A letalidade policial é tema recorrente no dia a dia dos brasileiros. A Polícia brasileira é a que mais mata no mundo (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016). Para aqueles que moram no Estado do Rio de Janeiro, essa realidade é ainda mais evidente, pois a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) é uma das que mais mata no país. Nos noticiários fluminense, dia e noite, há relatos sobre confrontos entre policiais e bandidos e, eventualmente, vítimas fatais desses confrontos. Os números impressionam, embora muitas pessoas nem se deem conta da situação. Em 2016, no Estado do Rio de Janeiro, morreram 6.262 pessoas por mortes violentas, dessas, cerca de 15%, 925 pessoas, foram mortas pela polícia. Na Cidade do Rio, no mesmo ano, foram 1.909 mortes por crimes violentos, dessas, 423, aproximadamente 22% dos casos, pela polícia.
A polícia é organização essencial para manutenção da ordem e da segurança, e, eventualmente, o policial poderá se valer do uso da força, até mesmo de forma letal, para garantir a sua segurança e a de terceiros. A Polícia Militar, por ser uma polícia ostensiva, está mais suscetível a esse tipo de situação. No entanto, o uso da força deve ser proporcional à ameaça, se não for, o policial está extrapolando seus poderes e, consequentemente, está cometendo crimes.
No caso fluminense, no entanto, quase todos os homicídios provocados pela polícia não são devidamente investigados, o que abre margem para duvidar se de fato em todos os casos os policiais agiram dentro da lei. Muito pelo contrário, no Rio, há diversas denúncias informando que em muitos casos a polícia agiu à margem da lei, cometendo execuções extrajudiciais.
Com tudo isso, a alta letalidade policial, a quase ausência de investigação dessas letalidades e os diversos indícios de execuções extrajudiciais que pairam sobre a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, surgem alguns questionamentos: no Rio de Janeiro, existe uma cultura de assassinato em nome do Estado? Se sim, como é possível um Estado Democrático de Direito conviver com isso? Há algo sendo feito para combater essa alta letalidade policial? Se sim, tem produzido efeitos?
Para responder essas questões, o presente artigo se valerá do Neoinstitucionalismo, paradigma teórico que se desenvolveu em diversas ciências sociais e que busca compreender os resultados políticos, sociais e econômicos por meio das instituições. Em primeiro plano, será exposto a origem e evolução da teoria institucional nas últimas décadas, bem como uma análise rápida sobre suas várias vertentes, o Institucionalismo Sociológico, Histórico e da Escolha Racional.
Evolução Histórica da Teoria Institucional
O institucionalismo é um paradigma intelectual que se desenvolveu nas ciências sociais, erigindo as instituições como objeto central à explicação de resultados políticos, sociais e econômicos. Bruno Théret (2001, p. 225) informa que o institucionalismo se destaca:
O estudo institucionalista é uma corrente de pensamento bastante complexa que se desenvolveu em diversos momentos e em diversas ciências distintas, tais como a Economia, Ciência Política e Sociologia. Por isso, sua origem não é nada pacífica na academia. Na Sociologia, por exemplo, Nelson Santos Filho (2009) defende que institucionalismo surgiu a partir do século XX, na década 50, por Philip Selznick, nas obras TVA and the grass roots (1949), The organizational weapon (1952) e Leadership in administration (1957). No entanto, Andressa França (2009), embora reconhecendo que vários autores atribuam a Selznick o pioneirismo da perspectiva institucional na Sociologia, informa que as suas raízes vêm desde Émile Durkheim. Na Economia, por sua vez, Vagner Silva (2012) defende que o nascimento do pensamento institucional ocorreu com Thorstein Veblen no século XIX. Já na Ciência Política, Paulo Sérgio Peres (2008) defende que, a grosso modo, desde Aristóteles (com o estudo das constituições atenienses) já era presente a análise institucional, no entanto, o autor pondera alegando que o institucionalismo foi revitalizado “a partir do século XVII, com a sistematização do contratualismo moderno por Locke e aprimorado, em seguida, por Montesquieu, na primeira metade do século XVIII” (PERES, 2008, p. 54).
O estudo institucionalista é uma corrente de pensamento bastante complexa que se desenvolveu em diversos momentos e em diversas ciências distintas, tais como a Economia, Ciência Política e Sociologia. Por isso, sua origem não é nada pacífica na academia. Na Sociologia, por exemplo, Nelson Santos Filho (2009) defende que institucionalismo surgiu a partir do século XX, na década 50, por Philip Selznick, nas obras TVA and the grass roots (1949), The organizational weapon (1952) e Leadership in administration (1957). No entanto, Andressa França (2009), embora reconhecendo que vários autores atribuam a Selznick o pioneirismo da perspectiva institucional na Sociologia, informa que as suas raízes vêm desde Émile Durkheim. Na Economia, por sua vez, Vagner Silva (2012) defende que o nascimento do pensamento institucional ocorreu com Thorstein Veblen no século XIX. Já na Ciência Política, Paulo Sérgio Peres (2008) defende que, a grosso modo, desde Aristóteles (com o estudo das constituições atenienses) já era presente a análise institucional, no entanto, o autor pondera alegando que o institucionalismo foi revitalizado “a partir do século XVII, com a sistematização do contratualismo moderno por Locke e aprimorado, em seguida, por Montesquieu, na primeira metade do século XVIII” (PERES, 2008, p. 54).
Independente da origem do pensamento institucional, é importante destacar a sua importância nas diversas ciências, haja vista que até meados do século XX (década de 1940), o estudo da instituição foi o paradigma hegemônico adotado em diversas áreas do saber, vindo, posteriormente, a ser chamado de antigo institucionalismo, contrapondo-se às abordagens institucionalista produzidas a partir de 1970, que são conhecidas como “neoinstitucionalismo” (PERES, 2008).
Paulo Sérgio Peres (2008), no texto “Comportamento ou instituições? A evolução histórica do neoinstitucionalismo da Ciência Política”, de forma didática, mostra como ocorreu o desenvolvimento da perspectiva institucional ao longo dos anos nas ciências sociais, em especial, como o próprio nome do texto sugere, na Ciência Política. O autor informa que o antigo institucionalismo era caracterizado como especulativo, descritivo e formalista. Dessa forma, ele explica que na Ciência Política, por exemplo, os politicólogos preocupavam-se extremamente em analisar “a letra” das constituições de cada nação, sopesando possíveis vantagens e desvantagens de cada modelo constitucional, a fim de modificá-los para alcançar um suposto “Bem”, sem, contudo, se ater quais os resultados reais desse ou daquele arranjo constitucional:
Devido a tal postura, esses estudiosos preocupavam-se muito mais em estabelecer modelos prescritivos de “desenho constitucional”, sob uma ótica normativa do que deveria ser a política, do que em se concentrar em “fatos objetivos”, em dados empíricos da dinâmica real dos atores e dos comportamentos (ibid., p 55).
Mas essas características não estavam presentes apenas na Ciência Política, mas também na Economia, com Thorstein Veblen, John Commons e Weslei Mitchell, e na Sociologia, com Émile Durkheim. Sendo assim, em todas as disciplinas em que se manifestou, o antigo institucionalismo era extremamente formalista e normativo. (Ibid.).
Essa análise especulativa (do que deveria ser e não do que era) e formalista do antigo institucionalismo foi insuficiente para explicar certos fenômenos, como por exemplo o nazismo, o fascismo, a crise do liberalismo e da representação (HALL; TAYLOR, 1996). Assim, a partir da década de 1940, começa a surgir um movimento clamando por maior cientificidade e mudanças metodológicas nas ciências sociais. Nasce, então, um novo paradigma teórico, o comportamentismo. (PERES; 2008).
Peres (2008) alerta que o comportamentismo é uma designação genérica do behavorismo. Esse foi um movimento teórico oriundo da psicologia norte-americana que buscava analisar de forma mais objetiva o comportamento humano. O precursor do behavorismo foi o psicólogo John Watson com o texto “A psicologia como um comportamentalista a vê” de 1917. Com esse texto, Watson (1913 apud PERES, 2008) buscava maior objetividade (cientificidade) e análises empíricas do comportamento humano.
O behavorismo foi incorporado de forma intensa pela Psicologia e posteriormente se alastrou pelas ciências sociais na forma do comportamentismo, e teve como principal contribuição trazer uma revolução metodológica:
Assim como em pelo menos parte da Antropologia e da Sociologia daquele período, na Ciência Política, o behaviorismo também representou uma rejeição às análises e aos métodos empregados até aquele momento (PERES, 2008, p. 56).
Porém, o comportamentismo não se resumiu “apenas” a trazer mais cientificidade às ciências sociais, além disso ele também se caracterizou como um movimento interdisciplinar, na medida em que houve maior interação de teorias e métodos de diversas ciências que estudavam o comportamento. Nesse sentido, Robert Dalh (1961, p. 770 apud PERES, 2008, p. 58) argumentou que um dos méritos da escola comportamentista foi a perspectiva multidisciplinar:
uma conseqüência desse protesto behaviorista foi a restauração da unidade entre as ciências sociais, ao promover uma aproximação dos estudos políticos com esses métodos, teorias, pesquisas e resultados da moderna Psicologia, da Sociologia, da Antropologia e da Economia.
Peres (2008) enumerou os principais pontos da “revolução comportamentista”: (a) descrições objetivas, (b) generalizações empíricas, (c) métodos sistemáticos e diferenciais, (d) material empírico, (e) quantificação e (f) multidisciplinaridade teórica e metodológica. Mas além desses pontos, outra característica do comportamentismo foi a retirada das instituições do centro dos estudos, deixando essas de serem variáveis explicativas dos resultados políticos e sociais, e erigindo os atores individuais como central para a análise. Enquanto os institucionalistas explicavam o resultado político, social e econômico se valendo das instituições (estas sendo entendidas como variáveis que moldam ou constrangem o comportamento), os comportamentistas explicavam as decisões políticas, sócias e econômica como resultados da soma das preferências de indivíduos que agem isoladamente (MARQUES, 2009; THÉRET, 2001).
Com essas proposições, o comportamentismo foi o paradigma hegemônico nas ciências sociais até a década de 1970, quando houve uma contrarreação do movimento institucionalista, surgindo, então, o “neoinstitucionalismo”. O retorno do institucionalismo surge como uma resposta àquele paradigma, que embora tenha trago maior rigor metodológico e científico às ciências sociais, teve diversas de suas análises teóricas e empíricas refutadas por não conseguir explicar certos resultados políticos e sociais ao ignorar uma variável fundamental para explicação do comportamento individual: as instituições. (PERES, 2008).
No entanto, é importante destacar que o neoinstitucionalismo não significou uma simples retomada da instituição nos estudos das ciências sociais. Em realidade, esse movimento representou tanto uma rejeição ao comportamentismo, que ignorava a importância das instituições na compreensão dos resultados, sociais, políticos e econômicos, quanto uma rejeição ao antigo institucionalismo, que fazia o estudo das instituições de forma pouco científica:
o neo-institucionalismo não é apenas uma rejeição cabal do comportamentalismo, mas sim uma síntese entre este e o antigo institucionalismo. Deste último, foi mantida a centralidade das instituições na explicação do fenômeno político; do primeiro, foi mantida a preocupação com o rigor teórico – especialmente a orientação dedutiva, intrínseca ao individualismo metodológico da teoria da escolha racional (Ostrom, 1991) –, com a precisão conceitual – matemática/geométrica – e com a orientação empírica da pesquisa – aplicação de testes quantitativos (PERES, 2008, p. 61).
O neoinstitucionalismo, contudo, também não se desenvolveu como uma teoria unificada e simples. Bruno Théret (2001) explica que em ao menos três disciplinas - Ciência Política, Sociologia e Economia – houve o retorno do estudo institucional nos últimos anos. Além disso, dentro de cada disciplina houve no mínimo três métodos de análise reivindicando o título de “neoinstitucionalismo”. Peter Hall e Rosemary Taylor (1996), explicando as três versões do novo institucionalismo dentro da Ciência Política, denominaram essas diferentes correntes de: Institucionalismo Histórico, Institucionalismo da Escolha Racional e Institucionalismo Sociológico.
Bruno Théret (2001, p. 226), ao analisar o neoinstitucionalismo na Economia, na Sociologia e na Ciência Política, observa que essa configuração ternária do novo institucionalismo não se deu apenas na Ciência Política, mas também na Sociologia e na Economia, mesmo que com denominações e algumas características distintas, conforme se observa no fragmento abaixo:
Este texto enfatiza precisamente as tendências que influenciam a dinâmica interna da Ciência Política, da Economia e da Sociologia, como disciplinas separadas, e as relações entre esses três campos. Com esse objetivo, mostraremos, inicialmente, que independentemente das disciplinas, os novos institucionalismos se diferenciam a partir de duas grandes oposições: 1) o peso que atribuem na gênese das instituições aos conflitos de interesse e de poder ou à coordenação entre indivíduos; 2) o papel que imaginam que desempenham na relação entre as instituições e no comportamento dos atores a racionalidade instrumental calculadora ou as representações e a cultura. A recorrência dessas oposições indica a existência de uma configuração ternária nos atuais paradigmas institucionalistas, que transcende as fronteiras das disciplinas das ciências sociais.
Assim, Théret (2001) ensina que enquanto na Ciência Política as três versões do neoinstitucionalismo foram o Institucionalismo Histórico, da Escolha Racional e Sociológico, na Economia essas abordagens aparecem como Nova Economia Institucional (Institucionalismo da Escolha Racional), Economia das Convenções (Institucionalismo Sociológico) e Teoria da Regulação (Institucionalismo Histórico). Na Sociologia aparecem como Institucionalismo Sociológico (mesmo nome na Ciência Política), da Escolha Racional (também com o mesmo nome) e Sociologia histórica e cultural (Institucionalismo Histórico).