A relação entre governadores e assembleias legislativas remete ao federalismo brasileiro.
Durante toda a monarquia, o Brasil era um estado unitário, com concentração absoluta de poder na esfera nacional, sob liderança do Imperador.
Os estados eram chamados de províncias, com um presidente representando o executivo e um conselho geral com funções legislativas. O rol de assuntos decididos na esfera provincial era bem reduzido.
A proclamação da república e a Constituição de 1891 inauguraram uma nova fase na política brasileira: o federalismo. Dividir o poder era sinônimo de maior democracia, por isso, os estados acumularam diversas competências. A própria divisão do poder judiciário nasce neste momento, como a criação da justiça federal e da justiça estadual.
Obviamente, este processo atendeu às aspirações de elites regionais, que desejam uma autonomia maior para comandar suas áreas de influência. Na Velha República, de 1889 a 1930, este período ficou conhecido como Política dos Governadores: a disputa nacional não se misturava com a esfera local, onde as oligarquias agrárias dominavam. Uma arena política não atrapalhava a outra.
Esta dinâmica criou uma forma de se fazer política muito deletéria ao país.
Na esfera federal, os três poderes ficam sob o foco nacional e internacional. Decisões de tribunais superiores, debates legislativos e ações do executivo são analisadas e criticadas por associações, entidades da sociedade civil e pela imprensa do país e do mundo.
Por outro lado, na esfera estadual, este controle e fiscalização são menores. O ajuste entre assembleias e governadores dita a política local, sem uma margem razoável de transparência e com inúmeros casos de corrupção. Se antes as disputas locais eram resolvidas à bala, em pleno Século XXI, devem obedecer às regras do Estado de Direito, mas o grau de desvio de verbas públicas não diminui por conta disso.
Como combate a este federalismo desviado, o país desenvolveu ideologias autoritárias, urbanizadoras e industrializantes. Era preciso minar a força de oligarquias agrárias que dominavam a sociedade, a economia e a política locais. Eram sinônimas do atraso.
Contra isso, seria preciso um projeto de industrialização e urbanização, com formas mais modernas de trabalho assalariado, formando uma classe média crítica que cobrasse gestores públicos e legisladores. Mudando a economia, mudaria a sociedade, mudando a sociedade, mudaria a política. Somente pela força ou pela concentração de poder na esfera nacional, esta mudança poderia avançar, o que ocorreu na Era Vargas e na Ditadura Militar, às expensas de direitos civis e vidas humanas.
Hoje em dia, ainda existem reflexos desta dicotomia. Governos federais bem intencionados tentam impor regras fiscais, para que os estados não acumulem dívidas. Fomentam políticas de transferência de renda e recursos diretos para cidadãos, escolas e hospitais. É o caso do bolsa-família, do FUNDEB e do SUS. Mas ainda assim, a corrupção da esfera local resiste.
A dinâmica construída no estado, fomenta uma política perniciosa em que o governador distribui cargos e recursos para legisladores estaduais. Sem estes expedientes, o governador não possui governabilidade e corre o risco de sofrer derrotas legislativas e, até, impeachment.
A escolha técnica de delegados e comandantes da PM é substituída por indicações políticas de deputados estaduais. Secretarias, empresas e fundações públicas que deveriam fomentar a educação, a saúde e o esporte são infladas com cargos fantasmas e verbas milionárias para atender aos cabos eleitorais de deputados estaduais. Obras públicas são menos necessárias e mais direcionadas para atender aos interesses eleitorais de legisladores. Em alguns casos, até mesmo os órgãos de controle e fiscalização, como os TCEs são envolvidos nesta dinâmica perniciosa.
Desde a Constituição de 1988, além dos estados, os municípios também conseguiram o status de entes federativos, com competências próprias. E a perniciosidade das relações executivo-legislativo local permanecem. Em algumas cidades, até mesmo o crime organizado se envolve nesta dinâmica, patrocinando e assumindo posições legislativas para liberação de licença construtiva em áreas dominadas por milícias ou participação em concessões públicas de transporte, para lavagem de dinheiro.
O maior exemplo de federalismo na história humana nasce nos EUA, quando se optou por reunir treze estados confederados numa federação completa. Mas havia uma sociedade democrática muito ativa em cada estado, que impedia a perniciosidade da política local, a simbiose corrupta entre legislativos e governadores.
Este mesmo federalismo atende à demanda por um governo local forte em países continentais, como Canadá, Rússia e Brasil, que devem ter um esfera de governo com competências para resolver problemas que a localidade conhece melhor do que um o governo federal. Mas a falta de uma sociedade civil organizada pode transformar o sonho de um federalismo democrático em um pesadelo, ao institucionalizar a corrupção nas malhas da relação entre legislativo e executivo.