Uma polêmica tomou conta das redes sociais na última semana: a pensão paga por Éder Militão, jogador do Real Madrid, à filha Cecília, de quase dois anos. Tudo começou quando a mãe da menina, a modelo e influenciadora Karoline Lima, publicou uma série de vídeos na internet se queixando de que o zagueiro interrompeu os pagamentos de duas profissionais que prestavam serviço para a criança: a professora de natação, que cobrava R$ 800,00, e a empregada doméstica. Segundo o relato de Karoline, o motivo seria a mudança dela com a filha para o Rio de Janeiro para morar com o então namorado.
Nas redes sociais, a ex-companheira de Militão afirmou que recebe uma pensão alimentícia de seis salários mínimos, o equivalente a R$ 8.472, e o jogador ainda arcaria com despesas como: plano de saúde, aluguel, atividades extracurriculares, o salário da babá e da empregada doméstica.
A situação chamou a atenção e gerou polêmica, pois o valor pago pelo jogador não representa nem 1% de seu salário, que recebe 6 milhões de euros por temporada.
A pergunta que fica é: como deve ser a pensão alimentícia de pais milionários? Para explicar esta questão, o Instituto de Direito Real conversou com o advogado e especialista em Direito de Família João Vitor.
Pensão Alimentícia
Garantida por lei, a pensão alimentícia ainda é um assunto que gera muitas dúvidas. E antes de entrarmos, de fato, no imbróglio que envolve o Éder Militão e Karoline Lima, João Vitor explica o que é este direito e quem tem direito ao benefício.
"A pensão alimentícia é o valor pago por alguém para satisfazer as necessidades de subsistência de alguém. Ela pode ser paga até o limite de idade de 24 anos".
O advogado reforça ainda que este valor não é, necessariamente, pago pelos genitores, e pode, sim, ser realizado por terceiros. Quando os pais são incapazes de realizar o pagamento, seja por insuficiência financeira, ausência ou mesmo falecimento, os avós podem ser legalmente obrigados a pagar pensão alimentícia aos netos. Esta obrigação, que está amparada pelo artigo 1.698 do Código Civil brasileiro, é conhecida como alimentos avoengos.
Art. 1.698, CC. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
A estipulação do valor de uma pensão alimentícia leva em consideração alguns critérios estabelecidos pelo Código Civil. Não existe percentual fixo, a pensão é calculada caso a caso. Os três parâmetros pontuados são, segundo João Vitor, a necessidade da criança, a possibilidade dos pais e a proporcionalidade.
O advogado ressalta que os dois primeiros pontos estão diretamente ligados, pois a pensão alimentícia será calculada equilibrando as necessidades de quem vai receber e as possibilidades de quem vai pagar.
A necessidade da criança, como o próprio nome já diz, está ligada diretamente ao que é necessário para se ter uma vida digna. O advogado enfatiza que, apesar do termo "alimentos", ela não diz respeito apenas à nutrição de quem recebe. O valor deve suprir os gastos com alimentação, moradia, educação, vestuário, saúde e lazer. Paralelo a isto, na hora de fechar o valor da pensão, o juiz também leva em conta a capacidade econômico financeira do pagador. O alimentante não pode prejudicar o seu próprio sustento ou o de outros familiares em detrimento da pensão.
A última parte deste trinômio, a proporcionalidade, significa que o genitor que pode mais, paga mais. O artigo 1.703 do Código Civil a prescreve como “para a manutenção dos filhos, os cônjuges contribuirão na proporção de seus recursos". Em linhas gerais, os pais devem contribuir para a manutenção dos filhos proporcionalmente aos recursos que auferem.
Assim, a necessidade do filho não pode prevalecer sobre a capacidade do pai/mãe, nem a capacidade do pai/mãe deve ser indiferente à necessidade do filho. Para que não haja perda para o alimentando e o alimentante, o especialista em Direito de Família reforça que é necessário o equilíbrio e a harmonia entre os critérios citados na hora de fixar uma pensão.
Punições
No começo de maio, o jogador de futebol Jô, atleta do Amazonas e ídolo do Corinthians, foi preso por não pagar pensão alimentícia. O processo que levou ao mandado de prisão corre em segredo de Justiça por envolver um menor de idade. Após a prisão, a defesa do jogador protocolou os comprovantes de pagamento e solicitou a sua soltura, que foi acatada pela Justiça. Jô passou uma noite na cadeia e foi solto no dia seguinte.
O caso de Jô não é isolado. Dados publicados pelo portal R7 mostram que, no Distrito Federal, o número de pessoas presas por dívida de pensão alimentícia aumentou 94% entre 2022 e 2023. Em 2022, os três maiores estados do Sudeste do Brasil também registraram um boom de prisões por dívidas de pensão. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais totalizaram, de janeiro a junho, um número maior do que o registrado em todo ano de 2021.
Então, o atraso no pagamento da pensão pode levar o devedor à prisão? Sim!
A prisão civil no Brasil é permitida em casos de inadimplemento da pensão alimentícia. Prevista no inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal, ela já pode ser determinada com a primeira parcela em atraso. Após um dia de não pagamento é possível entrar com pedido judicial de prisão contra o devedor de alimentos. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro orienta, porém, que não deixe o atraso ultrapassar três meses porque só as dívidas dos últimos três meses são capazes de levar à prisão.
O devedor pode permanecer preso por até 90 dias ou até que realize o pagamento da dívida, o que ocorrer primeiro. Após esse período, ele deverá ser solto independentemente se pagou ou não. Caso não realize o pagamento, a dívida permanece e o próximo passo será cobrá-lo por outros meios judiciais, como a penhora de bens ou protesto em cartório.
Prisão Civil Pode Ser Cassada quando não For Medida Mais Eficaz para Obrigar Devedor de Pensão Alimentícia a Pagar Débito
Em março deste ano, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é possível cassar a prisão civil contra o devedor de pensão alimentícia quando a medida não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir com as suas obrigações. Com base nesse entendimento, o colegiado concedeu habeas corpus a um homem ao comprovar que sua filha, com 26 anos, e já atuando como advogada, possuía condições financeiras de se manter.
O relator do habeas corpus, ministro Moura Ribeiro, reforçou que a restrição da liberdade só é justificável se contribuir para garantir o pagamento da pensão em atraso, se for a medida mais adequada para manter a subsistência do alimentando e se representar a abordagem que combine a máxima efetividade com a mínima restrição de direitos do devedor.
Éder Militão x Karoline Lima
Conforme explicado pelo especialista ouvido pelo Instituto de Direito Real, o objetivo da pensão não deve ser apenas prover a alimentação ou as necessidades básicas da criança, mas também igualar o padrão de vida do filho ao do pai. Em resumo, o alimentando precisa ter tudo o que teria se morasse com o genitor.
"A legislação não criou um termo, uma lei ou um artigo específico para tratar do valor da pensão que o filho de um pai milionário deve receber. Em casos como o do Militão, a interpretação que é feita é que a pensão deverá garantir ao filho um padrão de vida similar ao que ele poderia ter se morasse com o pai. O juiz vai analisar as necessidades da criança. Se ela, por exemplo, tem necessidade A, B, C e D, mas o pai tem possibilidades de A a Z, isso será levado em consideração. O que muitas pessoas não entendem é que a pensão não será fixada de forma milionária, mas sim, buscará reproduzir como se aquele filho tivesse, de fato, morando com o pai˜, explica João Vitor.
O advogado ainda ressalta o que faria caso estivesse envolvido no caso do jogador.
˜Eu tentaria fazer uma equivalência entre o que a criança precisa para sobreviver, o que o pai pode pagar e o que o pai pagaria se o filho estivesse morando com ele. E dentro desses critérios de necessidade da criança, possibilidade do pai e proporcionalidade, tentar dar para a menor uma pensão mais equivalente possível à realidade financeira do genitor. Então, na prática, a pensão de um milionário segue os mesmos critérios de uma pensão comum, mas com algumas particularidades".
Pensão in natura x pensão in pecunia
Ainda nas redes sociais, Karoline Lima falou que aceitou o pagamento de pensão in natura quando estavam em processo de acordo. Nesta modalidade, o alimentante, o jogador Éder Militão, quita suas obrigações diretamente com os prestadores, ou seja, o dinheiro não é depositado para a mãe da menor.
O pagamento da pensão alimentícia pode ser feito de duas maneiras: in natura, como é o caso do jogador, in pecunia, ou em ambos os formatos. O advogado e especialista em Direito de Família João Vitor explica a diferença entre elas.
"Quando falamos de pensão alimentícia in pecunia, estamos abordando especificamente em dinheiro. Por exemplo, fulano foi obrigado a pagar x salários mínimos. Porém, quando dizemos pensão alimentícia in natura, estamos afirmando que essa pessoa não está sendo obrigada ou não está pagando a pensão em dinheiro, mas sim através de outro benefício, que pode ser um plano de saúde, mensalidades escolares, aluguel"