As Comissões Parlamentares de Inquérito são a concretização do poder fiscalizador atribuído ao Legislativo e, sem dúvida alguma, um dos institutos de maior relevância no cenário nacional desde o início do período democrático em 1985, após o término do regime militar. Para confirmar tal afirmação, basta-nos dizer que todos os Presidentes da República, exceto Itamar Franco, enfrentaram, em seus mandatos, inquéritos parlamentares para apurar alguma denúncia de corrupção em áreas importantes do Poder Executivo, sendo assim um estudo mais aprofundado sobre o tema que se demonstra sempre relevante.
O tratamento legal das Comissões Parlamentares de Inquérito encontra-se no artigo 58 da Constituição Federal de 1988, no qual o legislador originário cuidou de enumerar seus requisitos de instalação e traçou, ainda que de modo genérico, os limites de sua atuação.
Neste trabalho não nos furtaremos de abordar cada requisito determinado pelo legislador, quais sejam: a existência de um fato determinado a ser investigado, por um prazo certo e com a aprovação de no mínimo um terço dos parlamentares de cada Casa ou do Congresso Nacional. Tal estudo demonstra-se necessário para que se possa conhecer melhor o funcionamento do instituto em análise, bem como para que se consiga compreender as discussões judiciais que permeiam a instalação de um inquérito parlamentar. Porém, o cerne de nossa abordagem encontra-se na exigência de no mínimo um terço das assinaturas dos parlamentares de cada Casa ou do Congresso Nacional, também chamado de requisito deflagrador para a criação das CPIs. Esse requisito é a concretização do princípio democrático e dos direitos das minorias, permitindo que a oposição e partidos minoritários investiguem o Poder Executivo.
Resta esclarecer que, não obstante ter sido resguardado esse direito às minorias parlamentares, foi instituído, para formação das CPIs, o Princípio da Representação Proporcional, o que significa dizer que os partidos que tiverem maior representatividade do Congresso Nacional dominarão também a composição das Comissões Parlamentares de Inquérito.
Sendo assim, em função da representação proporcional, não raras vezes são realizadas manobras políticas com o cunho de atender ao interesse político dos congressistas que representam a maioria na formação da CPI. Tais manobras, como a não indicação dos membros para compor a CPI, o questionamento infundado do preenchimento de requisitos constitucionais ou até mesmo regimentais, tem o objetivo único de impedir ou protelar o exercício do direito de investigação da minoria. Em suma, o que se pretende com esse trabalho é delimitar como o desrespeito ao direito de investigar, atribuído às minorias parlamentares, pode interferir no sucesso da instauração ou até mesmo no resultado dos trabalhos das CPIs.
A Origem Histórica e Conceito da Comissões Parlamentares de Inquérito
Panorama Mundial:
A origem das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) é um ponto ainda hoje controvertido na doutrina. Alguns autores remontam ao século XIV, na Inglaterra, mais precisamente entre os anos de 1284 e 1327, nos reinados de Eduardo II e Eduardo III, principalmente neste último, no qual foi consagrada a supremacia do Parlamento inglês ao confirmar, através de um rol de liberdades e garantias, o princípio que permitia a fiscalização do Poder Legislativo sobre o Executivo.
No entanto, tais autores limitam-se apenas em narrar o surgimento das Comissões Parlamentares de Inquérito nesse período, mas não fazem nenhuma menção a casos concretos, motivo pelo qual outra vertente de estudiosos acredita que foi, ainda na Inglaterra, pórem no século XVII, que as Comissões Parlamentares de Inquérito tiveram sua origem realmente definida.
Com o surgimento da Bill of Rights, em 1689 foi instaurada de modo definitivo a monarquia constitucional e com isso estabelecido o princípio político – constitucional da separação de poderes, consagrado mais tarde em 1748 por Montesquieu. Tal feito permitiu a existência de instrumentos de vigilância, como as Comissões Parlamentares de Inquérito. Essas comissões (committe of the whole) tinham como atividade principal a obtenção de dados e informações sobre algum assunto concreto que pudessem ser úteis à produção legislativa ou interferir de algum modo na execução dos trabalhos dos parlamentares. Eram compostas por um número bem reduzido de deputados (select communittees) para que os trabalhos fossem realizados com mais agilidade, assim como era a atuação do conselho do rei, o que seria impossível convocando todo o plenário
Essa diferença na rapidez com que se reuniam o Executivo e o Legislativo era considerada um fator de desequilíbrio entre os poderes, que necessitava de uma urgente reparação. Por esse motivo, nasceram as Comissões Parlamentares de Inquérito como órgãos auxiliares e subordinados ao parlamento, com o objetivo de equilibrar os poderes e permitir o exercício do controle do Executivo.
Também é tema controvertido o pioneirismo da positivação do Inquérito Parlamentar em sede constitucional. Em que pese alguns estudiosos apontarem a Alemanha não unificada como a primeira nação a tratar a matéria com esse status, a doutrina majoritária identifica no artigo 40 da Constituição da Bélgica de 1831 o direito de investigar do Poder Legislativo.
Dentre outras regulamentações, eis o que dizia o referido dispositivo:
1. Que o direito de inquérito parlamentar poderia ser exercido pelas câmaras ou por comissões por elas constituídas.
2. Que a câmara, comissão por ela constituída ou seu presidente, dispunha dos mesmos poderes do juiz criminal, podendo, entretanto, tais poderes serem restringidos pela câmara em um caso concreto.
3. Que as sessões de uma comissão de inquérito em que fossem inquiridas testemunhas ou peritos seriam públicas, salvo deliberação em sentido contrário da própria comissão.
Interessa ainda destacar a experiência da Alemanha em matéria constitucional, principalmente na Constituição de Weimar, em 1919, que em seu artigo 344, por uma proposta de Max Weber em sua obra “Parlamento e Governo na Alemanha reordenada”, consagrou o direito de constituição do inquérito parlamentar como prerrogativa da minoria legislativa, mais especificamente pelo requerimento de um quinto dos parlamentares. Tal dispositivo determinou ainda que o direito de examinar as provas em sessões públicas seria deliberado por dois terços de seus membros, que o número de membros seria estipulado pelo regimento interno e que se aplicariam às investigações parlamentares as disposições atinentes ao processo penal, não autorizando, porém, a quebra de sigilo de correspondência nem telefônico.
No Brasil:
A Constituição do Império de 1824 foi omissa com relação ao trato das comissões parlamentares de inquérito, o que se justifica em função do regime de governo que estava em vigor ser totalmente avesso a qualquer tipo de controle exercido pelo Legislativo sobre o Executivo.
A Constituição da República dos Estados Unidos Brasil, em 1891, também não previu o instituto da CPI, porém a omissão era interpretada pelos constituintes da época como um “não impedimento” para a propositura de tais investigações. Apesar dessa interpretação liberal, poucos foram os requerimentos de instauração a serem aprovados, primeiro em virtude de a maior parte do Legislativo pertencer à bancada de apoio do Executivo e, depois, pela ausência de uma norma infraconstitucional que determinasse os parâmetros de atuação das Investigações Parlamentares.
A realização de Inquéritos Parlamentares só se desenvolveu após sua efetiva positivação em sede constitucional uma vez que não há em nosso país uma tradição consuetudinária de aplicação e interpretação de normas. Foi a Constituição de 1934 que trouxe, pela primeira vez, em seu artigo 36, a positivação do instituto. Assim dispunha o referido diploma legal:
Art. 36. A Câmara dos Deputados creará commissões de inquérito sobre factos determinados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros.
Paragrapho único: Applicam-se a taes inquéritos as normas de processo penal indicadas no Regimento Interno.
Apesar do pequeno período de existência da Constituição de 1934, foi bastante significativa sua influência, com exceção dos estados de São Paulo e Mato Grosso, todos os outros estados, instituíram em suas Constituições textos contento expressa previsão sobre Comissões Parlamentares de Inquérito.
Com a instauração do Estado Novo e promulgação da Constituição de 1937, com caráter extremamente autoritário, o instituto das Comissões Parlamentares de Inquérito deixou de fazer parte do ordenamento jurídico constitucional. Conforme bem leciona o Prof. Wellington Moisés de Oliveira, as CPIs são instrumentos de muita repercussão política e tem sua eficiência e efetivação condicionada a regimes democráticos de governo.
Via de regra, a Comissão Parlamentar de Inquérito é incompatível com regimes autoritários. É possível que em regimes ditatoriais possam existir mecanismos de investigação parlamentar, embora só sejam usadas de acordo com interesses e conveniências de seus mandatários.
Posteriormente, com o advento da Constituição de 1946, o inquérito parlamentar novamente teve espaço no texto constitucional nacional. Era a seguinte redação do artigo 53:
Art. 53. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão comissões de inquérito sobre fato determinado, sempre que o requerer um terço dos seus membros.
Parágrafo único. Na organização dessas comissões se observará o critério estabelecido no parágrafo único do art. 40.
Ao remeter a organização das Comissões Parlamentares de Inquérito ao artigo 40 estava o Legislador Constituinte inaugurando um novo procedimento para o requerimento das investigações, nasceu, portanto, o “princípio da colegialidade”(“Trata-se de princípio cogente para ofertar às deliberações da CPI a devida eficácia jurídica. Deliberações que não passam pelo crivo do seu Plenário são coisa nenhuma em direito”. CAMPOS, Francisco apud SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. CPI ao pé da letra. Millenium: Campinas, 200, p. 185), permitindo que houvesse um maior equilíbrio de forças dentro do parlamento em prol da representação popular. Tal era o disposto no parágrafo único do artigo 40, in verbis:
Art. 40, parágrafo único. Na constituição das comissões, assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos nacionais que participem da respectiva câmara.
Foi ainda no período de vigência da Constituição de 1946 que se deu a regulamentação das Comissões Parlamentares de Inquérito, através da Lei nº.1579, de 18 de março 1952. Tal lei foi recepcionada pelas constituições seguintes e está ainda hoje em vigor.
A Constituição Federal de 1967, promulgada sob a égide do regime militar, trouxe uma modificação em seu texto em relação à Constituição de 1946. Permitiu-se que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal criassem, separadamente, os inquéritos parlamentares e ainda os fizessem com prazo certo. Previa o referido artigo:
Art. 39. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, em conjunto ou separadamente, criarão comissões de inquérito sobre fato determinado e por prazo certo, mediante requerimento de um terço dos seus membros.
Nestes termos, é importante ressaltar que a sutil alteração sofrida pelo texto constitucional permitiu que se fizesse, então, a distinção de CPI e CPMI, respectivamente, Comissão Parlamentar de Inquérito e Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. A primeira, autorizada pela Constituição de 1967, se convalida com o requerimento de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, o que permite de certa forma que seja aberta a investigação com maior facilidade. Já a segunda, necessita da adesão de um terço dos membros das duas Casas que compõem o Congresso Nacional. É, portanto, uma investigação de alcance muito maior, que pressupõe que o fato a ser esclarecido é mais grave ou de maior interesse para a sociedade.
Apesar da manutenção e aprimoramento do instituto das Comissões Parlamentares de Inquérito na Constituição de 1967, a realidade política do país impedia que fosse aberta qualquer tipo de investigação sobre os atos do Poder Executivo, o que diminuiu significativamente a atuação da função fiscalizadora do Poder Legislativo.
Finalmente, em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a vigente Constituição Federal, chamada “Constituição Cidadã”. Esta trouxe em seu artigo 58 § 3º o tratamento legal para instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito.
Art. 58, parágrafo 3º. As Comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
O regime jurídico adotado pela Constituição de 1988 determinou limites, bem como os requisitos necessários para a criação das Comissões Parlamentares de Inquérito. Os mesmos serão analisados com mais profundidade nos capítulos seguintes, porém cabe ainda mencionar que hoje o Inquérito Parlamentar é um dos institutos mais importantes no que se refere à realização do controle ao Poder Executivo. Nasceu do clamor popular e ganhou força suficiente para embasar até mesmo o Impechemant do Presidente Fernando Collor de Mello em 1992.
Conceito
Atualmente, são pelo menos quatro as formas que dispõe o Poder Legislativo para exercer as atribuições de fiscalização, uma delas é a Comissão Parlamentar de Inquérito. Inicialmente, para moldar o seu conceito, deve-se analisar a expressão “Comissões Parlamentares de Inquérito” em seu sentido literal.
C omissão: (latim. commissio, junta) grupo de pessoas designado por uma assembléia para executar uma tarefa.
P arlamentar: membro de um parlamento. Parlamento é a assembléia dos representantes do povo em que se exerce o Poder Legislativo.
I nquérito: (latim quaeritare, procurar) conjunto de atos e diligências destinados a apurar alguma coisa.
Feitas tais considerações, entende-se que, em linhas gerais, as Comissões Parlamentares de Inquérito são formadas por um grupo de parlamentares, podendo ser na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, com o objetivo de investigar determinado assunto de interesse público.
Cabe ainda, para uma abordagem mais profunda, citar algumas relevantes manifestações doutrinárias acerca de tal conceituação:
Para Konrad Hesse, em uma análise de Yuri Carajelescov, as Comissões Parlamentares de Inquérito podem ser tratadas como órgãos não permanentes do Legislativo; e ainda que não sejam tribunais propriamente ditos, se prestam para fins de controle parlamentar, apuração de responsabilidades por algum inconveniente e para investigações sobre matérias de repercussão na vida pública e incidentes no âmbito social.
Já Rogério Lauria Tucci,20 citado por também Carajelescov, realizando uma abordagem legalista, traz o seguinte rol de características:
Compreendendo necessariamente uma série de atos, tem assim como principais características: a) a especificidade investigatória; b) extraordinariedade; c) temporariedade; d) realização por órgão colegiado, criado no âmbito do Poder Legislativo, aos quais conferidos poderes de investigação e informação, em lei definidos; e) apuração de fato ou fatos determinados; e f) materialização em procedimento de natureza administrativa, finalizado num ou mais relatórios.
Assim sendo, pode-se propor uma resumida classificação das CPIs quanto: à o origem, organização e status ds seus integrantes. (CARAJELESCOV, 2007)
Quanto a origem, as Comissões Parlamentares de Inquérito podem ser: constitucionais, na medida em que sua previsão encontra-se no texto da Lei Maior; legais, quando o fundamento jurídico se aloja na legislação infraconstitucional; regimentais, quando previstas nos regimentos internos das casas legislativas; resolutivas, quando são criadas por resolução.
Quanto a organização, podem ser nacionais, quando realizadas pelo Parlamento de uma nação como, por exemplo, as instaladas na Câmara dos Deputados e/ou Senado Federal; ou locais, quando desenvolvidas por um Parlamento local, como as CPIs criadas nas Assembleias Legislativas ( Estados-membros ), Câmara Distrital ( Distrito Federal ) e nas Câmaras Municipais ( Municípios )
Quanto à duração, podem ser temporárias, quando criadas para realizar, em um prazo previamente determinado, uma missão investigatória e que, ao término desse período, irão automaticamente se extinguir; permanentes, quando a atividade prolonga-se no tempo.
Por fim, a classificação quanto ao status dos integrantes somente se aplica aos países que adotam o sistema de representação parlamentar bicameral. Sendo assim, será pura quando compostas por membros de apenas uma das Câmaras do Parlamento como, por exemplo, aquelas compostas somente por deputados federais ou senadores da República; e será considerada mista se compostas por membros de ambas as Casas do Parlamento em conjunto.
Referências:
CARAJELESCOV, Yuri. Comissões Parlamentares de Inquérito em Portugal e no Brasil. Juruá: Curitiba, 2007.
SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. CPI ao pé da letra. Millenium: Campinas, 200.
OLIVEIRA, Wellington Moisés de. CPI Brasil. Honoris Causa: Curitiba, 2010.
OLIVEIRA, Wellington Moisés de. CPI Brasil. Honoris Causa: Curitiba, 2010.
OLIVEIRA, Wellington Moisés de. CPI Brasil. Honoris Causa: Curitiba, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
EDITORA NOVA CULTURA (Ed.). Dicionário Larousse Cultural: Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultura, 1992
TUCCI, Rogério Lauria apud CARAJELESCOV, Yuri. Comissões Parlamentares de Inquérito em Portugal e no Brasil. Juruá: Curitiba, 2007.