STJ Admite Medidas Atípicas na Execução de Multa por Improbidade

​​​​Para a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível adotar medidas executivas atípicas no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade, desde que sejam observados parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do tribunal – como a existência de indícios de que o devedor tenha patrimônio expropriável e o caráter subsidiário de tais medidas. 

Com esse entendimento, o colegiado deu parcial provimento a recurso do Ministério Público de Mato Grosso do Sul para determinar que o Tribunal de Justiça local analise o requerimento de apreensão da carteira de habilitação e do passaporte de um devedor – condenado em ação de improbidade administrativa –, após cinco anos de tentativas frustradas para recolher o montante referente à multa.

A apreensão dos documentos foi pedida pelo Ministério Público com base no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), que autoriza o juiz a "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária".

O tribunal estadual entendeu, porém, que não haveria previsão legal expressa para a adoção das medidas requeridas, as quais atentariam contra os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além de servir apenas como punição do devedor, sem garantir o pagamento da dívida. Para a corte, o dispositivo do CPC contraria o princípio da menor onerosidade na execução.

 

Ofensa à Administração Pública

O relator no STJ, ministro Herman Benjamin, informou que há no tribunal julgados favoráveis à adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. No entanto, lembrou que a Primeira Turma já indeferiu as medidas atípicas em uma execução fiscal, por entender que seria excessiva no caso específico.

Para o ministro, diversamente, o tribunal estadual não avaliou o caso concreto, considerando as medidas não razoáveis e desproporcionais de forma abstrata. Segundo ele, o que se discute é o cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade, e não podem ser admitidas "manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta".

Para o relator, se o STJ entende que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, "com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público".

 

Análise do Caso Concreto

Na avaliação do ministro, os parâmetros construídos pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.788.950 têm amparo na doutrina e são adequados também ao cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade.

Naquele julgamento, o colegiado de direito privado estabeleceu que "a adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade".

Segundo Herman Benjamin, a proporcionalidade da medida não deve ser analisada em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarassem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC. Não sendo assim, observou, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, afastando-se as medidas atípicas nas hipóteses em que se mostrarem excessivamente gravosas – por exemplo, se causarem prejuízo ao exercício da profissão do devedor.

 

Número do Processo

REsp 1.929.230

 

Ementa

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REQUERIMENTO DE MEDIDAS COERCITIVAS. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. ART. 139, IV, DO CPC/2015. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. APLICAÇÃO EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE. OBSERVÂNCIA DE PARÂMETROS. ANÁLISE DOS FATOS DA CAUSA.

 

HISTÓRICO DA DEMANDA

1. Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços gráficos para a confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio procedimento licitatório.
2. De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção pecuniária, o que resultou no pedido manejado pelo Ministério Público de apreensão de carteira de habilitação e passaporte, com o escopo de compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ, destaque acrescentado).
3. Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 79, e-STJ ).

 

FUNDAMENTAÇÃO ESTRITAMENTE JURÍDICA E INFRACONSTITUCIONAL

4. O Tribunal de origem adota o entendimento de que a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH do devedor são meios executivos que não encontram suporte no art. 139, IV, do CPC/2015. Esse preceito, segundo a doutrina especializada, consagra as chamadas medidas executivas atípicas, ao estabelecer que o juiz pode "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária."
5. No acórdão recorrido se afirma que o referido artigo 139, IV, do CPC/2015 contraria o princípio da menor onerosidade e "não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial" (fl. 82, e-STJ). Também se afirma que "não há demonstração efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do passaporte do Agravado possa viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82, e-STJ). Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa claro que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, uma vez que, em sua ótica, "se executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de prover a tutela jurisdicional" (fl. 82, e-STJ). Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão recorrido: "Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado." (fl. 83, e-STJ, destaque acrescentado).
6. Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não vigência ao artigo 139, IV, do CPC/2015. 7. Também se aduz no aresto que a imposição das medidas atípicas "implicaria em violação de direitos constitucionalmente garantidos, conforme preceitua o art. 5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e desproporcionais ao direito perseguido." (fl. 82, e-STJ).
8. O que há nesse raciocínio é, ainda, interpretação do artigo 139, IV. O que o Tribunal de origem proclama é a compreensão de que o preceito não poderia ser entendido de determinada forma em decorrência da ordem constitucional, ou seja, há a ideia de ofensa reflexa à Constituição.
10. Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941 (ainda não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários com o fundamento de que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE 1.221.543, Relator Min. Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE 1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min. Marco Aurélio, DJe 21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.3.2021.

 

JURISPRUDÊNCIA DO STJ

11. Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: "O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do
devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo [...] O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV)." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). Na mesma esteira: AgInt no REsp
1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020; REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.11.2020.
12. Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Afirmou-se no julgado: "O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164)." (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019).

 

RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS ATÍPICAS EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE

13. Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato –, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Aqui, diversamente, trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. 

14. Inadmissíveis manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta. Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência supradestacada – é o de que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o
cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada do acórdão recorrido), não há como não considerar o interesse público, na
satisfação da obrigação, importante componente para definir o cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto. 

15. Não ocorre, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas não patrimoniais para o cumprimento da sentença. 

 

PARÂMETROS

16. Os parâmetros construídos pela Terceira Turma para a aplicação das medidas executivas atípicas encontram largo amparo na doutrina e se revelam adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade.
17. Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel.  Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).
18. Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão. 

 

CONCLUSÃO 

19. Recurso Especial parcialmente provido para determinar a devolução dos autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas, feito com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso concreto, mediante a observância dos parâmetros acima delineados.

 

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator." Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator

 

Fonte

STJ