A análise dos requisitos constitucionais para a criação das Comissões Parlamentares de Inquérito, a intenção do Legislador Originário ao estabelece-los foi garantir que os princípios da ordem política fossem observados tanto no momento de criação, quanto no curso da investigação parlamentar. Porém, o que se nota em casos concretos é que os próprios requisitos e mandamentos constitucionais são utilizados para favorecer a prática manobras de cunho estritamente político, com o objetivo único de impedir ou protelar o exercício do direito de investigar atribuído às minorias, necessitando portanto que, para que haja a possibilidade de efetivação de tal direito e consequentemente o respeito a norma constitucional, não raras às vezes, seja preciso um controle jurisdicional, controle este que muitas das vezes não se realiza em tempo hábil e acaba por inviabilizar a investigação.
Neste sentido, faz-se necessário a análise de pelo menos um caso concreto que se tornou de grande relevância no cenário nacional, tanto pela repercussão das decisões judiciais que o envolveu, quanto pelo enorme assédio midiático em torno do andamento dos trabalhos e não menos pelo desfecho polêmico dado ao caso. Porém, antes de iniciar a análise específica da CPI selecionada, julga-se necessário uma breve explanação acerca da criação, instalação e rotina de trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Em linha de princípio, as rotinas de trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito podem-se dizer semelhantes, sejam na esfera federal, estadual ou municipal.
Iniciam-se com a apresentação do requerimento assinado por no mínimo um terço dos membros da Casa Legislativa, solicitando sua instalação.
Posteriormente procede-se, pela Presidência da Casa, a análise do preenchimento dos demais requisitos constitucionais, dos quais já tratamos no Capítulo IV deste trabalho, quais sejam: o fato determinado, que corresponde ao objeto das investigações e o prazo certo de duração dos trabalhos; e dos requisitos regimentais, que são o âmbito de competência e o número de parlamentares que deverão compor a CPI. Após tal feito, efetua-se a leitura do requerimento de propositura no plenário e a faz-se a correspondente publicação.
Resta ainda esclarecer que, após o preenchimento de todos os requisitos para a criação, a instalação da CPI é automática, não necessitando de qualquer apreciação ou deliberação pelo Plenário.
Sabe-se, que até a publicação, momento que põe fim à etapa de criação da CPI, o maior embate político que se dá entre os parlamentares é ao tempo da coleta das assinaturas, uma vez que o artigo 244 do Regimento Interno do Senado Federal, que é aplicado subsidiariamente ao Congresso Nacional, permite que sejam retiradas as assinaturas mesmo após a leitura do requerimento e até o momento da publicação da proposição.
Sendo assim, inicia-se uma enorme disputa político- parlamentar: aqueles parlamentares adeptos da criação da CPI empenham-se em divulgar a proposta para obter o maior número possível de apoio e adesões, por outro lado, os que se opõem a investigação atuam com o propósito de impedi-la. Assim, ocorrem os “movimentos de última hora” para a colocação e retirada de assinaturas.
Conforme bem observa o autor Marcos Evandro Cardoso Santi,essa troca repentina de opinião dos parlamentares, expõe negativamente a credibilidade do Congresso Nacional perante toda a sociedade. Os cidadãos não aceitam tão facilmente a idéia de que um congressista tenha colocado sua assinatura em documento oficial do Poder Legislativo, e depois em tão pouco tempo a tenha retirado, e, além disso, sempre surgem dúvidas acerca dos métodos empregados para fazer com que os representantes eleitos venham a mudar de posição em poucas horas.
Dando continuidade à instalação da CPI, após a publicação do requerimento, com a qual a CPI passa a ser um ato jurídico perfeito, é feito a distribuição das vagas na comissão, com vistas ao artigo 58§1º da Constituição Federal que determina:
Art. 58, parágrafo 1º. Na constituição das Mesas e de cada comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos políticos ou dos blocos parlamentares de participam da respectiva casa.
Cabe salientar, que o legislador constitucional não delimitou a quantidade numérica de parlamentares que poderão compor a CPI, tal lacuna foi suprida na legislação infraconstitucional, conforme a Lei nº 1.579/52. Sendo assim, a escolha dos parlamentares que tomarão assento na comissão proposta ficará a cargo dos respectivos regimentos internos das Casas Legislativas.
De acordo com pertinente lição do autor Edson Brozoza, em regra, o número de parlamentares a compor uma CPI geralmente se apoia na necessidade ou na complexidade da investigação, fatores estes analisados quase sempre pelo próprio proponente.
Depois de determinado o número de parlamentares a compor a CPI, as indicações devem ser feitas com observância à representação proporcional. Tal critério visa segundo Alexandre Issa Kimura, a assegurar o máximo possível de imparcialidade na condução dos trabalhos investigativos, e não só isso, com tal previsão o legislador pretendeu certificar, a vontade social manifestada no último pleito eleitoral.
Conforme leciona o doutrinador Nelson de Souza Sampaio, a expressão “representação proporcional” tem o sentido plenamente definido na linguagem político-jurídica. Significa dizer que os partidos que obtiveram, uma ou mais vezes, o quociente eleitoral, ganhariam a proporcional representação nas bancadas das comissões legislativas. Sendo assim, as CPIs deveriam ser compostas de, pelo menos, tantos quanto fossem os partidos representados na respectiva Casa do Congresso Nacional. Cabe, porém, salientar, que se a representação fosse de tanto para tanto, chegar-se-ia ao efeito de surgir uma real desproporcionalidade, pois um partido que contasse com apenas um ou dois parlamentares, por exemplo, teria a mesma força que um partido de notável representação política.
Salienta ainda o mesmo autor, que tal determinação seria inviável na prática, pois “teria de se exigir deles [os parlamentares], além de sobre-humana capacidade de trabalho, o dom da ubiqüidade. Sem tais atributos, o direito de figurar em todas as comissões não passaria de um luxo para as bancadas de semelhante dimensão”.
O artigo 27 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece de forma clara o procedimento a ser seguido para a distribuição do número de integrantes na CPI. Assim dispõe a norma:
Art. 27. A representação numérica das bancadas em cada Comissão será estabelecida com a divisão do número de membros do Partido ou Bloco Parlamentar (...) pelo quociente resultante da divisão do número de membros da Câmara pelo número de membros da Comissão; o inteiro do quociente assim obtido, denominado quociente partidário, representará o número de lugares a que o Partido ou Bloco Parlamentar poderá concorrer na Comissão.
Verifica-se, porém, que a expressão “tanto quanto possível” da tal regra de proporcionalidade um caráter relativo, permitindo que em determinadas situações os interessados adotem orientação diversa.
Neste sentido, está à determinação dos artigos 23 e artigo 33, § 2º do mesmo diploma legal, garantindo que os partidos minoritários, ainda que pela regra de proporcionalidade não lhes seja atribuído, tenham direito a participação nas Comissões Parlamentares de Inquérito, in verbis:
Art. 23. Na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar.
Art. 33. As Comissões Temporárias são:
[...]
§2º Na constituição das Comissões Temporárias observar-se-á o rodízio entre as bancadas não contempladas, de tal forma que todos, os Partidos ou Blocos Parlamentares possam fazer-se representar.
Tal regramento cuida, em suma, do abrandamento do princípio da proporcionalidade, uma vez que garante a inclusão na composição da CPI, de ao menos, um representante da minoria, ainda que a proporcionalidade não ofereça a representação. Verifica-se de tal modo, que a referida cláusula é nada menos que a concretização dos princípios do Estado Democrático de Direito e do Pluralismo Político, já que ao garantir a participação da minoria na investigação parlamentar, consagrou apoio à luta de abolir qualquer forma de absolutismo da maioria sobre e a minoria e confere aos trabalhos a colaboração de parlamentares com pensamentos e objetivos políticos diversos, o que aos olhos dos cidadãos, significa maior representatividade e legitimidade das investigações.
Imediatamente após a publicação da matéria, é solicitado às lideranças partidárias que indiquem os nomes daqueles parlamentares que irão ocupar as vagas existentes. Assim, estando com as indicações em mãos, o Presidente da Casa as referenda e manda publicar, juntamente com a resolução, já enumerada, criando o órgão sindicante.
Neste ínterim, uma vez constituída a CPI, os parlamentares integrantes, logo após a prévia convocação devidamente publicada, reúnem-se com o objetivo de eleger o Presidente, Vice-Presidente e designar os relatores. Em ato contínuo, fazem uma segunda reunião, com o objetivo precípuo de ouvir o autor do requerimento, a fim de que sejam conhecidos, de maneira detalhada, os motivos do pedido de instalação do inquérito parlamentar.
Posteriormente, o relator apresentará o roteiro de trabalhos a ser seguido pela Comissão, que poderá sofrer modificações tendo em vista deliberações feitas pelos parlamentares. Nesta mesma oportunidade, baseando-se neste roteiro, iniciam-se os trabalhos de investigação.
Futuramente, após o término das investigações, deverá ser elaborado um relatório contendo todo o processo, do qual deverá constar: “a Constituição e finalidade da Comissão, a composição, o prazo e uma síntese de todos os trabalhos realizados. (...) deverão estar indicadas as testemunhas ouvidas, as arroladas, e que não chegaram a depor, o roteiro dos trabalhos, as viagens realizadas, a sinopse das reuniões, os ofícios, os telegramas, e os telex expedidos, a documentação recebida e anexada aos autos, o pronunciamento do Plenário a respeito da matéria objeto das investigações e a íntegra dos depoimentos tomados, apresentadas as conclusões pelo relator”.
Terminado o relatório, realiza-se a consequente votação e redige-se, se for o caso, o projeto de resolução. Mandada à publicação, a propositura é incluída na Ordem do Dia, e se aprovada, providencia-se a remessa do relatório a fim de que sejam tomadas as devidas providências.
Visto em linhas gerais como se desenvolve o trabalho de investigação realizado pelo poder legislativo, pode-se finalmente partir a análise do caso concreto.
A CPI dos Bancos
A CPI dos Bancos aconteceu em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que naquela época já demonstrava um traço bem marcante em sua política: a contrariedade em relação à criação de CPIs para investigar áreas estratégicas do Executivo. Foi um fato inédito, pois pela primeira vez uma das Casas do Congresso Nacional arquivou uma CPI já criada e instalada, antes de concluídos os trabalhos.
O caso iniciou-se com a leitura do Requerimento de nº 198, pelo Senador Antônio Carlos Valadares, no qual pedia que fosse apurada a responsabilidade civil e criminal de agentes públicos e privados ligados Sistema Financeiro Nacional e cujos bancos tenham sido atingidos por intervenção ou colocados em regimes de administração especial, que, conforme divulgado pela imprensa, estariam envolvidos em atividades ilícitas relacionadas a empréstimos, feitura de balancetes fictícios e remessa ilegal de moeda para o exterior, causando enorme prejuízo à União, especialmente ao Banco Central do Brasil.
Na opinião do Senador, o depoimento dado por Gustavo Loyola, presidente do Banco Central, perante a Comissão de Assuntos Econômicos, não fora suficiente para esclarecer alguns fatos relacionados ao Proer – Programa de Estímulo à Reestrutura e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, principalmente aqueles que se relacionavam com fraudes e irregularidades envolvendo o Banco Nacional e sua posterior incorporação ao Unibanco, uma vez que, em determinados momentos o Presidente do Banco Central se negou a falar, alegando que as informações estariam protegidas por sigilo bancário. Porém, para o Senador Valadares e os demais que o apoiaram, não haveria justificativa para que somente o Banco Nacional houvesse, até aquele momento, houvesse sido favorecido pela política do Proer, e as visíveis diferenças de tratamento desse caso, se comparado ao Banco Econômico que não havia conseguido concluir sua incorporação ao Banco Excel. Tal motivo justificaria, portanto, a criação de uma CPI.
Após a leitura do requerimento e justificações orais por diversos senadores, a bancada de apoio ao governo não expressou nenhum impedimento para a criação da CPI, o que permitiu sua publicação, finalizando assim um “ato jurídico perfeito”.
Tal atitude da bancada de apoio ao governo não causou surpresa aos integrantes da bancada de oposição, estava previsto que a tática governista seria a mesma utilizada na CPI dos Corruptores, qual seja: a não indicação dos membros para compor a CPI. As lideranças do governo raciocinaram que não indicando os membros para integrar a CPI, esta não poderia se instalar e funcionar, já que, à época, ainda prevalecia o entendimento de que, para tanto, todos os partidos precisavam preencher suas vagas. Além disso, também vigorava a interpretação de que o Presidente da Casa não dispunha de competência para suprir a omissão, indicando ele mesmo os integrantes da comissão.
Porém, os partidos PMDB e o PPB, preencheram as vagas, passando a CPI ser integrada por sete membros, do total de treze vagas, e junto a isso o PMDB atuou junto a Mesa, para que o entendimento fosse modificado, passando-se desde então a se exigir somente a indicação para a maioria absoluta das vagas, já que a não indicação de membros pelos partidos governistas impedia solenemente que a investigação fosse realizada pela oposição.
Depois de transcorrido duas semanas da criação da CPI, no momento que foram lidas as indicações do PMDB e do PPB, os governistas foram obrigados a abandonar a tática de não indicar nomes, uma vez que, com a alteração do entendimento esta perdeu a razão de ser, mas por meio do Senador Hugo Napoleão, membro da liderança do PFL, impugnaram a criação da CPI atrás de outros meios, utilizou-se para isso uma questão de ordem.
Uma das alegações do Líder do PFL foi com relação ao requisito constitucional “fato determinado”, em seu entendimento, tal requisito não havia sido cumprido adequadamente. Outro ponto também atacado por ele foi a inobservância de uma determinação constante do artigo 145§1º, do Regimento Interno do Senado, qual seja, a previsão do limite de despesas com os trabalhos da CPI.
Em contradita, o Senador Jader Barbalho, membro da liderança do PMDB, atacou como primeira preliminar a própria apreciação da questão de ordem pelo Plenário, sob o argumento de que submeter um requerimento que preencha todos os requisitos à apreciação da maioria é o mesmo que revogar o dispositivo constitucional de criação automática da CPI. Em seguida, com relação ao “fato determinado”, procurou demonstrar que, pelo histórico das CPIs, certa generalização sempre foi aceita nos requerimentos de criação, mas de toda forma, apontou os fatos concretos a serem investigados e por fim ressaltou que, qualquer ação política a fim de atacar os requisitos da criação de qualquer CPI deve ser arguido antes da instalação, sendo por isso a manifestação da questão de ordem intempestiva, tal argumento incorporou a segunda preliminar.
Após isso, o Senador José Sarney, Presidente do Senado à época, não apreciou as preliminares argüidas pelo Senador Jader Barbalho, nem as questões de Fato, bem como as questões de Direito suscitadas pelo Senador Hugo Napoleão, sob o argumento de que tais atribuições da Mesa tinham se esgotado no momento da leitura das indicações dos parlamentares para instalação da CPI. Sendo assim, conheceu a questão de ordem para posteriormente julgá-la improcedente e indeferir o pedido de arquivamento.
A bancada da oposição, se sentindo beneficiada com a decisão não recorreu, mas poderia tê-lo feito para impugnar o conhecimento da questão de ordem, pedindo que a mesma fosse considerada intempestiva. Já a bancada governista, viu no conhecimento da questão de ordem uma grande possibilidade de atuação a seu favor, mesmo que indeferida, abriu a possibilidade de se recorrer para o Plenário em face do despacho do Presidente. E assim o fizeram, os partidos de apoio ao então Presidente Fernando Henrique Cardoso, apresentaram o recurso ao Plenário, com base no artigo 405 do Regimento Interno do Senado Federal.
O Senador José Sarney, acolheu o recurso, mas antes de submetê-lo ao Pleno, encaminhou à CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por se tratar de matéria de natureza Constitucional. Neste mesmo dia o Presidente Fernando Henrique fez um pronunciamento à Nação, no qual se posicionava favorável ao Proer e agindo assim demonstrou-se à favor também do arquivamento da referida CPI.
Sendo assim, dois dias após a interposição do recurso, três acontecimentos movimentavam o Senado: a reunião da CCJ, que acabou por decidir pelo provimento do recurso, por treze votos da bancada governista contra nove da bancada oposicionista; a reunião da CPI, que a fim de neutralizar a decisão da CCJ e contando com os parlamentares já indicados, instalaram a comissão e elegeram como Presidente o Senador Esperidião Amin; e a sessão do Senado, que destinava-se a votação do recurso.
Na sessão Plenária do Senado, o Senador Eduardo Suplicy, alegou no início dos trabalhos que o recurso já estava defasado, uma vez que já se realizara o “ato jurídico perfeito” de instalação da CPI, porém, o Presidente José Sarney, não acolheu a argumentação e decidiu dar continuidade a deliberação. Realizada a votação do parecer da CCJ, o mesmo foi ratificado pelo Pleno por quarenta e oito votos a vinte e quatro, mais uma vez ficando caracterizada a partidarização da votação e apoio a bancada governista.
Desta feita, a CPI dos Bancos foi extinta, arquivando-se o requerimento que lhe deu origem.
Porém, alguns dos autores do requerimento inconformados com tal desfecho, ajuizaram perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o Mandado de Segurança nº 22.494-1/DF, sob o argumento de que a Comissão já houvera sido criada e a maioria de seus membros designados e que somente na sessão em que foram apontados os representantes do PMDB e do PPB é que sobreveio a questão de ordem para arquivar o requerimento. Segundo tais autores, a criação da CPI já havia se caracterizado como um ato jurídico perfeito, gerando, portanto, o direito líquido e certo de investigar, e por tal motivo deveria ser considerada totalmente intempestiva a questão de ordem que resultou no arquivamento do requerimento.
Já com vistas ao fato determinado, buscaram os autores da ação demonstrar que o requerimento atendia o requisito constitucional e que o posicionamento adotado pela CCJ propunha que fosse feita uma particularização e individualização do fato, o que não condiz com o objetivo da CPI.
Por fim, com relação à argüição de descumprimento do requisito que determina previsão do limite das despesas, argumentaram os autores, que o mesmo trata-se de um requisito meramente regimental, sendo por isso uma formalidade acessória, que não tem, portanto, o condão de motivar a nulidade de um requerimento, muito menos porque nenhuma CPI criada no Senado Federal, após a Constituição de 1988, fez esta indicação em seu requerimento e nem por isso deixaram de ser instaladas.
O relator do caso, Ministro Maurício Corrêa, indeferiu o pedido de liminar.
No julgamento do mérito, o relator e os demais Ministros que compunham o Plenário, simplesmente se abdicaram de fazer qualquer pronunciamento acerca da intempestividade da questão de ordem alegada pelos impetrantes. Caso tivesse sido examinada preliminarmente, poderia o STF, com base nesse argumento, ter prejudicado a discussão sobre os demais aspectos, mas como já foi dito, tal fato não ocorreu.
O relator do caso suscitou outra preliminar, segundo ele, o Mandado de Segurança atacava um só ato com dois argumentos, um de ordem constitucional, qual seja, o fato determinado, e o segundo de ordem regimental, o limite de despesas. Por assim ser, e por considerar o fundamento regimental matéria interna corporis, propôs o não conhecimento da ação e a conseqüente aplicação da Súmula nº 283 do STF, sob o argumento de que mesmo apreciada a matéria constitucional, esta seria prejudicada em razão da aplicação da doutrina dos atos interna corporis que fundamentava a discussão acerca da limitação de despesas.
O Ministro Celso de Mello, porém, pediu vistas e abriu divergência e considerou que o Ministro Maurício Corrêa, valorizou um aspecto totalmente secundário da questão e que por isso reduziu a controvérsia constitucional. Em suas palavras:
(...) questões como a alegada ausência de menção [no requerimento] ao limite das despesas a serem realizadas pela CPI (...) destinam-se, na realidade, a criar, de maneira bastante conveniente aos interesses políticos do bloco hegemônico existente no Congresso Nacional, uma falsa situação vocacionada a frustrar a possibilidade de controle jurisdicional(...)
Ainda referente ao posicionamento do Ministro Celso de Mello, este afirmou que o poder constitucional de fiscalização é uma prerrogativa assegurada às minorias parlamentares e reforçando a natureza constitucional da controvérsia, assinalou que não há regime democrático sem oposição e recorrendo a doutrina de Pinto Ferreira, citou uma passagem de Stuart Mill:
A falsa democracia é só a representação da maioria. A verdadeira é representação de todos, inclusive das minorias. A sua peculiar e verdadeira essência há de ser, destarte, um compromisso constante entre maioria e minoria.
Celso de Mello refutou ainda a aplicação da doutrina dos atos interna corporis de uma maneira tão ampla, mesmo sendo o posicionamento que vigorava nas decisões pretéritas do STF para a análise dos dispositivos dos Regimentos Internos das Casas Legislativas. Neste sentido defendeu o controle judicial de regras inscritas em regimentos, pois “a exegese abusiva da Constituição e do Regimento Interno – este, naqueles pontos que não permitem qualquer margem de discrição aos corpos legislativos – não pode ser tolerada”.
Posteriormente ao voto do Ministro Celso de Mello, o relator Maurício Corrêa, argumentou que não havia colocado de maneira secundária a questão constitucional, contudo ratificou seu voto no sentido de que a existência de uma questão regimental (limite de despesas), ao lado de outra constitucional (fato determinado), tornaria inócua a apreciação desta, já que segundo ele o STF não poderia impugnar o fundamento de natureza regimental, de natureza interna corporis.
Na mesma linha de argumentação do Ministro Celso de Mello, manifestou-se o Ministro Marco Aurélio, questionado a demasiada valorização que costumava-se dar pela maioria dos Ministros do STF às regras regimentais. Nas suas palavras:
Ora, o Regimento Interno condiciona o alcance do preceito constitucional? É possível a inversão de valores? É possível potencializar o Regimento Interno da Casa colocando-se em plano secundário o objetivo maior do § 3º do art.58? A prerrogativa não é assegurada à minoria, uma vez que a maioria tudo pode? Não, Senhor Presidente. Não posso, reafirmo, potencializar o Regimento Interno, potencializar o que vejo, de forma desassombrada, como um simples pretexto, a inexistência de recursos, e simplesmente dizer ineficácia do que se contém no §3 do art. 58 da Constituição Federal.
Também os Ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão e Néri da Silveira acompanharam o posicionamento dos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Entretanto, com os votos do relator e dos Ministros Moreira Alves, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Francisco Rezek e Carlos Velloso, prevaleceu a tese de que o dispositivo regimental impediria a apreciação da matéria em seu conjunto, por tal razão o Supremo Tribunal Federal não conheceu do Mandado e aplicou a Súmula nº 283 do STF, concluindo o julgamento em 19 de dezembro de 1996.
Do ponto de vista político, a decisão do STF combinou exatamente com a pretensão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma vez que, impedida a criação da CPI, ficaram protegidas de qualquer investigação, e consequentemente de qualquer escândalo, as estranhas operações realizadas em socorro aos Bancos Nacional e Econômico, efetuadas pelo Proer.
Visto isso, faz-se importante ressaltar que a mesma tática de não indicação dos membros para compor a CPI foi utilizada posteriormente em outros casos como, por exemplo, na CPI dos Bingos em 2004. Porém, após o julgamento do Mandado de Segurança nº 24.831-9/DF, o STF se empenhou em colocar fim nessa prática, uma vez que ficou determinado que “na hipótese de os líderes não indicarem representantes na CPI que, ao Presidente do Senado caberia tal atribuição, com base na aplicação análoga do art.85, Regimento da Câmara dos Deputados, combinado com o art. 85, caput, do próprio Regimento do Senado”.
Entretanto, o que se nota na realidade das CPIs, é que tais práticas não são utilizadas no intuito exato de alimentar o debate ou esclarecer questões constitucionais. Verifica-se, que o objetivo central dos parlamentares que se utilizam dessas artimanhas, na verdade, é como último recurso protelar ou impedir o exercício pela minoria do seu direito de oposição e consequentemente, blindar o Poder Executivo de qualquer fiscalização. Neste sentido, não há dúvidas que muitas vezes nem mesmo o controle jurisdicional é capaz de garantir o exercício de tal direito, como por exemplo, no caso da CPI dos Bancos, acima analisado. E, ainda que posteriormente a jurisprudência do STF tenha evoluído, naquela ocasião a maioria conseguiu seu objetivo e oprimiu o direito de camadas minoritárias simplesmente por interesse político.
Cumpre ainda ressaltar que a CPI dos Bancos foi apenas um caso escolhido entre tantos para ilustrar a discussão, e que a tática de não indicação de nomes, o questionamento do preenchimento dos requisitos constitucionais, a utilização de divergências em torno do regimento interno das Casas (doutrina dos atos interna corporis), são apenas alguns pretextos criados pelos parlamentares governistas para sufocar a minoria oposicionista.
Com efeito, cabe ainda esclarecer, que não estamos aqui nos empenhando na defesa de qualquer partido ou bloco partidário, até mesmo porque, a inversão de papéis entre governistas e oposicionistas se dá de maneira nítida a depender de quem está cumprindo o papel de Presidente da República, e a práticas de tais atos é visível em praticamente todas as Legislaturas.
Elucidando o problema, importante se faz o comentário do autor Marcos Cardoso Evandro Cardoso Santi, em suas palavras: “a maioria somente se sente encorajada a fazer valer sua força numérica quando mecanismos de controle institucionalizados - como o controle judicial - e os sociais não estão funcionando a contento”.
Ora, é nítido que se o alinhamento de forças majoritárias do Poder Legislativo encontrasse barreira no Poder Judiciário, pela utilização de práticas abusivas e argumentos totalmente contrários à Constituição e aos Regimentos, tais situações não voltariam a ocorrer. O problema maior, é que não raras vezes a força política desses, sobressaem até mesmo ao cumprimento da Constituição.
Neste sentido verifica-se que os Princípios da ordem política, assim como, demais valores resguardados pelo legislador originário na Constituição muitas vezes não são observados. O direito das minorias parlamentares, claramente instituído no requisito de quórum mínimo de um terço para se criar a CPI, não recebe o devido respeito dos parlamentares.
Em função da representação proporcional, tem-se que, tanto na criação, na instalação quanto no curso dos trabalhos da CPI, a maioria governista impõe seu ritmo, seus interesses e acabam por frustrar as pretensões das minorias. Ficando claro dessa forma, que apesar de a minoria ter seu direito de investigar resguardado constitucionalmente, a maioria é quem determina o resultado do Inquérito Parlamentar.
Conclusão
Diante de todo o exposto, infere-se que o Parlamento não está restrito somente em suas funções legislativas. Cabe a este, além de representar os cidadãos que lhes delegaram poderes decisórios através do voto, fiscalizar áreas importantes do Poder executivo, a fim de que este trabalhe sempre em prol de toda coletividade e observando os limites impostos pela Constituição.
Nestes termos, para cumprir tal objetivo, nascem as Comissões Parlamentares de Inquérito, hoje regulamentadas pelas Constituição de 1988 em seu artigo 58§3º, Lei 1.579/52, Lei 10.001/2000 (dispondo esta exclusivamente sobre os procedimentos a serem adotados nas conclusões das CPIs) e também pelos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Tal dispositivo constitucional, trouxe em seu texto os requisitos necessários para criação de uma CPI, são eles: o fato determinado, que significa em linhas gerais que um inquérito parlamentar não pode ser criado a fim de investigar fatos genéricos, imprecisos, ou qualquer fato que não se relacione com a atividade legislativa, fiscalizatória ou de esclarecimento público, excluindo nestes termos qualquer tipo de investigação de cunho meramente privado ou especulativo; o prazo certo, que alerta no sentido de que as Comissões Parlamentares de Inquérito tenham seus trabalhos encerrados dentro de um lapso temporal previamente estabelecido, confirmando de tal modo seu caráter temporário; e por fim o quorum mínimo de abertura, isto é, a necessidade de que o requerimento de criação da CPI seja assinado por no mínimo um terço dos membros de cada Casa Legislativa ou do Congresso Nacional.
A decisão do Legislador Constituinte em assegurar que a criação de uma CPI pudesse ser feita mediante a concordância de um quorum mínimo, foi em última análise, resguardar o direito das minorias parlamentares de investigar o Poder Executivo, realizando dessa forma o mais legítimo direito de oposição.
Conforme pode-se observar, os Princípios da Ordem Política, tais como o Estado Democrático de Direito, Separação de Poderes e o Pluralismo Político, garantem que a investigação parlamentar não fique a mercê da vontade de uma maioria, geralmente aquela que não se interessa em investigações dessa ordem, uma vez que seu maior objetivo é resguardar qualquer fato que possa interferir de maneira negativa em seus interesses.
Nota-se, portanto, que o foco foi resguardar meios hábeis de controle ao governo, ainda que este tenha o apoio da maioria no Congresso Nacional.
Ainda na Constituição, no artigo 58 § 1º, é assegurada a representação proporcional nas Comissões Parlamentares de Inquérito, o que significa dizer que os partidos que tiverem maior representatividade do Congresso Nacional dominarão também a composição do Inquérito Parlamentar.
Nestes termos, é que verificamos que, apesar de a criação da CPI se convalidar com o apoio exclusivo da minoria parlamentar, sua atuação será regida invariavelmente pelos desígnios da maioria.
Assim sendo, diversas manobras de cunho estritamente político são realizadas pelos parlamentares que representam a maioria, geralmente da situação do Executivo, com o objetivo exclusivo de protelar ou impedir que a minoria, representantes da oposição, exerça seu direito de fiscalizar e investigar.
Para exemplificar a atual e constrangedora situação com a qual convive o Poder Legislativo, analisamos o Caso da CPI dos Bancos.
A CPI dos Bancos foi criada em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, tratando-se de fato inédito, pois pela primeira vez uma das Casas do Congresso Nacional arquivou uma CPI já criada e instalada, antes de concluídos os trabalhos. Tal CPI tinha como objetivo apurar a responsabilidade civil e criminal de agentes públicos e privados ligados Sistema Financeiro Nacional e cujos bancos tenham sido atingidos por intervenção ou colocados em regimes de administração especial, que, conforme divulgado pela imprensa estariam envolvidos em atividades ilícitas relacionadas a empréstimos, feitura de balancetes fictícios e remessa ilegal de moeda para o exterior, causando enorme prejuízo à União, especialmente ao Banco Central do Brasil.
Porém, após a leitura do requerimento e justificações orais por diversos senadores, a bancada de apoio ao governo não expressou nenhum impedimento para a criação da CPI, o que permitiu sua publicação, finalizando assim um “ato jurídico perfeito”.
Posteriormente, a bancada de apoio ao governo utilizou-se de uma tática para impedir a instalação da CPI, qual seja: a não indicação dos membros para compor a Comissão. Sem isso, a CPI dos Bancos não poderia se instalar e funcionar.
Porém, os partidos PMDB e o PPB, preencheram as vagas, passando a CPI ser integrada pela maioria dos membros, e junto a isso o PMDB atuou junto a Mesa, para que o entendimento fosse modificado, passando-se desde então a se exigir somente a indicação para a maioria absoluta das vagas, já que a não indicação de membros pelos partidos governistas impedia solenemente que a investigação fosse realizada pela oposição.
Depois de transcorrido duas semanas da criação da CPI, no momento que foram lidas as indicações do PMDB e do PPB, os governistas foram obrigados a abandonar a tática de não indicar nomes, uma vez que, com a alteração do entendimento esta perdeu a razão de ser, mas por meio da liderança do PFL, impugnaram a criação da CPI atrás de outros meios, utilizou-se para isso uma questão de ordem.
Uma das alegações do Líder do PFL foi com relação ao requisito constitucional “fato determinado”, em seu entendimento, tal requisito não havia sido cumprido adequadamente. Outro ponto também atacado por ele foi à inobservância de uma determinação constante do artigo 145§1º, do Regimento Interno do Senado, qual seja, a previsão do limite de despesas com os trabalhos da CPI.
O Mandado de Segurança nº 22.494-1/DF foi ajuizado perante o Supremo Tribunal Federal (STF), pelos autores do requerimento, sob o argumento de que a Comissão já houvera sido criada e a maioria de seus membros designados e que somente na sessão em que foram apontados os representantes do PMDB e do PPB é que sobreveio a questão de ordem para arquivar o requerimento. Segundo tais autores, a criação da CPI já havia se caracterizado como um ato jurídico perfeito, gerando, portanto, o direito líquido e certo de investigar, e por tal motivo deveria ser considerada totalmente intempestiva a questão de ordem que resultou no arquivamento do requerimento.
Em sede de julgamento prevaleceu a tese de que o dispositivo regimental impediria a apreciação da matéria em seu conjunto, por tal razão o Supremo Tribunal Federal não conheceu do Mandado e aplicou a Súmula nº 283 do STF, concluindo o julgamento em 19 de dezembro de 1996. Tal decisão supriu exatamente a pretensão da bancada governista, uma vez que, impedida a criação da CPI, ficaram protegidas de qualquer investigação, e consequentemente de qualquer escândalo, as estranhas operações realizadas em socorro aos Bancos Nacional e Econômico, efetuadas pelo Proer.
Desta feita, é que podemos concluir que, em que pese o direito de investigar atribuído às minorias parlamentares ser garantido constitucionalmente, este padece de eficácia, haja vista que o resultado do inquérito parlamentar é na maioria das vezes determinado pelo interesse político da maioria.
Referências:
BROZOZA, Edson. CPI: Comissão parlamentar de inquérito descomplicada: Orientações para parlamentares federais estaduais e municipais. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2010.
KIMURA, Alexandre Issa apud BROZOZA, Edson. CPI: Comissão parlamentar de inquérito descomplicada: Orientações para parlamentares federais estaduais e municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 30.
SAMPAIO, Nelson de Souza apud BROZOZA, Edson. CPI: Comissão parlamentar de inquérito descomplicada: Orientações para parlamentares federais estaduais e municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 31.
SANTI, Marcos Evandro Cardoso. Criação das Comissões Parlamentares de Inquérito: Tensão entre o direito constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 2007.