Autotutela e Jurisdição: Compreendendo o Poder do Estado na Solução de Conflitos

A busca por justiça e a resolução de conflitos são preocupações fundamentais em qualquer sociedade. Ao longo da história, houve uma evolução significativa na forma como esses conflitos são tratados. Antigamente, a autotutela era uma prática comum, onde as partes envolvidas resolviam suas disputas de maneira arbitrária, muitas vezes recorrendo à força física. No entanto, na atualidade, a jurisdição é o principal meio pelo qual a justiça é buscada, garantindo um processo legal e imparcial. Neste artigo, vamos explorar os conceitos de autotutela e jurisdição, destacando a evolução da autotutela para jurisdição e a responsabilidade exclusiva do Estado no poder e dever de resolver conflitos.

I. Autotutela: Exercício Arbitrário das Próprias Razões

A autotutela, em sua essência, representa o exercício arbitrário das próprias razões. Isso implica que as partes envolvidas em um conflito busquem justiça por conta própria, sem seguir procedimentos legais. Essa abordagem carece de fundamentação legal e imparcialidade, e as decisões são frequentemente motivadas por emoções, vingança ou interesses pessoais. A autotutela foi prática comum em sociedades antigas, onde a ausência de um sistema legal organizado levava as pessoas a resolver disputas por meio da força física ou meios arbitrários. No entanto, essa abordagem frequentemente resultava em conflitos intermináveis e desordem social.

Situações em que a Lei Permite a Autotutela

O art. 345 do Código Penal criminaliza o ato de "fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite.". Isso significa que, em regra, a autotutela, ou seja, a prática de buscar justiça por conta própria, é considerada crime. No entanto, há situações específicas em que a lei permite a autotutela, como:

a) Legítima Defesa: O indivíduo tem o direito de se defender contra uma agressão injusta e iminente. A legítima defesa é reconhecida como uma exceção à proibição da autotutela.

b) Estado de Necessidade: Quando alguém age para evitar um perigo iminente à vida, integridade física ou patrimônio, e não há outro meio disponível para evitar o dano, a lei reconhece o estado de necessidade como justificativa.

c) Exercício Regular de um Direito: Refere-se a situações em que uma pessoa toma medidas que, à primeira vista, podem parecer autotutela, mas são permitidas pela lei devido ao exercício legítimo de um direito. Por exemplo, o proprietário pode retomar a posse de sua propriedade por meio de um oficial de justiça devidamente autorizado, como um despejo legal.

II. Jurisdição: O Poder-dever do Estado de Solucionar Conflitos

A jurisdição representa o sistema contemporâneo de busca pela justiça, expressando o compromisso do Estado em resolver conflitos e assegurar a aplicação da justiça por meio do aparato judicial. Este sistema é regulamentado e fiscalizado para garantir que todas as partes envolvidas tenham acesso a um processo imparcial e equitativo. Na jurisdição, o Estado, através do Poder Judiciário, age como um terceiro imparcial que garante que as decisões sejam tomadas de acordo com a lei, com base em evidências apresentadas e de acordo com princípios legais objetivos.

Exclusividade do Estado na Solução de Conflitos

A exclusividade do Estado na resolução de conflitos é um princípio central que se baseia na ideia de que o Estado detém o monopólio do uso legítimo da força e, portanto, é o único ente com o poder e o dever de resolver disputas de maneira justa e imparcial. O termo "poder-dever" significa que o Estado não apenas tem a autoridade para intervir e resolver conflitos, mas também possui a obrigação moral e legal de fazê-lo em prol da manutenção da ordem e da justiça na sociedade. Essa exclusividade assegura que as decisões sejam tomadas de acordo com a lei, garantindo a proteção dos direitos individuais, a promoção da igualdade perante a lei e a prevenção da autotutela, evitando assim injustiças que podem surgir quando as partes envolvidas tentam resolver conflitos por conta própria.

O Papel do Estado como Substituto das Partes em Conflitos

A jurisdição compreende o Estado atuando como um terceiro imparcial, substituindo as partes envolvidas no conflito a fim de garantir uma decisão justa e legal. Esse processo assegura que a vontade das partes envolvidas seja substituída pela autoridade da lei, garantindo que os conflitos sejam resolvidos de forma justa, igualitária e de acordo com as normas legais estabelecidas.

Conclusão

A evolução da humanidade trouxe consigo a necessidade de solucionar conflitos de maneira justa. A transição da autotutela para a jurisdição demonstra a importância de um sistema legal imparcial, regulado e acessível a todos. Embora a autotutela possa encontrar justificativas em situações excepcionais, como a legítima defesa, o estado de necessidade e o exercício regular de um direito, é inegável que a jurisdição, como exclusividade estatal, desempenha um papel crucial na manutenção da ordem e da justiça.