaltou o caráter precário das decisões, que em síntese refere-se à conservação de sua eficácia na pendência do deslinde processual. No entanto, pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.

Durante o período de suspensão do processo, a tutela provisória conservará a eficácia, salvo decisão judicial em contrário, como preconiza o parágrafo único do art. 296 do CPC.

Para concretizar a efetivação da tutela provisória, o legislador resguardou que o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas, atinentes ao rito do cumprimento provisório da sentença, aplicando no que couber (art. 297, parágrafo único, do CPC).

Quanto a responsabilidade por danos decorrentes da tutela deferida, esta recai à parte beneficiada, que responde objetivamente, independente da reparação por dano processual, quando: a sentença definitiva lhe for desfavorável; quando liminarmente a tutela em caráter antecedente garantida; quando o Requerente não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo legal (de cinco dias); ou,  ocorrendo a cessação da eficácia da medida ou na oportunidade que o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Para tanto, quando possível a indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida.

No que concerne à forma de requerimento da tutela, há o caráter incidental (durante do processo) ou antecedente (a petição inicial se limitará ao requerimento da tutela provisória).  

Assim, quanto à competência, a tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal.

Salvo disposição especial, na ação de competência originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional responsável pela apreciação do mérito (art. 299 do CPC).

Por fim, não se pode olvidar que, entre as tutelas provisórias há aplicabilidade do princípio da fungibilidade (parágrafo único do art. 305 do CPC), isto é, requerendo uma tutela antecipada, pode o juiz, entendendo que o pleito tem natureza de tutela cautelar, o receber como tal.

Feita as ponderações gerais iniciais, as espécies deverão ser analisadas individualmente, da mesma maneira os procedimentos que as correspondem.

 

Tutela de Urgência

A tutela de urgência, por inteligência até da nomenclatura atribuída, refere-se a uma situação de manifesta urgência visando prevenir prejuízo ao Requerente, podendo ser concedida liminarmente (inaudita altera parte) ou após justificação prévia, resguardando a segurança jurídica e o próprio equilíbrio na relação processual.

Assim, incumbe à Parte trazer os elementos que possibilitem, em juízo de cognição sumária, aferir a probabilidade fática e jurídica do direito alegado, bem como o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, requisitos também conhecidos como o “fumus boni iuris” e “periculum in mora”.

Após a detida análise, a depender da situação fática, o juiz pode exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

Ao estabelecer (art. 300 do CPC) que o deferimento da tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, o legislador sabidamente, esclarece a vedação de exigir sacrifícios irreversíveis e duradouros da parte contrária. Do contrário, haveria direta inobservância ao devido processo legal e o contraditório. Nesse sentido dispõe, o enunciado 40 da I Jornada de Direito Processual Civil “a irreversibilidade dos efeitos da tutela de urgência não impede sua concessão, em se tratando de direito provável, cuja lesão seja irreversível”.

 

Tutela Antecipada Requerida em Caráter Antecedente

A tutela provisória concedida em caráter antecedente, atendendo o procedimento dos arts. 303 e 304 do CPC, permite que um pedido de tutela antecipada seja veiculado em caráter antecedente, ou seja, antes da propositura do processo judicial, mediante de uma urgência contemporânea, visando posteriormente, o provimento jurisdicional definitivo do processo, ou da medida asseguratória. 

Logo, perceptível a incompatibilidade do rito antecedente com a tutela da evidência.

Como requisitos necessários à concessão da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, o autor, objetivamente, deve limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca confirmar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil, indicando também o valor da causa, que recepcionará o pedido de tutela final.

Entendendo o órgão julgador que os requisitos para a concessão da antecipação não foram atendidos, determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de extinção sem resolução de mérito. Neste caso, o autor poderá interpor agravo de instrumento contra a decisão. 

Uma vez concedida a tutela antecipada, sob pena de extinção sem resolução do mérito com a cessação da eficácia da medida (art. 303, § 2º), o autor deverá aditar formular os pedidos principais para dar ensejo ao procedimento comum, em petição inicial com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar. Esse aditamento será realizado nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.

Ulteriormente, o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334 do CPC. Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 do CPC. 

Não recorrendo o réu da decisão que concedeu a tutela antecipada em caráter antecedente, sobrevirá a estabilização da medida.

 

Estabilização da tutela Provisória Satisfativa Antecedente

Como elucidado no tópico anterior, com fulcro no caput, do art. 304, CPC, ocorrerá a estabilização da decisão que concede tutela provisória antecipada (satisfativa) antecedente, se pelo Réu, não for interposto o respectivo recurso, que neste caso, caberá o agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC) ou agravo interno (art. 1.021 do CPC), a depender do órgão jurisdicional prolator. 

Todavia, quando a decisão for proferida em sede do Juizado Especial Cível (regido pela Lei nº9.099/95) não ocorrerá a estabilização se houver mera manifestação contrária, visto que no rito em comento, é incabível recurso de decisões interlocutórias.

A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por qualquer das partes.

É garantido que no prazo de até dois anos, a contar da ciência da extinção do processo, à parte interessada deverá provocar o amparo judicial para rever, reformar ou invalidar a tutela concedida (art. 304, § 5º, do CPC), resultando assim, o exaurimento da cognição. 

 

Tutela Cautelar Requerida em Caráter Antecedente

A singularidade do procedimento para requerimento da tutela provisória pleiteada em caráter antecedente com natureza cautelar é latente, sendo lastreado no art. 305 e seguintes do CPC. 

A petição inicial neste caso, deverá descrever a lide, seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303 do CPC (princípio da fungibilidade).

O réu será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir (art. 306 do CPC). Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias (art. 307, caput, do CPC). Mas havendo a regular contestação, o pedido no prazo legal, observar-se-á o procedimento comum. 

Concedida a tutela cautelar, que deverá ser efetivada no prazo de 30 (trinta) dias, o autor deverá formular o pedido principal em prazo igual, quando apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar. Não dependendo assim, do adiantamento de novas custas processuais.

A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do pedido principal.

Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334 do CPC, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu. Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 do CPC.

Diferentemente da tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente, aqui não existe estabilização, muito pelo contrário, o art. 309 disciplina as causas que ensejam na cessação da eficácia da tutela concedida, quais sejam: cessada a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal; não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias; ou, o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito.

Importante salientar que a cessação da eficácia da tutela cautelar não impossibilita que o autor formule novo pedido cautelar. Porém, haverá preclusão quanto aos fundamentos. Em outros termos, significa que a renovação do pedido de tutela cautelar não pode ter o mesmo fundamento do pedido anteriormente deferido e cuja eficácia tenha sido cessada. É o que ensina o parágrafo único do art. 309 do CPC (“Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento”).

 

Tutela de Evidência

Por fim, e não menos importante, temos a tutela de evidência, prevista no art. 311 do CPC. Tal espécie de tutela provisória, distintamente das demais, independe de urgência e sempre será satisfativa. Somente podendo ser requerida em caráter incidental, bastando que a parte demonstre a evidência do seu direito mediante uma das hipóteses contidas no supracitado dispositivo, e que merecem serem explicadas individualmente, quais sejam:

I)Provando o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (autor ou réu):  A despeito desta modalidade, apesar da tutela de evidência dispensar a demonstração de qualquer situação de urgência, não afasta a necessidade de se comprovar a probabilidade do direito cumulada com prévio e doloso comportamento, fundamentando o deferimento liminar.

Nesse viés é o entendimento consolidado no enunciado 47 da I Jornada de Direito Processual Civil, segundo o qual “a probabilidade do direito constitui requisito para concessão da tutela da evidência fundada em abuso do direito de defesa ou em manifesto propósito protelatório da parte contrária”.

II) Se alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante: significa dizer que a parte deve comprovar obrigatoriamente, por meio documental, os fatos constitutivos do seu direito, demonstrando que a sua pretensão está amparada e corroborada por precedente judicial vinculante. 

III)  Se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa: assiste o direito da parte de perseguir o bem que foi objeto determinado em contrato de depósito, bastando para tanto, prova documental e a configuração da mora do requerido, seja por protesto ou notificação judicial e extrajudicial

IV) A petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável: essa hipótese é destinada ao autor, sendo documental a prova requerida ao réu. 

Doutrinariamente, a tutela da evidência foi dividida em duas modalidades, a tutela da evidência punitiva (ou sancionatória), que refere-se as possibilidades previstas no inciso I do art. 311 do CPC, perante a conduta da parte que viola os princípios processuais. E, a chamada tutela da evidência documentada, que, por seu turno encontra-se prevista nos três incisos seguintes (II, III e IV) do art. 311 do CPC, que como já aduzido, tem como característica comum o pressuposto da prova documental, a fim de dar guarida às alegações da parte. 

 

Considerações Finais

Assim, perante a sobrecarga suportada pelo poder Judiciário quanto as intermináveis querelas, a tutela provisória restou evidenciada como eficaz instrumento de garantia do equilíbrio processual quanto a redistribuição do ônus do tempo do processo. Restando patente o objetivo de resguardar a equidade entre os litigantes.

Resume-se, portanto, os mais relevantes pontos à cerca dos procedimentos, diferenciações e esclarecimentos das espécies da tutela provisória. Não limitando o estudo e o aperfeiçoamento da temática que deve acompanhar os anseios sociais, bem como os avanços legislativos. 

 

REFERÊNCIAS 

DIDIER JR., Fredie - Curso de Direito Processual Civil, Vol.2, Salvador, JusPodivm, 2015 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. 3ª edição rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2018.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Novo código de processo civil.20ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. I.

https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado - acessado em 01 de setembro de 2021 – 18h00