A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 11 de junho, a taxação das compras internacionais de até US$ 50. O texto recebeu 380 votos favoráveis e 26 contrários. O dispositivo, aprovado como emenda no projeto de lei do Mover, cria uma alíquota de 20% sobre essas compras. Agora o PL vai para sanção ou veto do Presidente da República.
Em entrevista à rádio CBN, o presidente Lula afirmou que é contra a taxação, mas indicou que não deve vetar a medida. Para ele, a taxação dos itens prejudica a parcela mais pobre da população.
Com a sanção do projeto, os produtos importados passarão a ser taxados duas vezes: com o novo imposto federal e com o ICMS. Por ser um imposto de importação, ele não segue o princípio da anterioridade, ou seja, não está sujeito à anualidade e à noventena, e já incidirá diretamente sobre as compras.
O Instituto de Direito Real conversou com Luciana de Oliveira Zimmermann, professora de Direito Tributário e de Direito Administrativo e analista de Direito do Ministério Público de Minas Gerais, que explicou como será feita a cobrança e como o dispositivo influenciará na vida dos brasileiros.
‘Taxa das Blusinhas’
Como a taxação de compras importadas de até 50 dólares impacta diretamente em sites como Shopee, Shein e AliExpress, o imposto ficou popularmente conhecido como “taxa das blusinhas”, mas a professora rejeita esta nomenclatura. Luciana Zimmermann explica que esta denominação é equivocada, pois passa a impressão de que serão tributados apenas bens supérfluos.
“Para os leigos esta denominação dá ideia de que está se instituindo uma nova taxa ou mesmo um novo tributo, o que não é verdade. No segundo momento, frente a uma leitura superficial sobre o assunto, “taxa das blusinhas”, além de ter um teor pejorativo, passa a impressão de que somente serão tributadas as “blusinhas”, ou seja, bens supérfluos, o que também não é verdade”.
A professora de Direito Tributário reforça que o Projeto de Lei nº 914/2024 propõe mudanças significativas no cenário legislativo nacional. Uma delas é a extinção da isenção concedida anteriormente para as compras no exterior de até US$50.
“Com a isenção concedida para as compras de produtos estrangeiros de até US$50, tais consumidores estavam dispensados do pagamento do imposto de importação, mas com a revogação deste benefício fiscal, estes consumidores terão a obrigação de recolher o aludido imposto”.
A justificativa para a aprovação desta política fiscal é aumentar a competitividade dos produtos brasileiros e proteger o comércio varejista local. A tendência é que, com a medida, os artigos importados sofram reajustes de preços.
“A política fiscal denominada “Taxa das Blusinhas” visa aumentar a arrecadação, mas, principalmente, proteger a indústria nacional da competitividade dos produtos estrangeiros, uma vez que estes, na maioria das vezes, são bem mais baratos que os seus correspondentes nacionais, porque, em seus países de origem, o valor da mão de obra e a tributação sobre o consumo são bem menores que no Brasil”.
Cenário Atual
Nos últimos anos, compras internacionais feitas em aplicativos ou sites de e-commerce cresceram exponencialmente. Um levantamento feito pela empresa NielsenIQ Ebit e publicado pelo Valor Econômico aponta que o percentual de brasileiros que compram em sites estrangeiros alcançou 72% em 2022. A professora associa este crescimento ao valor atrativo dos produtos internacionais frente aos produtos nacionais e, também, à facilidade no acesso a produtos que não são encontrados ou fabricados no Brasil.
Atualmente, as compras internacionais no valor de até US$ 50, com frete e outros encargos, são isentas de Impostos de Importação, cuja alíquota é de 60%. Isso ocorre porque, em agosto de 2023, no âmbito do Programa Remessa Conforme, o Governo Federal isentou as compras internacionais que se enquadram neste grupo.
“A Remessa Conforme é um programa criado pela Receita Federal com o objetivo de tornar o fluxo de importação de produtos mais simples, ágil e eficiente, reformulando as regras de tributação para compras internacionais, trazendo para as empresas de e-commerce, que aderirem ao programa, vantagens tributárias e aduaneiras”.
Luciana ressalta que, frente a este programa, “a alteração legislativa fiscal prevista no Projeto de Lei nº 914 de 2024 é um retrocesso na tributação sobre o comércio internacional”.
O que Muda?
O que esperar caso o texto seja aprovado? Luciana afirma que os brasileiros irão sentir um aumento considerável.
“Os brasileiros que estão acostumados a comprar produtos estrangeiros de pequeno valor, através ou não de aplicativo de e-commerce, sentirão um aumento considerável de, aproximadamente, 40% no valor do produto estrangeiro adquirido, o que pode levá-lo a deixar de consumir tais produtos internacionais e dar preferência aos produtos nacionais, cumprindo, assim, a função extrafiscal do imposto de importação, que é intervir na iniciativa privada estimulando ou desestimulando o consumo”.
A especialista em Direito Tributário reforça que, apesar de visar a arrecadação, a tributação pode causar uma problemática.
“O problema surge quando os produtos estrangeiros não têm correspondente em nosso país e, assim, esta política protecionista fiscal perde uma das suas funções e, tira do brasileiro de baixa renda o acesso a produtos que para ele podem ser necessários ou até essenciais”.
Como Fica na Prática?
Mesmo com ampla divulgação, a ‘taxa das blusinhas’ ainda causa muitas dúvidas. O que todos querem saber é como será sentido no bolso. Luciana explica que o cálculo do imposto de importação sobre as compras internacionais de até US$50 será através da incidência da alíquota de 20% sobre a base de cálculo, que é o valor constante na fatura comercial. No entanto, também pode ser o preço estipulado pelo Conselho de Política Aduaneira e a pauta do valor mínimo, definida pela Comissão Executiva do Conselho.
“O consumidor que adquire um produto estrangeiro no site da Shopee, cujo valor é de R$ 250, que antes do referido projeto de lei não pagaria o imposto de importação, passará a pagar a título deste tributo 20% sobre o valor do produto, ou seja, mais R$ 50 e, não se pode esquecer do ICMS que também incide sobre esta aquisição, que será de, aproximadamente, R$42,50. Por fim, com a aprovação do Projeto de Lei nº 914/2024, sobre a aquisição do produto estrangeiro de R$ 250, o consumidor pagará mais R$50 a título de imposto de importação e, sendo o ICMS um imposto indireto, ou seja, que pratica a repercussão tributária, ele onera o consumidor da mercadoria, fazendo que o produto estrangeiro adquirido também seja acrescido de, aproximadamente, R$ 42,50 referente ao ICMS. Assim, o produto estrangeiro que, antes era adquirido por R$ 250, com a aprovação da nova política fiscal sobre as compras internacionais, passará a ser no valor de, aproximadamente, R$342,50”.
Próximos Passos
A professora Luciana Zimmerman prevê que, caso seja sancionada pelo Presidente da República nos próximos dias, a nova política fiscal comece no mês de julho.
“Considerando que o imposto de importação, por ter caráter extrafiscal, não respeita os princípios da anterioridade e da noventena, conforme previsto no §1º do artigo 150 da CF, as compras internacionais de até U$ 50 perderão a isenção e os seus consumidores passarão a pagar 20% de imposto de importação sobre o produto estrangeiro adquirido cujo valor seja até US$ 50. Assim, a previsão é de que, já no mês de julho de 2024, com a sanção do Presidente da República, as compras internacionais de até US$ 50, que pela cotação do dólar nesta data, são compras de até R$271,00, passarão a ter que pagar 20% do imposto de importação somados cumulativamente ao ICMS dos Estados, que gira em torno de 17%”.
Confira a entrevista completa de Luciana de Oliveira Zimmermann, professora de Direito Tributário e de Direito Administrativo e analista de Direito do Ministério Público de Minas Gerais, para o Instituto de Direito Real.