As Sentenças Aditivas como Instrumento para Garantia de Direitos Fundamentais

Descubra como o Supremo Tribunal Federal utiliza sentenças aditivas para proteger direitos fundamentais e entenda sua origem no Direito Constitucional Italiano.

Por Diego Costa Passos - 16/07/2024 as 17:28

Nesta série de artigos sobre sentenças aditivas, vamos explorar suas origens no Direito Estrangeiro e como o Supremo Tribunal Federal defende sua aplicação na jurisdição constitucional contemporânea e na proteção aos direitos fundamentais.

Origem das Sentenças Aditivas na Jurisdição Constitucional Italiana

As sentenças aditivas ou manipulativas têm origem no Direito Italiano, a Corte Constituzionale afirmou, desde a década de 60, a sua competência para o controle das omissões legislativas inconstitucionais[i]. 

O primeiro caso desse tipo de sentença deu-se quando a Corte Italiana considerou inconstitucional o art. 11, §1º da Lei de 1958 que instituiu o Conselho da Magistratura, o referido artigo submetia ao Ministro de Justiça a provocação do Conselho, excluía-se, assim, a plena liberdade do Conselho para adotar deliberações que julgar mais apropriadas, a liberdade de deliberação do Conselho tornou-se possível após a prolação da sentença 168/1963. Abaixo trechos da referida decisão:

Sulla questione sollevata in ordine all'art. 11, primo comma, della legge del 1958, l'Avvocatura osserva che tale richiesta non costituirebbe una limitazione dei poteri attribuiti al Consiglio, che conserverebbe piena autonomia nelle deliberazioni.

Osserva, d'altra parte, che il diritto d'iniziativa, riservato al Ministro, in ordine ai provvedimenti relativi allo status dei magistrati deriverebbe dall'art. 110 della Costituzione, che deferirebbe al Ministro la competenza per tutto ciò che riguarda l'organizzazione ed il funzionamento dei servizi relativi alla giustizia. 

E ciò logicamente, in specie per quanto attiene alla destinazione dei magistrati alle varie sedi (che é il caso che ha dato luogo alle attuali controversie), perché soltanto il Ministro potrebbe valutare, con conoscenza della situazione, tutti gli elementi che possono giustificare il provvedimento, salvo ovviamente la piena libertà del Consiglio di adottare le deliberazioni che ritenesse più opportune. 

Si aggiunge, in proposito, che la compatibilità del diritto di iniziativa con l'autonomia del Consiglio superiore risulterebbe comprovata, non soltanto dalla facoltà concessa al Ministro dal secondo, comma dell'art. 107 della Costituzione di promuovere l'azione disciplinare, ma altresì dal coordinamento con l'art. 97, secondo, il quale il Ministro resta sempre responsabile di fronte al Parlamento del funzionamento della giustizia.

dichiara la illegittimità costituzionale dell'art. 11, primo comma, della legge 24 marzo 1958, n. 195, istitutiva del Consiglio superiore della Magistratura, in riferimento agli artt. 104, primo comma, 105 e 110 della Costituzione, in quanto, per le materie indicate nel n. 1 dell'art. 10 della legge stessa, esclude l'iniziativa del Consiglio superiore della Magistratura;[ii]”

É possível perceber com a decisão que existe dentro do controle de constitucionalidade italiana uma relação intrínseca entre as sentenças de perfil aditivo e a solução das omissões inconstitucionais. Gilmar Mendes cita o doutrinador italiano António La Pergola, o qual aduz que as sentenças aditivas seriam oriundas das normas programáticas, ou seja, normas constitucionais que prescrevem um programa de direitos, de ação, de concretização ou de realização do poder público[iii].

As sentenças aditivas ou sentenças manipulativas serão produzidas, pois, diante da falta de norma regulamentadora de um direito previsto constitucionalmente, o Poder Judiciário assumirá a função de legislador positivo e suprirá a omissão inconstitucional, a fim de garantir a efetividade do direito e da garantia fundamental prevista constitucionalmente.

As Sentenças Aditivas no Direito Pátrio

Muito já se discutiu sobre se as sentenças aditivas seriam instrumento possível de utilização dentro do ordenamento jurídico brasileiro. 

O ponto nevrálgico da discussão consistia na afronta ao princípio da separação de Poderes, uma vez que as correntes contrárias às sentenças aditivas preceituavam que o papel do juiz seria apenas de realizar a extração do conteúdo normativo da norma em si e seria papel apenas do legislador criar a norma constitucional.

Sendo assim, para as correntes que rejeitam as referidas sentenças, toda a construção normativa realizada pelo Judiciário para suprir uma omissão do Poder Legislativo deveria ser desmontada.

O Entendimento Inicial do Supremo Tribunal Federal

Esse era o entendimento inicial do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, no julgamento do Mandado de Injunção nº 107 de 28 de agosto de 1989, firmou-se o entendimento de que a Corte não estaria autorizada a criar uma norma para o caso concreto (que era sobre a estabilidade de um militar que fora para a reserva não remunerada, previsto no art. 42, §9º da Constituição da República), haja vista que a construção de uma norma para o caso concreto não se compatibiliza com os princípios constitucionais da democracia e da divisão de Poderes.

Em outro julgamento- ADInMC 1063-8 – o Ministro Celso de Mello explana mais uma vez o entendimento inicial do Supremo Tribunal Federal de que cabe apenas ao Poder Judiciário atuar como legislador negativo, ou seja, ao Judiciário é atribuída a competência de paralisar a eficácia de uma norma existente, não cabendo, por conseguinte, a elaboração de uma norma anteriormente inexistente. Nas palavras do referido Ministro:

“A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. 

Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador”

Embora existam correntes contrárias às sentenças aditivas e mesmo o pensamento inicial da Corte Suprema ser refutando às manipulativas, o pensamento hodierno no direito comparado e no direito pátrio é de elucidar que as sentenças aditivas são instrumentos hábeis e plenamente possíveis que visam garantir direitos e garantias fundamentais. 

Esse entendimento parece até mesmo já ter chegado ao Supremo, conforme se elucidará abaixo. Em outras, palavras as sentenças aditivas tornaram-se um fato jurídico, elas existem. Não se pode mais olvidar a velha e tradicional separação de Poderes elaborada por Montesquieu, nem mesmo pensar que em pleno século XXI, em que o dinamismo faz parte indissociável da vida em sociedade, que o juiz seja um mero “boca” da lei. 

A visão kelsiana, positivismo tradicional romano germânico, de que a decisão judicial em seu momento final é sempre um ato político que está associado às molduras legislativas, não parece ser plausível diante de omissões inconstitucionais.

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[i] MENDES, Gilmar. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC, e ADO: Comentários à Lei n. 9.868/99. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.p. 363

[ii]A questão levantada em relação ao primeiro parágrafo do artigo 11 da Lei de 1958 prevê que este pedido não constituiria uma restrição dos poderes conferidos ao Conselho, que reteria a total autonomia nas deliberações.

Observa, por outro lado, que o direito de iniciativa, reservado ao Ministro, no que diz respeito às medidas relativas ao estatuto dos magistrados, deriva do art. 110 da Constituição, que remete para o Ministro a competência para tudo o que diz respeito à organização e ao funcionamento dos serviços de justiça. 

E isso é logicamente, especialmente no que diz respeito ao destino dos magistrados nos vários escritórios (o que resultou das disputas atuais), porque somente o Ministro poderia avaliar, com conhecimento da situação, todos os elementos que poderiam justificar a medida, exceto, é claro, a plena liberdade do Conselho para adotar as deliberações que julgar mais apropriadas. 

Além disso, acrescenta-se que a compatibilidade do direito de iniciativa com o " A autonomia do Conselho Superior revelaria-se não só pela faculdade concedida ao Ministro pelo segundo parágrafo do art. 107 da Constituição para promover a ação disciplinar, mas também da coordenação com o art. 97, em segundo lugar, que o Ministro continua sempre responsável pelo funcionamento da justiça no Parlamento.

Declara a ilegitimidade constitucional do primeiro parágrafo do artigo 11 da Lei 24 de março de 1958, no. 195, instituído pelo Conselho Superior do Poder Judiciário, em referência ao Art. 104, primeiro parágrafo, 105 e 110 da Constituição, uma vez que, para os assuntos indicados no n. 1 do art. 10 da lei exclui a iniciativa do Conselho Superior do Poder Judiciário

AMBROSINI, Gaspape et al. SENTENZA N. 168. Disponível em: http://www.giurcost.org/decisioni/1963/0168s-63.html. Acesso em: 11 out. 2017.

[iii] Nas palavras de José Afonso da Silva: “podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p.135.