As Sentenças Aditivas e o Ativismo Judicial

Por Diego Costa Passos - 27/04/2024 as 12:16

Neste artigo da série sobre sentenças aditivas, debatemos como o ativismo judicial deve ser interpretado positivamente, à luz de um novo papel assumido pelo Judiciário na defesa de direitos fundamentais

O Ativismo Judicial

Nos últimos anos, a figura do juiz tradicional vem sendo solapada. O Poder Judiciário não pode ser cliente de si mesmo, não pode ser auditório de si próprio e deve estar conexo aos anseios sociais. A função do magistrado tímido em intervir na autonomia e discricionariedade do poder público, que não se arrisca em fiscalizar políticas públicas e que fica ilhado na interpretação mais simples do ato normativo e da norma jurídica está cada vez mais em desuso.

Neste contexto, muitas vezes o Judiciário é chamado a intervir na arbitragem dos demais poderes e serve como um pacificador de conflitos institucionais, um fenômeno comumente chamado de judicialização da política.

É necessário, insofismavelmente, que o Poder Judiciário crie uma interlocução com a realidade fática e seja capaz de demonstrar aos cidadãos que é um verdadeiro solucionar dos litígios e não um mero aplicador de lei. Essa é a ideia de Alec Stone Sweet em seu livro “Governing with judges”[i]:

“A visão prevalecente nas democracias parlamentares tradicionais de ser necessário evitar um governo de juízes, reservando ao Judiciário apenas uma atuação como legislador negativo, já não corresponde à prática política atual. Tal compreensão da separação de Poderes encontra-se em crise profunda na Europa Continental”.

 A cautela deve nortear esta nova configuração do Judiciário, pois desenvolve uma pretensão quase definitiva em ditar o sentido de normas constitucionais e de todo o ordenamento jurídico. E, com maior razão ainda, este cuidado republicano deve ser reservado ao Supremo Tribunal Federal, que acumula uma série de competências relevantes em nosso sistema republicano.

Apesar de algumas críticas a este ativismo judicial, não há muita contestação sobre a ação do Judiciário nos hard cases engendrados pela omissão inconstitucional.

O Ativismo Judicial e a Omissão Inconstitucional

O juiz tem o dever de produzir a solução correta, justa e adequadamente constitucional dentro da sua visão, dentro da sua perspectiva de mundo. Não pode uma omissão inconstitucional, que perdura por quase 30 anos (vale lembrar que a promulgação da Constituição é de 5 de outubro de 1988), ser um óbice para o gozo de direitos e garantias fundamentais. 

Vale destacar, ainda, que o art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro[ii] preconiza que em caso de omissão o juiz deverá julgar de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 

Não obstante, deve-se aduzir que o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão afiguram-se como instrumentos capazes de solver as omissões inconstitucionais.

As sentenças aditivas vêm mitigar um universo tradicional de interpretação jurídica. Universo este marcado pelo formalismo jurídico, pelo positivismo jurídico e pelo legalismo, os quais entraram em crise no século passado. Esse antigo modelo consistia em: 

I) a norma trazia a solução que o legislador (constitucional ou infraconstitucional) preconizou em abstrato para resolver o problema; 

II) os fatos concretos eram subsumidos na norma, engendrando-se assim um silogismo (norma seria premissa maior e fatos concretos seriam a premissa menor) que produziria a decisão judicial; 

III) juiz responsável por revelar no caso concreto, a solução pré-pronta na norma. Nas palavras do Ministro Barroso: “(...) a função judicial já não estará legitimada apenas na regra tradicional de separação dos Poderes, em que o juiz aplica a regra que o legislador ou constituinte criou”[iii].

Não que o modelo de interpretação jurídica tradicional tenha sido sepultado, e nem mereça ser utilizado em determinados casos judiciais, ele é apenas insuficiente diante dos casos de omissão inconstitucional, principalmente, a legislativa. 

Por isso, quando se pensa que a função do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão é apenas constituir o Poder Legislativo em mora, tem-se uma assaz abdicação da teleologia dos institutos. A função dos referidos institutos é possibilitar, ratificando, o gozo de direitos e garantias previstos constitucionalmente, e a decisão, quando se trata desses institutos, há de ter um perfil mais aditivo.

O Ativismo Judicial e a Separação de Poderes

Há que se trazer a lumen que a judicialização[iv] das omissões inconstitucionais, certamente, faz com que haja a transferência do poder político das instâncias tradicionais, Legislativo e Executivo, para o Poder Judiciário. Se existe norma constitucional criando determinado direito, tem-se, por conseguinte, uma pretensão com fulcro na Lex Fundamentallis que pode ser deduzida.

Essa transmissão de poder para o Judiciário por muitas vezes pode ser estratégica, haja vista que certos temas políticos são muito custosos e podem fazer com que os detentores de mandato eletivo sofram com a perda de votos por causa de suas decisões, enquanto os pretores após suas tomadas de decisões não passam pelo crivo popular.

Essa transmissão é imprescindível quando há uma norma de eficácia limitada, que deveria ser complementada pelo Legislativo, mas que não tem qualquer regulamentação mesmo depois de longo período da promulgação da Constituição. 

Nesses casos, sendo o Judiciário instado a se pronunciar, este deve engendrar uma decisão que corrobore, ainda que minimamente, no gozo do direito pretendido. Uma omissão inconstitucional não deve, ou não deveria existir, por quase 30 anos, nesse caso tem-se uma inércia legislativa inconstitucional institucionalizada, cite-se, por exemplo, a lei de tributação sobre as grandes fortunas, em que há a previsão constitucional sobre a tributação de grandes fortunas no art. 153, VII da Constituição Federal, porém a norma para regular tal tributação até hoje é inexistente.

Além disso, deve ser elucidado que um grau moderado de protagonismo judicial[v] tem servido bem ao país, por exemplo, graças a esse papel preponderante pode ser reconhecida a união entre casais do mesmo sexo (que é uma forma de conformação do princípio da isonomia e do macroprincípio da dignidade da pessoa humana), foi permitida a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, foi dado um tratamento jurídico ao nepotismo e foi possível estabelecer as salvaguardas institucionais às terras indígenas, no caso que ficou conhecido com decisão raposa serra do sol. 

As sentenças aditivas, as quais são expressões desse protagonismo judicial, estão intrínsecas a uma participação intensa do Judiciário na concretização dos valores e dos fins constitucionais, pugnando por uma interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.

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Referências:

 

[i] SWEET, Alec Stone. Governing with judges: constitutional politic in Europe, 2000. In: BARROSO, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 384.

[ii] Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

[iii] BARROSO, Luís Roberto. Caderno da Justiça Federal nº 30, 2014, p. 27.

[iv] O fenômeno da judicialização pode ser explicado por causa de três fatores: 

A) reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, sendo, portanto, essencial para as democracias modernas; 

B) desilusão com a cenário político por causa da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral; 

C) os detentores de mandatos políticos preferem que as questões controvertidas, que envolvam temas com uma carga moral muito grande, sejam decididas pelo Judiciário” BARROSO, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 55.

[v] “Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. 

Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais.”

 BARROSO, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 388.