Fundamentos em Proteção de Dados e Privacidade em tempos de novo coronavírus (COVID-19)

Por Thaís Netto - 09/04/2024 as 16:10

Continuando a série de artigos sobre a LGPD, busca-se neste artigo analisar os fundamentos em Proteção de Dados e Privacidade, contextualizando com o momento atual - pandemia do novo coronavírus (COVID – 19).

 A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD - Lei nº 13.709 foi sancionada em 14 de agosto de 2018 após mais de oito anos de debate na sociedade civil. A LGPD dispõe sobre os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como, assegura o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

 A LGPD se aplica a qualquer pessoa natural ou jurídica de direito público ou de direito privado que utilize dados pessoais - colete, armazene, compartilhe - inclusive nos meios digitais. O âmbito de aplicação material abrange a maior parte de projetos e atividades de empresas. 

Fundamentos da LGPD

No artigo 2º da LGPD são indicados os fundamentos para a proteção de dados e a privacidade. Destaca-se que a proteção de direitos fundamentais é evidente no artigo citado e também em dispositivos presentes na Constituição Federal de 1988, como o artigo 5º. 

 Os fundamentos para a proteção de dados e a privacidade na LGPD são:        

  • O respeito à privacidade;

  • A autodeterminação informativa;

  • A liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;

  • A inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem;

  • O desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;

  • A livre iniciativa, a livre concorrência e defesa do consumidor;

  • Os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, da dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

A proteção à privacidade; à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem encontra-se disposta no art. 5º, X, da CF/88. A liberdade de expressão está prevista no art. 5º, IX, da CF/88.

Segundo a professora e Doutora em Direito Regina Ruaro (2015), a autodeterminação informativa constitui um desdobramento do direito à privacidade e pode ser chamada de direito à privacidade informacional.

Danilo Doneda, advogado e professor Doutor em Direito Civil, entende que a autodeterminação informativa tem status de direito fundamental enquanto direito de personalidade, o que garante ao indivíduo o poder de controlar as suas informações.

O respeito à privacidade; à autodeterminação informativa; à liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião e à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem faz com que as operações de tratamento de dados pessoais devam ser realizadas com o consentimento do titular, ressalvadas as situações em que o consentimento pode ser dispensado.

Salienta-se que o consentimento deve ser livre e inequívoco e o indivíduo deve ter acesso às informações pertinentes ao tratamento de seus dados pessoais – finalidade do tratamento, forma e duração do tratamento, identificação do controlador, informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade.

Percebe-se que a LGPD veio para auxiliar o desenvolvimento econômico e tecnológico, uma vez que o uso crescente das Tecnologias traz muitos benefícios, mas também nos torna muito vulneráveis, sendo assim, devem ser buscadas políticas de segurança da informação e de proteção dos dados pessoais.

A LGPD objetiva trazer mais segurança para os cidadãos, os consumidores, as empresas, as organizações públicas e garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Por fim, pode-se dizer que a LGPD se assemelha ao GDPR europeu, que é  pautado em direitos fundamentais e objetiva proteger e garantir privacidade, liberdade, segurança, entre outros. 

Prorrogação da entrada em vigor da LGPD e os reflexos do COVID – 19

De acordo com a pesquisa da Serasa Experian (2019) 85% das empresas brasileiras afirmaram que não estavam preparadas para garantir os direitos e os deveres em relação ao tratamento de dados pessoais exigidos pela LGPD. 

Como se pode perceber a maioria das empresas ainda não se adequaram às disposições da  LGPD. A vigência da Lei estava prevista para agosto de 2020. Entretanto, o Projeto de Lei nº 5.762 de 2019, que até o presente momento, ainda encontra-se em análise - objetiva prorrogar de agosto de 2020 para agosto de 2022, a vigência da maior parte de dispositivos da LGPD. 

Em razão do novo Coronavírus COVID - 19, surge outro Projeto de Lei, o PL nº 1.179 de 2020, de autoria do Senador Anastasia, que propõe medidas de caráter transitório e emergencial, que trazem mudanças para diversas áreas do Direito. 

O referido projeto de lei do Senador Anastasia objetiva prorrogar o prazo de entrada em vigor da LGPD, com a alteração do art. 65, de 24 meses, para 36 meses, prorrogando assim, para agosto de 2021. 

Na sexta dia 03 de abril de 2020 o Senado aprovou o adiamento da data de entrada em vigor da LGPD, que era prevista para agosto de 2020. O Projeto de Lei nº 1.179 de 2020  ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e pela sanção do Presidente. Em virtude da urgência do tema, a expectativa é que seja aprovado nas próximas instâncias.

Assim, tudo indica que a LGPD passará a ter vigência a partir de janeiro de 2021 e as sanções em agosto de 2021.

Pode-se dizer que a crise mundial na saúde evidenciou várias crises e desigualdades anteriores ao novo coronavírus (COVID-19). Muitos indivíduos ainda não possuem acesso a diversos direitos fundamentais, com a pandemia ficaram ainda mais expostos e em situação de maior vulnerabilidade, necessitando de auxílio por parte do Estado.

Paralelamente a essa situação, tem-se uma parte da população que pode trabalhar em casa – home office –, a crescente utilização de plataformas digitais e serviços delivery que são possíveis graças à internet e aos aplicativos disponíveis. Os serviços indicados envolvem o armazenamento de dados pessoais e de informações pessoais.

Além disso, as tecnologias têm possibilitado a troca de informações entre médicos e autoridades de diferentes países.

Em fevereiro foi aprovada a Lei nº 13.979 de 2020 para enfrentamento do coronavírus (COVID-19). Entre as medidas, cabe indicar que:

“Art. 6º É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação.

§ 1º  A obrigação a que se refere o caput deste artigo estende-se às pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.

§ 2º  O Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais”.

Para Rafael Zanatta (2020), coordenador de pesquisas na Data Privacy Brasil, a lei não deixa claro quais são os limites do uso de dados durante a pandemia. As autoridades do mundo inteiro reconhecem a gravidade da situação e têm buscado soluções inovadoras que possam auxiliar na contenção da disseminação da COVID-19.

Conforme exposto por Grossmann (2020) no Conteúdo Digital, a Europa vai liberar o uso de dados de celulares para mapear a COVID-19, o supervisor europeu concordou com a medida, entretanto, apresentou ressalvas indicando que a Comissão deve definir as bases de dados e garantir transparência ao público. Ressalta-se que os dados deverão ser apagados após passada a emergência.

Conclusão

A prorrogação da entrada em vigor da LGPD tem sido alvo de questionamentos por parte de advogados e de juristas, que têm percebido uma postura de adiamento por partes de autoridades e de organizações. Independente da pandemia, já havia projeto anterior com o intuito de prorrogar a data de vigência da lei.

Para advogada e pesquisadora Patrícia Peck Pinheiro (2020) a Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD - já deveria ter sido constituída e empossada em 2019.

Como demonstrado em artigo anterior “Aspectos sobre a Lei nº 13.853 de 2018”,  publicado nesta página, Instituto de Direito Real, a ANPD é importantíssima para a implementação da LGPD, já que é o órgão competente para fiscalizar e regulamentar os critérios da LGPD. 

Embora haja grande postergação para a entrada em vigor da LGPD, mais cedo ou mais tarde as empresas precisarão se adequar às disposições da LGPD.

Conforme indicado a proteção de dados pessoais e a garantia da privacidade estão atreladas a diversos direitos fundamentais. Estamos enfrentando uma situação muito grave e devem sim, ser pensadas alternativas para auxiliar no combate a COVID-19. 

A utilização dos dados pessoais pode ser útil para auxiliar nas pesquisas científicas e na elaboração de políticas públicas de controle do vírus. Ressalta-se que deve ser respeitada a finalidade, deve haver transparência e exclusão dos dados após o uso.

Segundo Danilo Doneda (2020) a legislação de proteção de dados pessoais na proteção de liberdades individuais e coletivas torna-se muito importante no momento atual, em razão do risco de se utilizarem os dados para interesses não relacionados com o combate à doença. 

Assim, verifica-se a necessidade e urgência da entrada em vigor da LGPD e da criação efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.