A distinção entre prescrição e decadência é fundamental para a prática jurídica, especialmente no âmbito do Direito do Consumidor. Compreender esses conceitos é essencial para advogados que buscam proteger os direitos de seus clientes de maneira eficaz. Este artigo aborda de forma detalhada as diferenças entre produtos e serviços duráveis e não duráveis, e como essas categorias influenciam os prazos prescricionais e decadenciais. A análise é baseada em doutrinas renomadas e jurisprudência atualizada, oferecendo uma visão abrangente e prática para profissionais do Direito.
Produtos e Serviços Duráveis e Não Duráveis
Primeiramente, cumpre analisar o que são os produtos e serviços duráveis e não duráveis:
O autor João Gabriel Ribeiro Pereira Silva define produto durável como aquele que não se esgota com a sua primeira utilização, ou com a sua aquisição, tendo como exemplos carro, celular, vestido de casamento, roupa etc.
Fabrício Bolzan cita como exemplos de produtos duráveis a TV, uma geladeira, um carro, ou até um vestido de noiva, na visão do Superior Tribunal de Justiça.
Ainda, define o produto não durável como “aquele que se acaba com o uso”, tendo como exemplo uma bebida ou um alimento.
Segundo Flávio Tartuce, “se não restar claro se o produto é durável ou não, deve-se entender pela aplicação do prazo maior de 90 dias, o que é incidência do princípio do protecionismo do consumidor, retirado do art. 1º da Lei 8.078/1990 e do art. 5º, inc. XXXII, da CF/1988. A propósito dessa diferenciação, recente aresto do Superior Tribunal de Justiça traz elementos que podem auxiliar o intérprete na correta conclusão quanto ao enquadramento dos bens duráveis e não duráveis. Pontue-se que o julgado diz respeito a um vestido de noiva, tratado como bem durável e sujeito ao prazo decadencial de 90 dias. Na linha do decisum”:
“Entende-se por produto durável aquele que, como o próprio nome consigna, não se extingue pelo uso, levando certo tempo para se desgastar, que variará conforme a qualidade da mercadoria, os cuidados que lhe são emprestados pelo usuário, o grau de utilização e o meio ambiente no qual inserido. Portanto, natural que um terno, um eletrodoméstico, um automóvel ou até mesmo um livro, à evidência exemplos de produtos duráveis, se desgastem com o tempo, já que a finitude é, de certo modo, inerente a todo bem. Por outro lado, os produtos não duráveis, tais como alimentos, os remédios e combustíveis, em regra in natura, findam com o mero uso, extinguindo-se em um único ato de consumo. Assim, por consequência, nos produtos não duráveis o desgaste é imediato. Diante disso, o vestido de noiva deve ser classificado como um bem durável, pois não se extingue pelo mero uso, sendo notório que, por seu valor sentimental, há quem o guarde para a posteridade, muitas vezes com a finalidade de vê-lo reutilizado em cerimônias de casamento por familiares (filhas, netas e bisnetas) de uma mesma estirpe. Há pessoas, inclusive, que mantêm o vestido de noiva como lembrança da escolha de vida e da emoção vivenciada no momento do enlace amoroso, enquanto há aquelas que o guardam para uma possível reforma, seja por meio de aproveitamento do material (normalmente valioso), do tingimento da roupa (cujo tecido, em regra, é de alta qualidade) ou, ainda, para extrair lucro econômico, por meio de aluguel (negócio rentável e comum atualmente)” (STJ – REsp 1.161.941/DF – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – j. 05.11.2013, publicado no seu Informativo n. 533).
Na mesma linha de raciocínio, o autor observa que, quando da distinção entre serviços duráveis e não duráveis, a durabilidade dos serviços será calculada no tempo em que irá perdurar o resultado da atividade desempenhada, e não no período que levou para efetivar sua prestação.
Dessa forma, segundo o autor, pouco importa se o funileiro vai demorar cinco horas ou cinco dias para desamassar e pintar um veículo, pois se trata de atividade com natureza de serviço durável em relação ao resultado esperado.
E, assim como ocorre com os produtos, muitas vezes também há dificuldade ao definir se o serviço é durável ou não.
Dessa forma, Tartuce explica:
“Em casos tais, aplicando-se a interpretação mais favorável ao consumidor e o princípio do protecionismo, o prazo a ser computado é de noventa dias (in dubio pro consumidor). A ilustrar, o serviço de lavagem de carro é considerado um serviço não durável, estando submetido ao prazo decadencial de trinta dias. O conserto do carro é considerado um serviço durável, estando submetido ao prazo de noventa dias. A respeito da perolização e cristalização da pintura do veículo, há grande dúvida a respeito da natureza do serviço, subsumindo-se o prazo maior, que é de noventa dias. Para findar o estudo do vício do serviço, os citados prazos decadenciais podem ser obstados – na esteira do que foi comentado quanto ao vício do produto – quando houver reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor, até a respectiva resposta inequívoca do prestador, bem como a instauração do inquérito civil pelo Ministério Público. Em outras palavras, incide plenamente o previsto no art. 26, § 2º, da Lei 8.078/1990. Subsumindo muito bem o texto legal, do avançado e técnico Tribunal Gaúcho, em hipótese em que o prestador de serviços não deu resposta quanto à solução do problema”:
“Relação de consumo. Ação de reparação de danos. Prestação de serviço de mecânica. Conserto de motor. Vício do serviço. Dever de indenizar. Dano moral inexistente. Decadência não implementada. 1. Não se verifica a decadência, prevista no art. 26, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor se, alguns dias depois do conserto, já houve a reclamação, a qual, a teor do disposto no art. 26, § 2º, inc. I, do CDC, obsta a fluência do prazo, não tendo recomeçado a fluir, pois a ré não recusou de forma inequívoca a reparação dos problemas verificados. 2. A prova dos autos demonstra ter havido má prestação do serviço de conserto do motor da caminhonete do autor, surgindo para a ré o dever de indenizar. Quantia esta arbitrada em consonância com o depoimento do mecânico, sendo descontado o valor ainda devido pelo autor. 3. Não havendo qualquer violação a atributo de personalidade, inexistente o dano moral. Recurso parcialmente provido” (TJRS – Recurso Cível 71001594662, São Leopoldo – Primeira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Ricardo Torres Hermann – j. 05.06.2008 – DOERS 10.06.2008, p. 114).
Prazo Decadencial
O artigo 26 do Código do Consumidor dispõe que o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
- trinta dias: fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
- noventa dias: fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
Conforme o § 1°, a contagem se inicia a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
Já o § 2° cita as situações que obstam a decadência:
- a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
- a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
E, ainda, se tratar de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito, conforme §3º do artigo 26 do CDC.
Como pode-se perceber o prazo decadencial relaciona-se à reclamação de vícios.
Prazo Prescricional
O artigo 26 do Código do Consumidor dispõe que prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Assim, fica claro que o prazo prescricional refere-se ao acidente de consumo.
O julgado a seguir elucida bem a diferença entre o prazo prescricional e o prazo decadencial:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. METRAGEM A MENOR. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. 1. O propósito recursal, para além da negativa de prestação jurisdicional, é o afastamento da prejudicial de decadência em relação à pretensão de indenização por vícios de qualidade e quantidade no imóvel adquirido pela consumidora. 2. Ausentes os vícios de omissão, contradição ou obscuridade, é de rigor a rejeição dos embargos de declaração. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 458 do CPC/73. 4. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC). 5. No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas. 6. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição. 7. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 (“Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra”). 8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp 1.534.831/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., j. 20-2-2018, DJe 2-3- 2018).
Conclusão
Em suma, a correta identificação de um produto ou serviço como durável ou não durável é crucial para a aplicação dos prazos de prescrição e decadência. Advogados devem estar atentos a essas classificações para garantir a defesa adequada dos interesses de seus clientes. Este artigo forneceu uma análise detalhada e prática, fundamentada em doutrinas e jurisprudências, para auxiliar os profissionais do Direito na aplicação correta desses conceitos. A compreensão aprofundada desses temas contribui para uma prática jurídica mais eficiente e segura, refletindo diretamente na satisfação e proteção dos consumidores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DE ALMEIDA, Fabrício Bolzan. Direito do Consumidor Esquematizado, pgs. 642 e 643.
SILVA, João Gabriel Ribeiro Pereira. Direito do Consumidor, Coleção Carreiras Jurídicas, 2020. Editora CP Iuris, pg. 56.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor, 2018. Volume único, pgs. 182, 198.