A Falha do Cumprimento ao Direito à Saúde x Interferência do Judiciário Efetivação do Direito à Saúde

Por Thainara Dias - 18/06/2020 as 17:07

Neste artigo da série sobre direito à saúde, faremos uma análise do papel do Poder Judiciário para a efetivação de tal direito.

O direito à saúde é assegurado pela legislação brasileira, no entanto o mesmo não tem sua efetividade na prática, fazendo com que a população utilize do poder judiciário quando essas normas constitucionais são descumpridas, ou seja, o poder judiciário atua para que faça valer o que está previsto em norma legal, no entanto, há uma problemática quando o poder judiciário tem que fazer essa interferência.

No que tange aos direitos sociais, muitos deles são regidos por princípios, sendo este uma “ordem pluralista diversa”, visto que há diversos princípios que norteiam a constituição, podendo estes entrar em conflito entre si na sua aplicação, como por exemplo a colisão do direito à saúde de uma pessoa com o direito à saúde de outra pessoa, ou até mesmo a colisão entre os direitos fundamentais e outros princípios constitucionais como a separação dos poderes (BARROSO, 2018, p. 88).

Diante desse contexto, vamos analisar que ocorrerá o choque entre os poderes, visto que em tese o poder legislativo detém o poder de escolher diante de uma análise, qual é a melhor aplicabilidade da verba pública para que as políticas públicas vigorem  para atendimento e efetividade do exercício dos direitos sociais, fazendo com que os direitos resguardados constitucionalmente sejam de fato cumpridos para o melhor atendimento da população.

Diante disso, o legislador deverá ver as necessidades da população e analisar o total da receita orçamentária para que tais recursos sejam aplicados de acordo com a necessidade. Porém, na prática vemos que esse exercício não é cumprido de forma efetiva.

Temos um problema em nossa democracia, seja pelo distanciamento da população pela política, seja por não serem de fato representados por aqueles que ali, eleitos – democraticamente – pela falta de confiança, pela ignorância política, e até mesmo pelas arbitrariedades de uma maioria não representativa que compõe o poder legislativo, que visa o interesse de poucos e sacrifica o de muitos. 

Diante dessas problemáticas do poder legislativo, o poder judiciário entra em cena para resguardar os direitos assegurados pela constituição e pelas demais legislações que amparam o direito à saúde, não podendo deixar os direitos sociais a mercê da vontade discricionária do legislador, não podendo o legislador frustrar tais direitos com a alegação de que falta orçamento para o amparo dos direitos sociais.

No entanto, o poder judiciário ao atuar como um fiscal da aplicabilidade legal acaba não sendo totalmente efetivo, visto que ele não é o poder adequado, no entanto, diante da problemática narrada, acaba sendo necessário. 

Nesse diapasão, Daniel Sarmento (2016, p.556) se posiciona no seguinte sentido:

(...) Nesse cenário, surgem alguns questionamentos impostantes: Será que o Poder Judiciário – cujos membros não são eleitos, nem respondem politicamente perante o povo – possui as credenciais democráticas para interferir nestas escolhas feitas pelo Legislativo e Executivo sobre quais gastos priorizar, em face da escassez de recursos? Até que ponto as suas intervenções favorecem, de fato, os mais excluídos? Terá o judiciário condições de atuar de modo racional e eficiente neste campo, que envolve o controle de políticas públicas, cuja fornulação e implementação requerem expertise?”

O poder judiciário não deve “roubar a cena” na proteção dos direitos sociais, visto que isso é primordial ao poder legislativo, poder este vindo do povo. O que não torna a interferência do judiciário algo inconstitucional ou não democrático, até mesmo porque, o mesmo está praticando atos plenos de sua competência, fazendo valer o texto constitucional quando estes direitos são violados, sendo assim, os direitos sociais são de alguma forma atendidos, mesmo que demonstraremos que não são atendidos de uma forma tão eficaz em um sentido geral. Ou seja, mesmo quando o judiciário concede prestações fora do orçamento, ele não está agindo antidemocráticamente, até mesmo porque o judiciário não tem controle do orçamento. Apesar da controvérsia, a atuação do judiciário está complemente dentro dos parâmetros legais.

Assim, Daniel Sarmento (2016, p. 561) sintetiza:

(...) Portanto, quando o Poder Judiciário garante estes direitos fundamentais contra os descasos ou arbitrariedades das maiorias políticas ou dos tecnocratas de plantão, pode-se dizer que ele está, a rigor, protegendo os pressupostos para o funcionamento da democracia, e não atuando contra ela.

Dito isto, vimos que apesar de se mostrar necessário a interferência judicial para o cumprimento dos direitos violados, conforme falamos, há um problema no que tange a uma demanda muito grande de judicialização na efetividade dos direitos sociais, pois além dos problemas já citados, acaba comprometendo a verba orçamentária para a aplicação do direito à saúde, ou seja, as políticas públicas que deveriam ser para um atendimento geral da população acaba sendo prejudicada pelos gastos excessivos nas ações individuais contra o estado, sendo muita das vezes em ações de medicamentos e internações, o que poderia ser usado por exemplo se a verba fosse melhor aplicada em mas hospitais, médicos, estrutura hospitalar que atendesse toda a população.

Deste modo, podemos ver que a judicialização faz valer o direito à saúde quando violado, mas por sua vez prejudica o orçamento que deveria ser aplicado em uma ótica geral e não individual, fazendo com que para o atendimento de alguns, sacrifique o de outros, ocorrendo aqui o tal conflito de interesses de um para com outros como foi mencionado no início desse capítulo. Tal omissão na política pública, faz com que os direitos sociais acabam sendo observados de uma forma individual e não geral.

As decisões judiciais devem sim ser analisadas e decididas de acordo com o caso concreto, mesmo nas ações individuais (que são mais efetivas no resultado, visto que os juízes tendem a ter uma compaixão quando o caso é individualizado), no entanto deve-se observar o princípio da isonomia verificando a possibilidade financeira do estado proporcionar às pessoas que se encontram em igual situação a mesma prestação do estado.

As ações coletivas afetam diretamente as políticas públicas em vigor e automaticamente as verbas existentes, sendo assim estas não são tão recepcionadas quanto as individuais, o que não deveria ocorrer, visto que estas constituem um controle maior fazendo com que as consequências na efetivação das políticas públicas atendas a população de forma mais ampla, mesmo àqueles que não tem acesso a justiça e que mesmo assim tem os seus direitos violados.

Nesse contexto, Hoffmann e Bentes (2013, p. 387) sintetizam:

(...) Pois um judiciário mais propenso a deferir as aços individuais (particulares) do que as ações coletivas (geralmente promovidas pelo MP) atua no sentido de discriminar interesses da população pobre e indigente, ao privá-los do acesso indireto a justiça a que fariam jus numa decisão judicial concessiva de mudança estruturante na saúde ou educação pública.”

Em razão da justiça não ser acessível a toda a população, tendo acesso a justiça em sua grande maioria pessoas de classe média, classe esta, que necessitaria menos do que os mais pobres, que além de não ter acesso a justiça por precariedade do sistema, ainda conta com o desconhecimento de seus próprios direitos, sendo verdade que quanto mais rica e educadas forem as populações, mais litígios são gerados (HOFFMAN e BENTES, 2013, p. 384).

Assim, podemos analisar mais uma das problemáticas que envolvem a ineficiência do poder público em fazer valer os direitos sociais, e a necessidade da interferência do judiciário. Isto porque, diante da afirmação supra, podemos concluir que se o acesso a justiça não é para todos, os direitos constitucionais também não seria para todos, visto que estes só seriam resguardados por àqueles que tem o livre acesso a justiça. 

Nas ações individuais pelos juízes agirem com mais emoção como já foi citado, fecham os olhos para a escassez de recursos, coisa que não fazem quando se trata de ações coletivas, mas de fato essa escassez existe.

Para que os direitos sociais sejam de fato cumpridos pelo estado é necessário uma série de ações aplicadas nas políticas públicas, fazendo necessário contextualizar uma série de procedimentos, recursos financeiros e etc, mas como os direitos sociais estão positivados de forma vaga, não tendo previsões específicas, dificulta para que se dê o cumprimento de uma forma efetiva, até mesmo pelo controle do judiciário.

Bem diz Daniel Sarmento (2018, p. 564):

(...) Pode-se dizer que esta faceta se revela especialmente marcante nas demandas envolvendo os direitos sociais, pois estes são positivados, em geral, de maneira muito vaga, sem a previsão das prestações específicas que os concretizam. Ademais, a garantia dos direitos sociais não se esgota numa tarefa meramente jurídica: no geral, ela envolve um emaranhado de ações estatais, que compreende a formulação de políticas públicas, a criação de procedimentos, o dispêndio de recursos, dentre outras atividades, que não se amoldam perfeitamente à função tradicional do Judiciário, Daí, inclusive, a recusa de parte significativa da doutrina de conceber os direitos sociais como típicos direitos subjetivos.

Assim, não se pode deixar entender que os direitos sociais em sua vagueza na legislação, sejam normas pragmáticas, ou seja, fiquem desprotegidas da omissão estatal.

Bem verdade, para que de fato os direitos sociais e as demais soluções das falhas democráticas brasileiras devem ser remediadas pela própria reforma política, envolvendo o próprio cidadão na esfera pública, o que não ocorre quando o judiciário se torna a principal peça.

Referência Bibliográfica

SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira. Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.