Aspectos Procedimentais da CPI Municipal
As comissões parlamentares de inquérito são uma extensão da câmara municipal, não se distinguindo, portanto, a CPI do próprio poder legislativo.
Como investigação que segue a processualística administrativa, extraindo sua matriz do direito constitucional, áreas do direito essencialmente formais, as comissões parlamentares de inquérito possuem seu próprio rito que deve ser cuidadosamente observado para a consecução dos objetivos perseguidos.
Observando os princípios constitucionais, e as regras da lei 1.579 de 1952 e da lei 10.001 de 2000, que são as leis federais transitivas, de que não podem prescindir os regimentos internos, uma CPI que for criada regularmente deve por seus membros, exercer os poderes e atribuições que lhe conferem, ater-se ao rito explícito, que é constituído de várias fases, sem deixar de lado o princípio da colegialidade e a norma da proporcionalidade partidária.
O Direito de Ser Ouvido
Pressupõe a publicidade do procedimento, a oportunidade de expressar suas razões antes da emissão do ato administrativo e também logo depois; consideração expressa de argumentos e das questões expostas, visando solução do caso; obrigação de decidir sobre os requerimentos e de fundamentar as decisões, além do direito de fazer-se representar por um advogado.
O Direito de Oferecer e Produzir a Prova a seu Favor
Compreende o direito a que toda prova razoavelmente proposta seja produzida, isto é, não negada, ainda que dependa da própria administração, que a produção da prova seja efetuada antes que se adote a decisão sobre o fundo da questão proposta e o direito de controlar e acompanhar esta produção de prova, seja pericial ou testemunhal, como também outra forma de manifestação do princípio da publicidade. Inafastável se faz, também, o princípio constitucional da motivação, já que a CPI tem poderes próprios da autoridade judicial. Ninguém portanto, pode ser julgado sem ser ouvido, tal como o princípio consagrado na Constituição Federal.
Vista dos Autos ao Advogado
Integra o preceito constitucional da amplitude de defesa o direito de vista dos autos da CPI municipal, requerida pelo procurador do sindicado, fora da repartição, ou seja, da Câmara Municipal. A Constituição Federal manda assegurar, também no procedimento administrativo, a ampla defesa, daí, tendo a defesa aspectos técnicos e científicos, cuja abordagem somente o profissional do direito tem domínio suficiente, não se admite que possa privar-se o advogado da prática de atos à realização da ampla defesa, como a vista dos autos fora da Câmara Municipal.
Tem-se negado, e com certa frequência, a vista dos autos parlamentares investigatórios a advogado sob a invocação de que se trata a CPI de inquérito e, em sendo inquérito, o postulado da bilateralidade e da instrução contraditória não tem aplicação. No entanto, conforme já salientado, é ilegítima tal negativa.
Prescreve o art. 7º da Lei 8.906 de 1994, o Estatuto da OAB, que dentre os vários direitos do advogado é o de ter vistas dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou ainda de retirá-los pelos prazos legais.
Assim sendo, também os autos da CPI, é direito do procurador ter-lhes vista fora da Câmara Municipal, conforme entendimento dos próprios tribunais:
Assegurado é ao advogado constituído por servidor indiciado em processo administrativo o direito de vista dos autos fora da repartição, quando presentes se façam quaisquer das exceções expressamente previstas no art. 89, XVI, e §2º, I a IV, da Lei 4.215.
Mandado de segurança é ação civil, ainda, quando impetrado contra ato de juiz criminal, praticado em processo penal. Aplica-se, em consequência ao recurso extraordinário interposto da decisão que o julga, o prazo estabelecido no Código de Processo Civil. Tempestividade reconhecida.
Advogado. Vista dos autos, fora de cartório, para oferecimento de razões finais. É direito assegurado pelo art. 89, XVII, do Estatuto (Lei 4.215/63), sendo-lhe inoponível o art. 501 do Código de Processo Penal.
O advogado tem, como prerrogativa profissional e em respeito ao princípio constitucional de ampla defesa, o direito de extrair xerocópia dos autos de processo administrativo. Aplicação das regras do art. 5º, LV, da Constituição da República e art. 89, XVII, da Lei n. 4.215/63. (CASTRO, 2010, p. 71)
As prerrogativas profissionais do advogado não podem ser desconhecidas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, pois da pessoa sindicada ou investigada não se pode afastar o direito à efetiva e permanente atuação do advogado, constituído para o nobre mister.
A medida judicial de resposta imediata ao cerceio do advogado em ter vistas ou em querer tirar cópias dos autos de CPI é o mandado de segurança, a ser impetrado pelo próprio advogado.
Por fim, é direito de o advogado examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da administração pública em geral, autos de processo findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos (art. 7º, XIII, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994), além de ter vista, na repartição, de procedimento administrativo.
Há, todavia, exceção a esses preceitos, como estabelece o §1º do art. 7º da Lei 8.906/94, a saber: aos processos sob regime de segredo de Justiça; quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou requerimento da parte interessada; até o encerramento do processo, ao advogado que houver deixado de devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer depois de intimado.
Por precaução, as CPIs municipais, não obstante deverem registrar em atas, em livro próprio, os principais atos seus, precisam trabalhar com autos suplementares. Não é comum, mas tem acontecido o sumiço na Câmara Municipal, por atitudes de pessoas inescrupulosas, de processos de cassação de mandato de Prefeito e Vereador, bem como de inquéritos investigatórios parlamentares. O envolvimento político que tais medidas albergam ultrapassa, às vezes, os limites da ponderabilidade e da seriedade desses procedimentos.
Produção de Provas
A teor do art. 2º da Lei 1.579/52, as Comissões Parlamentares de Inquérito municipais poderão determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de autoridades (salvo a do Prefeito e a do Vice); tomar depoimento de quaisquer autoridades; ouvir os indiciados; inquirir testemunhas sob compromisso; requisitar das repartições públicas, das autarquias, das fundações, das sociedades de economia mista e das empresas públicas municipais, informações e documentos; além de deslocar-se para os lugares onde se fizer necessária a sua presença, para a elucidação de irregularidades, no Município, pois que o raio de ação da CPI municipal é circunscrito aos interesses municipais.
Da literalidade da lei, não possuem as CPIs municipais (nem as federais, nem as estaduais) o poder de convocar Secretários municipais. Essas autoridades municipais comparecem à CPI para prestar informações acerca de assunto previamente determinado, depois que o Plenário da Câmara houver deliberado. Está inequivocamente dito na lei (art. 2º, Lei n. 1.579/52) que a CPI tem o direito de requerer a convocação, não lhe assegurando o poder de convocação das autoridades municipais. Tal requerimento é destinado ao Plenário da Câmara, visto que, nos termos do art. 50 da Constituição Federal, somente o Plenário, quer da Câmara dos Deputados, quer do Senado Federal, bem como qualquer de suas Comissões, pode convocar Ministro para prestar informações, pessoalmente, sobre assunto previamente determinado; segue- se que só é esse Plenário que pode exigir de Ministro informações por escrito sobre fato determinado, facilitando a tarefa de comparecimento.
Destarte, no plano municipal, como iterativamente aqui demonstrado (aplicação dos preceitos do art. 29, caput, CF, e do princípio da simetria com o centro), em atendimento também à disposição do art. 2º da Lei 1.579/52, as CPIs municipais só tem o direito de requerer as sobreditas convocações das autoridades municipais – apenas os Secretários ou assessores equivalentes –, não o poder de determinar-lhes o comparecimento.
Existe aqui um princípio que não é observado pelas CPIs municipais. É que elas diretamente já determinam, convocam os Secretários municipais, não observando as regras constitucionais e legais sobre a matéria. É, portanto, ilegítima, inconstitucional, a convocação de Secretários municipais ordenada por CPIs. Os Secretários municipais não são intimados pela CPI; essa, como se viu, solicita ao Plenário da Câmara a convocação do Secretário municipal para comparecer à CPI. Em caso de não atendimento do Plenário ao solicitado, nada resta à CPI fazer, pois há que se respeitar o princípio da colegiabilidade também. Não é incompatível, pois, com o item III, §2º, CF o art. 2º da Lei 1.579/52. É que a lei explicita o comando constitucional no raio de ação da CPI.
Enquanto titular de cargo público na Administração Pública Municipal (ex. Secretário, Diretor de Autarquia ou Fundação), o Vice-Prefeito não pode eximir-se às convocações e intimações de CPIs regularmente feitas para prestar esclarecimentos pertinentes aos trabalhos desenvolvidos por ele em sua pasta, como autoridade municipal, não como Vice. Negando-se a comparecer ou recusando-se a prestar informações, deve-se ouvir o Plenário da Câmara Municipal, determinando os pedidos de informações, sem prejuízo das sanções do art. 4º da Lei 1.579/52.
Tomada de Depoimentos
A CPI municipal pode solicitar o depoimento de qualquer autoridade municipal ou cidadão (art. 2º, Lei 1.579/52, e art. 58, V, c/c art. 29, caput, CF). É obrigatório o depoimento, tratando-se de autoridade, satisfeito o princípio da colegialidade. Na audiência, podem os demais membros da CPI inquirir as testemunhas, depois que o fizerem o Relator e o Presidente. Aos Vereadores que estiverem assistindo à tomada de depoimento, assiste-lhes o direito de inquirir as testemunhas, também depois dos membros da Comissão, aquiescendo o Presidente.
Na qualidade de testemunhas – e assim todas as testemunhas –, as autoridades municipais são obrigadas a comparecer, sendo intimadas, de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação penal (art. 3º, da Lei 1.579/52).
Em caso de faltas, repetidas ou não, ou algo que o valha, as testemunhas poderão ser conduzidas à presença das CPIs de forma coercitiva, através do Poder Judiciário. A CPI, por si só, não dispõe de poderes para determinar a condução coercitiva de testemunhas que, sem motivo justo, prostram-se faltosas ou recusam-se a comparecer. Assim, para a condução coercitiva, recorrer-se-á ao disposto no parágrafo único, art. 3º, da Lei 1.579/52, solicitando-se tal ao juízo criminal da localidade, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal.
Surge, então, dúvida a quem seria o titular a pedir ao Judiciário o comparecimento de testemunhas na CPI: a própria CPI ou a Câmara Municipal? Sendo a CPI longa manus da Câmara Municipal, estas não se configuram como órgãos distintos, daí considera-se melhor que o pedido ao juízo criminal para a condução coercitiva de testemunhas se faça através da Câmara Municipal, pelo seu Presidente.
O poder de investigar e, concomitantemente, o poder de punir são contemporâneos da própria instituição do Congresso. Essencial, portanto, ao exercício do poder parlamentar de investigar é a faculdade de intimar testemunhas e de promover medidas punitivas, caso haja falta e recalcitrância das mesmas testemunhas.
O professor Saulo Ramos afirma que a CPI “não pode usar de meios coercitivos senão quando autorizados em lei” (RAMOS, 1988, p. 177). Sobremais, não pratica crime o servidor público que se recusar a prestar informações sigilosas com base em expressa disposição legal.
Testemunha e Sigilo Profissional
Saulo Ramos, citando Moacyr Amaral Santos, leciona que a testemunha tem a tríplice obrigação jurídica de: comparecer, depor e dizer a verdade.
A testemunha, a quem incumbir respeito ao dever de sigilo, tem, inobstante essa circunstância, a obrigação de comparecer perante a CPI. Não poderá, contudo, ser constrangida a depor sobre os fatos dos quais, por situação profissional, deva guardar sigilo (Código de Processo Civil, art. 406, II; Código de Processo Penal, art. 207). (Nesse sentido: ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. 6. ed., Rio de Janeiro: Editora Rio, v. 3, p. 109-16. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1965, v. 2, p. 336, n. 490. PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, t. 4, p. 585-586. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil comentado, v. 1, anot. Ao art. 144).
O dever de respeitar o sigilo profissional se impõe à testemunha, em qualquer circunstância a que compareça, como um inafastável princípio de ordem pública. De qualquer modo, porém, tal testemunha, em hora exonerada ministerio legis do dever de depor, não está dispensada, quando regularmente convocada, da obrigação de comparecer perante a CPI. Nesse sentido: (...) A circunstância de ser a testemunha funcionário público e de só conhecer os fatos objetos da investigação parlamentar em razão da função exercida não a exime de comparecer para depor, assistindo-lhe o direito de calar sobre os fatos que possam constituir segredo funcional; mas essa escusa não autoriza o Juiz, apenas por presunção quanto ao teor das perguntas a serem feitas, a negar sua apresentação perante a Comissão. (CASTRO, 2010, p. 76)
Não raras vezes, porque assessoram Prefeito, advogados são intimados a comparecer à CPI municipal para depor como testemunhas. Consoante o art. 7º, XIX, da Lei n. 8.906/94, o sigilo profissional é definido como o dever do advogado, decorrendo-lhe o direito previsto na lei de recusar-se a depor.
É a mesma disposição no art. 406, III, do Código de Processo Civil. É o advogado impedido de depor (art. 405, § 2º, III, do CPC), mas, sendo estritamente necessário, o juiz poderá determinar o depoimento das pessoas impedidas de depor (CPC, art. 405, § 4º). Nesse caso, poderá o advogado, previamente dispensado do sigilo profissional, depor sem qualquer restrição? A resposta é negativa.
É a regra também do art. 207 do Código de Processo Penal.
Decidiu o Supremo Tribunal Federal que pode e deve o advogado recusar-se a comparecer e a depor como testemunha, em investigação relacionada com a alegada falsidade de documentos provenientes de seu constituinte, que juntou em autos judiciais, mas tal prerrogativa não o exime de esclarecer o que em representação por ele feita é obscuro ou omisso, colaborando com o trabalho policial.
Para Brossard, é inconsistente a alegação segundo a qual, tendo o advogado tomado conhecimento de alguns dos fatos investigados nesta qualidade de procurador, julga-se o mesmo com o direito e o dever de não revelá-los, eximindo-se de prestar depoimento. Não sabe nem pode saber quais as perguntas que lhe serão formuladas. E anunciando que de alguns fatos veio a saber como advogado, pode ter conhecimento de outros, a respeito dos quais não lhe favorece o sigilo profissional. (BROSSARD, 1983)
A essencialidade do advogado, que é, além de indispensável à administração da Justiça, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, dentro dos limites da lei (art. 133 da Constituição Federal), só terá a dimensão que lhe empresta a Constituição Federal com o direito de, em determinados casos, recusar-se a comparecer, por motivo justificado, à CPI e, comparecendo, abster-se de falar a respeito daquilo que se insere dentro do sigilo profissional.
Verificam-se, por vezes, hipóteses constrangedoras a advogado que, comparecendo à CPI a título de respeito à Câmara Municipal e havendo declinado sigilo profissional, é quase compelido a responder perguntas de Relator ou Presidente de CPI e até mesmo é compelido a sujeitar-se a ouvir das autoridades parlamentares investigadoras imprecações e aleivosias referentes a seu ou a seus constituintes, Prefeito ou ex-Prefeito.
Ocorrendo a hipótese, deve o advogado abandonar a audiência, protestando pelo respeito à indevassabilidade do segredo profissional e pela inviolabilidade de seus atos e manifestações profissionais.
A intimação do advogado pela CPI para prestar depoimento não representa, diz o Supremo Tribunal Federal, violência ao disposto no art. 133 da Constituição, nem ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n. 8.906/94, bem como os artigos 406 do Código de Processo Civil, 154 do Código Penal e 207 do Código de Processo Penal.
Assim, se for o caso, o advogado, então intimado para prestar esclarecimentos, perante a CPI, poderá valer-se do Judiciário, para a proteção dos direitos decorrentes de seu status profissional. Não poderá, porém, o advogado eximir-se de depor sobre fatos estranhos ao exercício de sua profissão.
Está assentado no Supremo Tribunal Federal que, embora a proclamação constitucional (art. 133 da Constituição Federal) da inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduza significativa garantia do exercício pleno dos seus relevantes encargos, não se reveste de valor absoluto essa imunidade, como cláusula assecuratória de especial prerrogativa jurídico-constitucional expressamente submetida à lei.
Aliás, nada no mundo jurídico é absoluto, como no mundo dos seres também.
Quanto ao papel do advogado na CPI, assevera-se a necessidade de atos intimatórios (notificações ou quaisquer medidas da marca investigatória) serem feitos diretamente a ele, e não ao sindicado, apenas.
É que a defesa técnica está entregue ao advogado, constituído nos autos. Assim, não terão validade notificações e intimações de atos de CPI ao investigado ou indiciado, se constituído nos autos, deles o advogado não tomara conhecimento oficial. À CPI, não cuidando de intimar o advogado dos atos procedimentais, não socorre a presunção de que o sindicado – que foi intimado – fez chegar a seu defensor a ciência desse ato. A defesa técnica, para ser exercida devida e validamente, exige a intimação ou notificação pessoal do advogado, podendo ser afastada a do sindicado ou indiciado.
Autoridades Estaduais e/ou Federais de Órgãos Sediados no Município
A CPI municipal não tem o poder de determinar, compulsoriamente, o comparecimento de autoridades ou de servidores que não sejam municipais. É o seu raio de ação.
Mas, por outro lado, se houver implicações nas relações de servidores estaduais e/ou federais com os fatos submetidos à apuração da CPI, pode a CPI municipal requerer que sejam esses funcionários intimados a prestar esclarecimentos a ela, CPI. De acordo com o Ministro Celso de Mello, “nenhuma instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluída da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade”. (CASTRO, 2010, p. 79)
Destarte, quando uma CPI municipal investiga fatos determinados, que envolvem na relação com órgãos municipais, sindicados, servidores estaduais e/ou federais situados no Município, afastar a possibilidade de ouvir esses servidores seria negar à CPI instrumental necessário à consecução de seus objetivos, circunstância essa que o Constituinte não admitira e que a moldura constitucional e infraconstitucional de investigação do Legislativo não agasalha.
Nestes termos, Castro cita Mello:
O Poder Legislativo, ao desempenhar a sua tríplice função – a de representar o povo, a de formular a legislação da República e a de controlar as instâncias governamentais de poder – jamais poderá ser acoimado de transgressor da ordem constitucional, desde que, ao exercer a competência institucional que lhe foi outorgada, respeite os limites materiais e observe as exigências formais impostas pela Carta Política. (CASTRO, 2010, p. 80)
Em Municípios, por exemplo, há concessionária municipal de água e esgoto, empresa estadual, assim como de energia elétrica, com estabelecimentos, escritórios e servidores nos Municípios. Ocorrendo a conexão do objeto determinado da investigação parlamentar com atos desses servidores estaduais, não há como se recusar a prestar depoimento e ou a prestar informações ou esclarecimentos à CPI, sob as penas da lei.
Nesse sentido de direção reflexiva, pode e deve, uma CPI municipal, requerer informações ao membro do Ministério Público na Comarca, assim como requerer sua intimação para prestar depoimento. Pode e deve, ocorrendo a necessidade, porque a ação da CPI objetiva assuntos de investigação municipal, que envolve a atuação do promotor na comunidade local, com a pertinência aos atos municipais sob investigação. Ainda mais hoje, quando membros do Ministério Público decidem pelas políticas públicas municipais, numa verdadeira usurpação de funções do Prefeito e até da Câmara Municipal.
Não significa a hipótese de requerer a intimação de promotor que sua atividade na Comarca esteja excluída do âmbito de incidência da investigação parlamentar, na medida em que os fatos e atos de sua atuação estejam ligados intimamente com o objeto da CPI, que é o principal. Feita a conexão dos atos sob investigação, é desfeita a exclusão pessoal do promotor do raio de ação e de convergência do poder investigatório parlamentar.
Como exemplo, tome uma Câmara Municipal que criou um CPI para apurar determinadas irregularidades na fundação municipal de saúde, entidade de direito privado, com sede no Município. Durante as investigações contatou-se que houve omissão do curador da fundação, que é o promotor de justiça, a tal ponto de a ausência dessa fiscalização ministerial haver ensejado danos à coletividade local. Não há, neste caso, como deixar de pedir-lhe explicações assim como ouvir o promotor de justiça, cujo depoimento se revelará importante para o sucesso das investigações.
Eventual alegação de que a apuração da CPI se atém pertinente às suas atribuições ministerial de curador de fundações não poderá inibir ou aniquilar essa parte da investigação que interessa à coletividade, e que está a cargo do Poder Legislativo, detentor de meios para apuração na forma da Constituição. Seria negar poderes ao Legislativo, na constituição de órgão parlamentar essencial e imprescindível à democracia e à República.
Outras vezes, com base em dados colhidos no curso da CPI municipal, como em depoimentos das testemunhas, em investigação, por exemplo, sobre atos de Conselho Tutelar ou de Conselho Municipal de Meio Ambiente, ou sobre celebração, execução e cumprimento de Termos de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público e órgãos municipais, referiu-se à atuação do membro Ministério Público local, cujos esclarecimentos se tornam imprescindíveis às mesmas investigações parlamentares. Não há de se deixar de requerer a intimação do promotor para esclarecimento da verdade dos fatos. Impõe-se que ele seja ouvido; a CPI não estaria investigando sua atuação, mas, sim, fatos de interesse da comunidade local que não poderiam ficar sem esclarecimentos do promotor.
A CPI restringe-se à ação investigatória predeterminada, não à responsabilização do agente público na Comarca. Afigura-se aqui, mais uma vez, oportuna a afirmação do Ministro Celso de Mello: “Nenhuma instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluída da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade”. (CASTRO, 2010, p. 82)
Ora, porque ninguém, nem a instituição pode pretender-se excluídos da crítica social e do alcance da fiscalização da coletividade e em nome da coletividade, como os agentes públicos, sem exceção, em lhes sendo necessário e imprescindível que prestem esclarecimentos ou que deponham perante a CPI Municipal, sua recusa a fazê-lo importa no cometimento da infração prevista no art. 4º da Lei 1.579/52.
Não se concebe a República brasileira como apenas de algumas instituições ou de órgãos públicos, mas de toda a coletividade. E o querer da coletividade não admite imunidade absoluta. É que a sociedade atual, na pós-modernidade estatal, relativiza os controles e relativiza a imunidade de atuação de quem está a serviço do povo, não a serviço do povo, não a serviço da instituição a que pertence, numa feição corporativista que desserviria a democracia e a República, que não possui classes nem nobreza.
Inexiste blindagem de servidores públicos na função pública, notadamente daqueles que exercem função de controle institucionalizado, como integrantes de órgão autônomo, como é o Ministério Público, não soberano, não membro de Poder. É que as Comissões Parlamentares de Inquérito são instrumentos vitais à atuação do Poder Legislativo, motivo por que não se pode romper nem reduzir-lhe a importância ou poder de investigar, conforme moldura constitucional.
Cogita-se de ação de membros do Poder, não de membros de órgão público. A mesma lógica da abertura imprescindível de oitiva de advogado, como testemunha, conforme já visto, perante a CPI, milita a favor da CPI para ouvir o promotor e/ou lhe pedir esclarecimentos.
Tanto o Ministério Público quanto a advocacia exercem funções essenciais à Justiça e se encontram na arquitetura constitucional no mesmo pé de igualdade. Portanto, a recusa seria ilegal.
Ainda, o Ministério Público é o destinatário das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, no plano penal e de ilícito civil. Mas tal circunstância não pode servir de blindagem para promotor não prestar esclarecimento à CPI, e tampouco ser por ela ouvido, na medida em que essa providência se revela indispensável à garantia das investigações parlamentares.
Inequivocamente, há que ser exprobrado todo e qualquer argumento, muito utilizado por quem não disfarça o corporativismo típico das burocracias não eleitas para escusar-se a atender a pedidos de CPI. É que coarctar, por esse motivo, medida necessária da CPI representa perigosa deformação da ordem jurídica, mesmo porque, como é sabido e ressabido nos meios jurídicos, frequentemente as burocracias encarregadas de acusar, de punir, de prender e de cobrar impostos têm escapado aos controles democráticos, confundindo independência e autonomia com soberania.
As escaramuças de abuso de poder não se substituem às prerrogativas que pertencem exclusivamente aos escolhidos pelo voto popular. E o diálogo democrático, travado entre a CPI e a comunidade, não pode ser inibido por eventual recusa de promotor ao servir à CPI, que serve nesses termos e moldura constitucional.
Nessa contextualização, vê-se que o Supremo Tribunal Federal (ADI 1.001 – Rel. Min. Carlos Velloso) declarou constitucional norma da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que prevê a possibilidade de requerimento e informações, pelas Câmaras Municipais, a órgãos da administração estadual situados no Município.
Evidentemente, as Câmaras Municipais, órgão do Poder Legislativo municipal, possuem funções inerentes a esse Poder, como as de representar, de legislar e de fiscalizar, no âmbito evidentemente do Município. Assim, na sua missão constitucional de fiscalizar e de controlar, é-lhe assegurado o poder-dever de requerer informações aos órgãos ou entes da administração estadual e/ou federal situados no Município, assim como requerer, além de informações, a promotor de justiça na Comarca, a sua intimação para depor perante CPI, que investiga fatos determinados, que têm vinculação e repercussão direta ou reflexa com sua atuação local.
Não pudesse fazê-lo, a CPI perderia seu nítido caráter instrumental, hipótese em que se negaria a força desse extraordinário meio de controle e de fiscalização na sociedade, plasmado constitucionalmente.
Rememore-se que frustrar os trabalhos da CPI constitui crime definido na Lei n. 1.579 de 1952.
Não perca a continuação deste artigo: A Comissão Parlamentar de Inquérito no Âmbito Municipal - Parte 3