Prevenção e Reparação de Danos Causados ao Consumidor: Responsabilidade Civil do Comerciante

Por Júlia Brites - 12/11/2021 as 16:13
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O Código de Defesa do Consumidor prevê, no seu artigo 13, a responsabilidade do comerciante pelo fato do produto, in verbis:

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Segundo Flávio Tartuce, “a primeira situação prevista refere-se ao fato de o fabricante ou o seu substituto não poder ser identificado, transferindo-se a responsabilidade ao comerciante. Segundo ele, como bem aponta Luiz Antonio Rizzatto Nunes, a norma tem incidência para as hipóteses em que há venda de produtos a granel, nas feiras e nos supermercados: O feirante adquire no atacadista – que já é outro comerciante, distribuidor, vulgarmente chamado de atravessador –, quilos de batatas, de diversas origens e os coloca à venda. Elas podem inclusive ser vendidas misturadas. O mesmo acontece com praticamente todos os produtos hortifrutigranjeiros”.

Já a segunda hipótese, afirma o autor, “trata da situação em que o produto é fornecido sem a identificação clara de quem seja o fabricante ou o seu substituto. Aqui, a lesão ao dever de informar relacionado à boa-fé objetiva transfere a responsabilidade ao comerciante, diante de uma relação de confiança estabelecida”.

Por fim, finaliza explicando que “o terceiro caso é aquele em que o comerciante não conserva de forma adequada os produtos perecíveis, clara situação de culpa, por desrespeito a um dever legal ou contratual – ou seja, de responsabilidade subjetiva do comerciante, o que gera a transferência do dever de indenizar. Ilustrando, imagine-se que um supermercado tem o mau costume de desligar as suas geladeiras para economizar energia, gerando estrago dos alimentos que serão consumidos e, consequentemente, problemas de saúde nos consumidores. Na hipótese descrita, a responsabilidade, sem dúvida, será do comerciante, do supermercado”.

Cumpre destacar que a posição da doutrina majoritária é no sentido de sustentar a responsabilidade subsidiária do comerciante. De igual forma, a jurisprudência tem aplicado esse entendimento, que segue:

Apelação cível. Responsabilidade civil. Explosão de bateria de celular. Acidente de consumo. Fato do produto. Ilegitimidade passiva da ré comerciante. Reconhecimento. Em se tratando de acidente de consumo pelo fato do produto, o comerciante só pode ser responsabilizado diretamente em casos específicos, pois não se enquadra no conceito de fornecedor (art. 12 do CDC), para fins de responsabilidade solidária. Como vem defendendo a esmagadora doutrina especializada, a responsabilidade do comerciante é subsidiária, e não solidária, tal como estabelecido na sentença. Ilegitimidade passiva do comerciante reconhecida, já que identificado o fornecedor do produto defeituoso. Apelação provida. (TJRS – Acórdão 70026053116, Porto Alegre – Nona Câmara Cível – Rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi – j. 11.03.2009 – DOERS 19.03.2009, p. 43). (grifo nosso)

Indenizatória. Defeitos em veículo. Responsabilidade pelo fato do produto. [...] Ilegitimidade ad causam. Indenizatória. Defeitos em veículo. Ação ajuizada contra comerciante, vendedor do automóvel com vício de fabricação. Responsabilidade pelo fato do produto. Art. 13 do Código de Defesa do Consumidor. Inocorrência das hipóteses em que o comerciante responde solidariamente. Ilegitimidade passiva reconhecida. Recurso provido para tal fim. (1º TAC-SP – Recurso 1066838-7 – Décima Câmara – Rel. Juiz Ary Bauer – j. 26.03.2002). (grifo nosso)

Comerciante. Responsabilidade. Código de Defesa do Consumidor. Fato do produto. Diferenciação entre fato do produto e vício do produto. Hipótese em que o fabricante está identificado e em que não se alegou falha na conservação. Ilegitimidade passiva. Agravo provido para extinguir o processo. Como nesta ação a autora, alegando ter adquirido e consumido iogurtes impróprios para o consumo, pede indenização pelos gastos médicos e danos morais sofridos, é o fato do produto quem a fundamenta. Nela, portanto, o comerciante somente se responsabiliza se não identificado o fabricante ou se suceder falha na conservação do produto. Não sucedida a primeira hipótese e não alegada a segunda, não se verifica sequer em tese a responsabilidade do agravante, impondo-se a extinção do processo em relação a ela sem julgamento do mérito” (TJSP – Agravo de Instrumento 190.164-4 – Osasco – Décima Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Mauricio Vidigal – j. 20.03.2001). (grifo nosso)

Flávio Tartuce conclui que foi uma opção do legislador retirar a responsabilidade direta dos comerciantes, uma vez que, na maioria das vezes, os defeitos se referem à fabricação, e não à comercialização, mesmo que seja difícil comprovar em algumas situações:

“(...) Deve ficar consignado, de lege ferenda, que essa não parece ser a solução mais justa em muitas hipóteses, mormente se houver dificuldade de prova em relação ao fato danoso, o que pode representar uma prova maligna, diabólica. Para ilustrar tal dificuldade, pense-se na ilustração em que um consumidor comprou um iogurte estragado e, ao ingeri-lo, teve uma intoxicação, ficando internado por vários dias. Está presente, no caso descrito, o fato do produto ou defeito. Contra quem deve ser proposta a demanda? Em um primeiro momento, contra o fabricante, nos termos do art. 12 do CDC. Entretanto, pode o fabricante provar que houve culpa exclusiva do comerciante – o supermercado –, que não armazenou o iogurte de forma adequada, excluindo a sua responsabilidade (art. 12, § 3º, III, da Lei 8.078/1990). Se a ação for proposta na Justiça Comum – não no Juizado Especial Cível –, a sentença de improcedência gerará a condenação do consumidor pelos ônus da sucumbência. O fim da história será semelhante na hipótese de propositura contra ambos – fabricante e comerciante –, sendo a ação julgada procedente apenas contra um deles.

Observe-se, portanto, que, dentro da técnica processual, o melhor caminho exposto ao consumidor no caso de dúvida é ingressar com uma demanda para produção antecipada da prova, nos termos do art. 381 do Código de Processo Civil de 2015. Isso dificulta em muito a sua vitória judicial, ferindo o próprio espírito da Lei Consumerista, que veio para facilitar o caminho processual dos vulneráveis negociais. Tanto isso é verdade, que a Lei Protetiva veda a denunciação da lide nas hipóteses de fato do produto, nos termos do seu art. 88, que assim determina: Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide”.

 

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor, 2018. Volume único, pgs. 167-169.