O que é a Supressio e a Surrectio?

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Por Beatriz Castro - 27/04/2024 as 16:47

1. Introdução

No vasto espectro do Direito Civil, as doutrinas da supressio (Verwirkung) e da surrectio (Erwirkung) emergem como conceitos fundamentais para a estabilidade e a segurança das relações jurídicas. Embora originárias do direito romano, essas doutrinas foram continuamente desenvolvidas e adaptadas ao longo dos séculos para atender às complexidades das sociedades modernas.

A supressio, traduzida como "perda do direito por não exercê-lo", e a surrectio, definida como "aquisição de um direito pela prática reiterada", delineiam as fronteiras dentro das quais as partes envolvidas em uma relação contratual ou obrigacional devem agir para proteger seus interesses. Esses princípios legais são cruciais para garantir a equidade e a justiça nas transações civis, evitando abusos e injustiças decorrentes da inação ou da negligência.

No entanto, a aplicação dessas doutrinas não é isenta de controvérsias e desafios. Questões relacionadas à temporalidade, à intencionalidade das partes e à interpretação dos tribunais têm sido objeto de debate e análise por juristas e acadêmicos em todo o mundo. À medida que os contextos sociais e econômicos evoluem, é essencial revisitar e refinar esses conceitos para garantir sua relevância e eficácia contínuas no cenário jurídico contemporâneo.

Este artigo busca explorar as nuances da supressio e da surrectio no Direito Civil, examinando sua evolução histórica, suas aplicações práticas e os desafios enfrentados em sua interpretação e aplicação. Por meio de uma análise pretendemos fornecer insights valiosos para profissionais do direito, estudiosos e indivíduos interessados na compreensão mais profunda desses princípios fundamentais e seu papel na construção de um sistema jurídico justo e equitativo.

2. Conceito de Supressio e Surrectio

A supressio, do termo latino "Verwirkung", refere-se à perda ou extinção de um direito devido à inércia ou à falta de exercício desse direito por um período prolongado. Em outras palavras, quando uma parte deixa de fazer valer um direito ao qual tem direito por um período de tempo significativo, essa parte pode ser considerada como tendo renunciado tacitamente a esse direito. A supressio está intimamente ligada ao princípio da boa-fé nas relações contratuais e obrigacionais, pois visa evitar que uma parte se beneficie da passividade da outra parte para, posteriormente, alegar direitos que não foram exercidos oportunamente.

Por outro lado, a surrectio, derivada do termo latino "Erwirkung", refere-se à aquisição ou ao reconhecimento de um direito em virtude de sua prática reiterada ou de sua execução. Em outras palavras, quando uma parte age consistentemente de acordo com um direito ou interesse ao longo do tempo, essa ação contínua e consistente pode resultar na aquisição legal desse direito, mesmo que não tenha sido formalmente estabelecido ou reconhecido inicialmente. A surrectio reflete a ideia de que a prática reiterada de um comportamento ou ação pode criar um direito ou uma expectativa legítima, mesmo na ausência de uma base legal explícita.

Esses conceitos, embora distintos, compartilham uma preocupação central com a temporalidade e a continuidade das ações das partes envolvidas em uma relação jurídica. Enquanto a supressio se concentra na perda de direitos devido à inação prolongada, a surrectio se concentra na aquisição ou reconhecimento de direitos devido à prática reiterada ou à execução consistente de certas ações ou comportamentos. Ambos os conceitos desempenham um papel fundamental na interpretação e na aplicação do direito civil, especialmente no que diz respeito à equidade, à justiça e à segurança jurídica.

3. Evolução Histórica

A evolução histórica da supressio (Verwirkung) e da surrectio (Erwirkung) remonta aos princípios fundamentais do direito romano, onde a noção de equidade e justiça era central para a resolução de disputas legais.

No direito romano, os conceitos de supressio e surrectio foram desenvolvidos com base na ideia de que a passividade prolongada ou a inação poderiam levar à perda de direitos (supressio), enquanto a prática reiterada ou a execução consistente de certas ações poderiam resultar na aquisição ou reconhecimento de direitos (surrectio).

Durante a Idade Média e o período medieval europeu, esses conceitos foram incorporados e adaptados às diferentes tradições jurídicas locais, muitas vezes influenciadas pelo direito romano-canônico ou pelo direito consuetudinário.

No contexto do direito civil moderno, a supressio e a surrectio continuaram a evoluir à medida que as sociedades e os sistemas jurídicos se desenvolviam. Por exemplo, no século XIX, com o advento do Código Civil Napoleônico e outros códigos civis europeus, esses conceitos foram formalizados e incorporados às leis civis nacionais.

Ao longo do tempo, os tribunais e os legisladores têm interpretado e aplicado esses conceitos de maneira a refletir as mudanças nas práticas sociais, econômicas e legais. Isso inclui a consideração de novas formas de contratos, relações obrigacionais e comportamentos das partes envolvidas.

Atualmente, a supressio e a surrectio continuam a ser princípios essenciais no direito civil contemporâneo em todo o mundo, embora suas interpretações e aplicações específicas possam variar de acordo com a jurisdição e as circunstâncias específicas de cada caso.

Em resumo, a evolução histórica da supressio e da surrectio reflete a contínua adaptação e desenvolvimento desses conceitos fundamentais ao longo do tempo, à medida que o direito civil se desenvolve e se adapta às necessidades e realidades das sociedades modernas.

4. Aplicações Práticas e os Desafios Enfrentados 

As aplicações práticas da supressio (Verwirkung) e da surrectio (Erwirkung) são vastas e abrangem uma variedade de áreas dentro do direito civil, incluindo contratos, direitos reais, direitos de família e responsabilidade civil, entre outros. No entanto, esses conceitos também apresentam desafios significativos em sua interpretação e aplicação, que podem variar dependendo da jurisdição e das circunstâncias específicas de cada caso. Alguns exemplos de suas aplicações e dos desafios enfrentados são:

Contratos: Na esfera dos contratos, a supressio pode ser aplicada quando uma das partes deixa de exercer um direito contratual por um período prolongado, levando à perda desse direito. Por exemplo, se uma parte de um contrato de locação não exerce seu direito de revisão do aluguel por vários anos, pode ser considerado que ela suprimiu seu direito de fazê-lo. O desafio aqui é determinar o período de tempo que constitui uma inação suficiente para configurar a supressio, o que pode variar dependendo do contexto e da natureza do contrato.

Direitos Reais: Na área dos direitos reais, a surrectio pode ser aplicada quando alguém age consistentemente como proprietário de um imóvel sem ser contestado por um período prolongado, o que pode resultar na aquisição legal da propriedade por usucapião. No entanto, o desafio reside em determinar os requisitos específicos para a aquisição por usucapião, como a duração do uso, a natureza da posse e a intenção do possuidor.

Direitos de Família: Em questões de direitos de família, a supressio pode ser aplicada quando um pai deixa de exercer seu direito de visita aos filhos por um período prolongado, resultando na perda desse direito de visita. O desafio aqui é equilibrar o interesse dos pais com o melhor interesse das crianças e determinar se a inação foi voluntária ou justificada por circunstâncias específicas.

Responsabilidade Civil: Na esfera da responsabilidade civil, a supressio pode ser aplicada quando uma pessoa deixa de exercer seu direito de buscar uma reivindicação legal por danos causados por outra parte por um período prolongado, levando à perda desse direito de buscar indenização. O desafio é determinar se a inação foi devida à falta de conhecimento dos direitos da parte prejudicada, à pressão emocional ou a outros fatores que podem justificar a demora na busca de reparação.

Em todas essas áreas, os desafios na interpretação e aplicação da supressio e da surrectio estão frequentemente relacionados à necessidade de equilibrar os interesses das partes envolvidas, considerando as circunstâncias específicas de cada caso e aplicando os princípios de equidade e justiça. Além disso, a evolução das práticas sociais e econômicas pode apresentar novos desafios na aplicação desses conceitos, exigindo uma interpretação flexível e adaptável por parte dos tribunais e legisladores.

5. Conclusão

Em suma, a supressio (Verwirkung) e a surrectio (Erwirkung) são conceitos fundamentais no direito civil, desempenhando um papel crucial na preservação da equidade, na proteção dos direitos das partes e na promoção da segurança jurídica. No entanto, esses conceitos também apresentam desafios significativos em sua interpretação e aplicação, especialmente diante da diversidade de situações e contextos jurídicos em que são aplicados.

Ao longo deste artigo, exploramos as origens históricas, as aplicações práticas e os desafios enfrentados na interpretação e aplicação da supressio e da surrectio. Desde o direito romano até os sistemas jurídicos contemporâneos, esses conceitos evoluíram para refletir as mudanças sociais, econômicas e legais ao longo do tempo.

É fundamental que os tribunais e legisladores abordem esses conceitos com sensibilidade e cautela, buscando equilibrar os interesses das partes envolvidas e garantir que a aplicação da supressio e da surrectio promova a justiça e a equidade nas relações jurídicas.

Em última análise, a compreensão desses princípios e sua aplicação adequada são essenciais para a construção de um sistema jurídico que promova a confiança, a previsibilidade e a justiça para todos os envolvidos. Ao continuar a refletir sobre esses conceitos e adaptá-los às necessidades e realidades em constante mudança, podemos fortalecer ainda mais os fundamentos do direito civil e sua capacidade de resolver disputas de forma justa e eficaz.