Contrato de Namoro: Brasil bate recorde em número de registros 

Cartórios registraram um aumento de 35% em 2023

O Brasil registrou um aumento de 35% no número de contratos de namoro firmados entre casais em 2023. Dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB) apontam que, no ano passado, foram celebrados 126 acordos desse tipo em cartórios de todo o país. Outro dado interessante trazido pelo levantamento, publicado com exclusividade pela Folha de São Paulo, é que o mês de julho é o de maior adesão. No ano passado, 63 contratos foram firmados logo após o Dia dos Namorados.

Esse tipo de acordo existe desde os anos de 1990, mas só passou a ser confeccionado com mais frequência a partir de 2016, quando o CNB criou uma base nacional para contabilizar esses números. 

Endrick e Gabriely

Em abril deste ano, as buscas por este documento aumentaram de maneira significativa após o jogador do Palmeiras Endrick, de 17 anos, contar em um podcast que tinha um contrato de namoro com a sua companheira, Gabriely Miranda. O atleta explicou que eles seguem à risca o contrato redigido pela própria influenciadora. 

Segundo o casal, cláusulas como manter o relacionamento baseado em respeito, compreensão e carinho, proibição de mudanças drásticas de comportamento, obrigatoriedade de dizer eu te amo em qualquer situação e até a proibição do uso de palavras como “aham” e “tá”, são algumas previstas no documento. O contrato, porém, não é oficial, pois está apenas no celular do casal. 

Em uma realidade de relacionamentos cada vez mais efêmeros, o Direito Civil vem tendo que se adequar às novas realidades e é, neste cenário, que o contrato de namoro vem ganhando espaço. O Instituto de Direito Real convidou a professora de Direito de Família e coordenadora do grupo de estudos "Interfaces entre Direito de Família e Direito do Trabalho", Laira Carone Rachid, para explicar o que é um contrato de namoro e quais as suas particularidades. 

Contrato de Namoro: o que é?

O contrato de namoro nada mais é do que uma declaração de que o casal está em um namoro, e não em uma união estável, e que não tem intenção em não constituir uma família. O documento busca disciplinar a relação em que vive o casal e resguardar a situação patrimonial. A professora Laira Carone Rachid explica que, com a celebração deste documento, o casal está isento de qualquer efeito jurídico decorrente desta união. 

"O contrato de namoro tem como objetivo esclarecer que a relação amorosa das partes não constitui união estável ou união homoafetiva, afastando os efeitos jurídicos que incidem nestes dois tipos de união, em ambos equiparados aos do casamento. Pelo fato de o namoro não gerar efeitos jurídicos, as partes que celebram um contrato de namoro, em tese, estariam isentas de qualquer efeito jurídico decorrente desta união, a saber: divisão de bens e eventual pagamento de pensão alimentícia quando do término do relacionamento e direitos sucessórios quando da morte de um deles". 

Para formalizar um contrato de namoro, as partes precisam ser capazes e a especialista ressalta que, após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência,” capazes são todos aqueles maiores de idade”.  

O contrato de namoro tem ganhado cada vez mais adeptos no Brasil. O levantamento do Colégio Notarial do Brasil mostra que, de janeiro a maio deste ano, 44 casais já assinaram este documento no país.  Para a professora, o aumento no número de registros foi uma das consequências da pandemia, que mudou a forma como as pessoas se relacionam e influenciou na economia de muitos casais. 

“O aumento do número de registros de contratos de namoro deve-se à popularização dos mesmos que ocorreu na pandemia. Muitos namorados passaram a morar juntos durante a pandemia e o receio de que o relacionamento fosse interpretado como união estável ou homoafetiva, certamente foi determinante para tal aumento. Ademais, no pós-pandemia, a crise econômica fez com que muitos namorados que viviam em casas separadas passassem a morar juntos, buscando redução de gastos. O fato de morarem juntos e dividirem despesas da casa poderia ser usado como um dos meios de prova de que vivem em união estável ou homoafetiva. Assim, para evitarem qualquer interpretação equivocada, que poderia vir a gerar efeitos jurídicos”.

Contrato de Namoro: como fazer?

O registro de um contrato de namoro é bem simples. Para a elaboração do documento, basta que o casal vá até um cartório com documentos pessoais e declare a sua vontade. Com o documento redigido e assinado, ele tem validade imediata.  Apesar de não precisar, necessariamente, ser elaborado por um advogado, Laira reforça que o profissional pode orientar melhor as partes e, assim, evitar problemas futuros. 

“Trata-se de um contrato bilateral, feito com o consenso das partes envolvidas. Portanto, precisam redigir o contrato, que será assinado por ambos e registrado em cartório. Não é necessário que seja elaborado por advogado, mas tal profissional poderá orientar melhor as partes que desejarem formalizá-lo Caso o contrato de namoro não seja registrado em cartório, surtirá efeito, apenas, para as partes, não surtindo efeito perante terceiros”. 

Contrato de Namoro x União Estável

Este fenômeno está diretamente ligado às mudanças na legislação de união estável, que determina que se o casal tem convívio público, duradouro e a finalidade de construir uma família, o relacionamento pode ser reconhecido como união estável. Este tipo de relação pode, inclusive, ser declarada após a morte de uma das pessoas do casal.

O artigo 1.723 do Código Civil traz o conceito de união estável e descreve os elementos necessários para sua caracterização. A lei não exige mais um prazo mínimo de relacionamento para a configuração da união estável.

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família"

Mas qual é a diferença entre um contrato de namoro e uma união estável? Laira Carone explica que o primeiro não tem o elemento “affectio familiae”, enquanto o segundo sim. 

 “A diferença entre namoro e união estável ou homoafetiva é o fato de que, no primeiro, não há o elemento “affectio familiae”, ou seja ânimo/vontade de constituir família. Pode existir vontade de tornarem o relacionamento mais sério, futuramente, mas não no presente. De acordo com o Princípio da Afetividade, toda vez que estivermos diante de pessoas que vivem em união pública, duradoura, contínua e que possuem ânimo de constituir família, deverão ser tratadas desta forma, devendo o Direito de Família regular tais relações. Assim, as uniões estáveis e homoafetivas produzirão efeitos jurídicos, enquanto o namoro, não”. 

Contrato de Namoro: jurisprudência

Por ser um tema relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, ainda são poucas as decisões que versam sobre o tema, mas a professora reforça que “a jurisprudência pátria tem considerado que o contrato de namoro será válido, desde que, na prática, não reste apurado o ânimo de constituir família. Neste caso, o contrato seria válido, mas ineficaz diante da transmutação do namoro em união estável ou homoafetiva”.