A Apreensão de Aparelhos Eletrônicos em Abordagens Policiais

Quando se está diante de uma apreensão, é comum a análise dos objetos encontrados e, na posse de aparelhos eletrônicos, as pesquisas realizadas pelos policiais são feitas, normalmente, sem a ordem legal para isso. Entretanto, a pesquisa destes conteúdos, sem autorização judicial, é considerada violação de privacidade, pois estes aparelhos armazenam dados pessoais que detalham a vida do indivíduo.

Com o desenvolvimento da tecnologia, os aparelhos celulares são capazes de armazenar diversas informações de seus usuários; aplicativos de fotografias, vídeos, redes sociais, dados bancários, localizações, são programas que criam uma extensa caracterização de quem os utiliza, uma vez que integram elementos únicos e particulares de cada um.

Destaca-se que estes dispositivos contêm não somente informações de seus donos, mas também de terceiros. Daí a necessidade – e importância – da autorização para acessar estes dados, uma vez que, dada a sua relevância, os aparelhos eletrônicos, principalmente o celular, por armazenar informações extremamente pessoais, deve ser associado à proteção da intimidade, resguardada pela Constituição Federal.

O artigo 6º do Código de Processo Penal, incisos II, III e VII, determina que logo que o policial tiver conhecimento de uma prática delituosa, deverá apreender os objetos que tiveram relação com o crime, colher todas as provas que puderem esclarecer os fatos e, se for o caso, encaminhar para análise da perícia. 

Em contrapartida, não se pode deixar de destacar que tais autoridades devem ter cautela ao se depararem com determinadas provas, como por exemplo, os aparelhos eletrônicos, por arquivarem, como já dito, dados individuais e particulares.

Sendo assim, o policial não pode simplesmente exigir que o abordado desbloqueie o aparelho para realizar uma análise mais profunda, ou, ele próprio, usar de outros meios para ter acesso às informações contidas nestes dispositivos; é necessário que haja expressa autorização judicial para isso.

Neste sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos X e XII, esclarece que a intimidade, a vida privada e as comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, são invioláveis.

Isto posto, o dispositivo constitucional citado está em concordância com o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/14, que defende, em seu artigo 7º, incisos I, II e III a inviolabilidade, e sigilo, do fluxo e conteúdo de comunicações feitas pela internet, além da proteção da intimidade e da vida privada.

Vale citar, também, a Lei nº 9.472/97 que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, defendendo, em seu artigo 3º, inciso V, que os usuários destes serviços possuem direito à inviolabilidade das suas comunicações.

Diante dos dispositivos citados, pode-se observar a preocupação do legislador em deixar muito claro a questão da inviolabilidade e sigilo das comunicações, com exceção dos casos previstos em lei, uma vez que a proteção à intimidade é direito fundamental acolhido pela Carta Magna.

A Criação da Lei nº 9.296/96 como Forma de Regulamentação do Inciso XII do Artigo 5º da Constituição Federal

Além da proteção constitucional que recebem, as comunicações telefônicas ainda são amparadas pela Lei nº 9.296/96, que foi criada na intenção de regulamentar o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Destarte, este dispositivo trata da interceptação de comunicações telefônicas e dados telemáticos.

É necessário analisar a expressão “comunicação telefônica” de uma maneira mais abrangente, ou seja, ao se falar em comunicações por telefone, deve-se ter em mente a ideia de que imagens, sons e informações, transmitidas por telefonia móvel e fixa, fazem parte do conceito que a lei protege. Diante disso, pode-se constatar que este dispositivo protege a comunicação de dados e não os dados telefônicos em si, isto é, os registros contendo números de telefone, dia e hora, armazenados pelas companhias telefônicas, não são amparados por esta Lei.

É possível observar que a norma em questão já inclui à aplicação da possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, como defende o parágrafo único do artigo 1º. 

Além disso, ela defende que para que haja essa interceptação, é necessária a existência de fundamentação e motivos pertinentes, não sendo admitida quando: não houver indícios suficientes de autoria na prática da infração, a prova puder ser obtida por outros meios e o fato investigado ser punível com, no máximo, pena de detenção, como estabelece o artigo 2º.

Deste modo, é possível constatar que a intenção do legislador, ao criar esta Lei, foi estabelecer um caráter excepcional, na medida em que a interceptação deve ser usada como ultima ratio, ou seja, quando não houver outra maneira de conseguir a informação almejada, pelo fato de constituir uma forma invasiva de privacidade, já que a intimidade é um direito fundamental resguardado pela Constituição Federal.

Vale ressaltar que, como depende de decisão fundamentada, a interceptação deverá ter um objeto nitidamente caracterizado para que não haja, na busca de provas, um desvio de finalidade; por isso, deve-se ter cautela na análise dos dados interceptados, colhendo, realmente, apenas o que for pertinente para a investigação.

Ainda neste seguimento, é importante indicar a inevitabilidade de se encontrar informações divergentes daquilo que se procura. Por isso, caso sejam encontradas provas inesperadas, necessário se faz a realização de apuração daquilo que foi obtido; sendo assim, se os novos elementos forem importantes e tiverem relação com aquilo que está sendo investigado, poderão ser usados sem receio de serem invalidados. Entretanto, caso sejam informações de finalidade diversa, e mesmo assim forem usadas como provas, estas serão consideradas ilícitas por se enquadrarem no desvio de finalidade.

Quanto ao prazo estabelecido, a Lei indica, em seu artigo 5º, que a interceptação não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, a contar do dia em que a medida é efetivada; além disso, este prazo poderá ser renovado por igual período, caso seja comprovada a necessidade para esta dilação. Portanto, a duração máxima da interceptação, de acordo com a Lei, é de 30 (trinta) dias, pois sua renovação só poderá ocorrer uma única vez. Entretanto, quando se estiver diante de fato delituoso complexo, havendo razoabilidade, necessidade e justificativa plausível, há possibilidade de aumento neste limite, como defende o seguinte entendimento do TRF:

(...) O que delimita o número de prorrogações possíveis para a interceptação telefônica é a demonstração de que a medida é imprescindível para a prova do fato, o que, a princípio, em crimes que se cometem com habitualidade, permanência, estabilidade e/ou continuidade, sempre se verifica presente, dado que em tais casos, os atos de consumação se espalham no tempo e não se revelam em apenas um dado instante, às vezes nem mesmo em alguns dias.
(TRF-2 00035229420084025001 0003522-94.2008.4.02.5001, Relator: ABEL GOMES, Data de Julgamento: 28/09/2016, 1ª TURMA ESPECIALIZADA).