Previsto no Código de Processo Civil (CPC), o agravo de instrumento é o recurso cabível contra as decisões tomadas pelo juiz no curso do processo – as chamadas decisões interlocutórias –, antes da sentença. O assunto é abordado nos artigos 1.015 a 1.020 e neles são listados as hipóteses em que cabe o recurso, a forma que o mesmo deve ser dirigido ao tribunal competente, como a petição deve ser instruída e o prazo para o julgamento. Porém, em dezembro de 2018, ao concluir o julgamento do Recurso Especial 1.704.520, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o conceito de taxatividade mitigada do rol previsto no artigo 1.015 do CPC, abrindo caminho para a interposição do agravo de instrumento em diversas hipóteses além daquelas listadas expressamente no texto legal.
Diante da importância do assunto para o Direito, a professora do Instituto de Direito Real Bethânia Senra ministrou uma palestra com o tema "Agravo de Instrumento na Visão do STJ". De acordo com Senra, as hipóteses listadas no CPF não abrangem todas as questões em que é cabível o agravo de instrumento.
"A tentativa do legislador de traçar todas as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento nos trouxe uma série de situações em que a urgência traz a necessidade de interposição do agravo de instrumento, mas se você for olhar o rol do 1.015 do CPC não está previsto".
Antes de entrar na visão STJ, foco da palestra, Bethânia explica o conceito de decisões interlocutórias e seus dois tipos - agravável e não agravável. Para trazer o conceito, a professora começou a diferenciando de sentença.
"Vocês podem perceber a diferença entre decisão interlocutória de sentença pelo procedimento. Como? Você olha para o procedimento em primeira instância e se pergunta: "essa decisão proferida pelo magistrado põe fim ao procedimento em primeira instância?". Se sim, estamos diante de uma sentença. Do contrário, estaremos diante de uma decisão interlocutória".
Mas o que, de fato, são decisões interlocutórias? São aquelas em que não põe fim ao processo, mas pode modificar todo o status processual e relação entre as partes, bem como antecipar a decisão caso o julgador ou a julgadora entenda necessário. E como sabemos se é uma decisão interlocutória agravável ou não agravável? Bethânia explica:
"As decisões interlocutórias agraváveis são aquelas sujeitas ao recurso de agravo de instrumento, em princípio são aquelas previstas no artigo 1.015 do CPC. As demais decisões interlocutórias, aquelas que não estão previstas no CPC, são as chamadas decisões interlocutórias não agraváveis".
Termos explicados, agora é só aplicar, certo? Não! Parafraseando a ministra Nancy Andrighi, Bethânia reforça que a realidade é muito maior do que a ficção. Ou seja, existem outras hipóteses em que, pela urgência da situação, está sujeita ao recurso de agravo de instrumento.
"Existem situações de urgência que não podem aguardar a interposição do recurso de apelação para que seja solicitada a apreciação daquela questão, que só será julgada por ocasião do julgamento da apelação. Nós precisamos da interposição do recurso de agravo de instrumento, mas, infelizmente, essa hipótese não está no rol do artigo 1.015 do CPC".
E essa questão chegou ao STJ através do Recurso Especial (REsp) 1.704.520 sobre o rito do julgamento dos recursos repetitivos. Nesta ocasião foi apresentado ao Superior três correntes sobre a interpretação a ser dada ao artigo 1.015 do CPC.
"A primeira corrente afirmava que o rol do 1.015 era taxativo. Logo, fora daquelas hipóteses não cabe agravo de instrumento. A segunda trazia o entendimento de que esse rol é taxativo, mas como em outras situações permite uma interpretação extensiva ou uma analógica. Já a terceira dizia que esse rol era meramente exemplificativa, de modo que em determinadas situações a recorribilidade da decisão interlocutória seria imediata".
Com este cenário em mãos, o STJ não adotou nenhum dos três cenários. A relatora, Nancy Andrighi, entendeu que "o rol do artigo 1.015 do CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo". Bethânia explica:
"Ou seja, havendo uma urgência que torne inútil para a parte aguardar o julgamento da apelação para que aquela decisão interlocutória possa ser apreciada será a hipótese de agravo de instrumento. Essa é a tese que o STJ adota na interpretação do artigo 1.015".
Confira a palestra completa nos vídeos abaixo: