Intervenção do Estado na Propriedade Privada - A Jurisprudência do STJ 

Explore os casos e modalidades de intervenção do Estado na propriedade privada segundo a jurisprudência do STJ. Saiba como isso afeta os direitos dos proprietários.

STJ
Por Giovanna Fant - 26/06/2024 as 13:28

O que é a Propriedade Privada?

Prevista pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, inciso II e art. 5º, inciso XXII, a propriedade privada configura o direito legal e moral do proprietário, possuir, controlar e utilizar bens, recursos e ativos voltados ao seu benefício próprio. Isto é, deter o direito real e individual de posse e usufruto exclusivo de bens ou espaços, que confere ao proprietário a capacidade de usar, usufruir e dispor da coisa e, ainda, o direito de recuperá-la daquele que a possua ou detenha injustamente.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II - propriedade privada;

Art. 5o (...):

(...)

XXII - é garantido o direito de propriedade;”

Intervenção do Estado na Propriedade Privada: o que é?

Determinados casos demandam a interferência do Estado na propriedade privada, visando o atendimento do interesse coletivo. Em situação excepcionais, o Estado intervém na propriedade particular, tendo como intuito a proteção da função social baseada na prevalência do interesse público sobre o privado. 

Havendo conflito de interesse entre Poder Público e privado, o poder público será sempre prevalecente. Isso se dá, pois o intuito do âmbito administrativo é a promoção e a sustentação do bem-estar social, promovendo a organização estrutural que pretende o interesse coletivo, superando o particular que, apesar de observado, é secundário.

A intervenção Estatal na propriedade privada consiste em um mecanismo empregado pelo Poder Público para intervir em propriedade privada de terceiro, este que representa, no caso, o proprietário do bem.

De acordo com o Código Civil, o proprietário é aquele que exerce o direito de utilizar, gozar e dispor da coisa, assim como reavê-la, em hipótese de detenções injustas. 

Cabe destacar que a propriedade não é de direito absoluto, podendo o Poder Público intervir sobre ela, através do princípio da supremacia do interesse público ao privado, pretendendo garantir que a propriedade privada atenda às demandas de interesses e funções sociais. Segundo a Constituição Federal/88:

“Art. 5º

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”.

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.”

Modalidades de Intervenção do Estado na Propriedade Privada

Consoante à CF e à Legislação Infraconstitucional, existem duas modalidades de intervenção estatal na propriedade privada. A primeira, restritiva, ocorre quando o Estado não retira a propriedade do seu devido proprietário, determinando apenas restrições e condições para a sua utilização. É configurada por: servidão, a requisição administrativa, a ocupação temporária, as limitações administrativas e o tombamento.

Já a intervenção supressiva se dá com a retirada da propriedade do dono e com a transferência da propriedade privada para o Estado. É caracterizada por: desapropriação.

Entenda os Tipos de Intervenção do Estado na Propriedade Privada

Servidão Administrativa

Direito de uso da administração pública sobre o imóvel de terceiro, sem necessidade de desapropriação, viabilizando a realização de obras e serviços de interesse social, servindo o bem ao interesse público, ao invés de somente ao seu proprietário, restringindo a exclusividade. Ocorre mediante acordo ou decisão judicial. 

Requisição Administrativa 

Em determinados casos de perigo público iminente, o Estado recorre à utilização de bens móveis, imóveis e serviços particulares de urgência. Configura o direito de uso de propriedade móvel ou imóvel por tempo limitado em casos de alta necessidade. 

A intervenção se dá quando há necessidade pública (fundamento político), função social da propriedade (fundamento jurídico genérico) ou perigo público iminente (fundamento jurídico específico), utilizando bens ou serviços privados provisoriamente, há o pagamento de indenização subsequente em caso de danos ao particular durante a requisição.

Ocupação Temporária 

Ocorre quando o Poder Público faz uso temporário de imóveis privados como forma de apoio à execução de obras, serviços, atividades públicas ou de interesse público, como espécie de intervenção estatal na propriedade. Consiste na utilização transitória de bens imóveis particulares pelo poder público, como maneira de apoiar execuções de obras e serviços públicos.

Limitação Administrativa

Trata da restrição de caráter geral que não atinge bens específicos, podendo afetar todos os proprietários envolvidos na situação descrita na norma. Isto é, é imposto ao particular a realização ou a não realização de algo, devido ao poder de polícia da administração pública, visando a conciliação do exercício do direito de propriedade ao bem-estar do coletivo, respeitando aspectos como segurança e estética. 

Tombamento

Quando há a intervenção do Estado em propriedade alheia, implicando ao proprietário o dever de preservação em todas as características que representem valor significativo cultural, histórico, artístico ou paisagístico, tornando-a integrante do patrimônio cultural brasileiro. Ocorre quando o Poder Público tem interesse em proteger determinados bens.

Desapropriação

Se dá através da intervenção supressiva do Estado em propriedade privada. Ocorre quando o poder público desapropria alguém da sua devida propriedade, tomando posse por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, por meio de pagamento e indenização prévia paga em dinheiro, exceto em casos previstos pela cf/88

Confira a Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema:

Intervenção do Estado na Propriedade Privada

(Os entendimentos foram extraídos de julgados publicados até 17/05/2019)

1) O ato de tombamento geral não demanda a individualização dos bens englobados pelo tombo, visto que as restrições impostas pelo Decreto-Lei n. 25/1937 se estendem à totalidade dos imóveis pertencentes à área tombada. 

Julgados: 

REsp 1359534/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 24/10/2016; 

REsp 761756/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 02/02/2010.

2) Não havendo ofensa à harmonia estética de conjunto arquitetônico tombado, não há hipótese de demolição de construção acrescida. 

Julgados: 

REsp 1527252/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 30/06/2015; 

EDcl no AREsp 39360/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 02/03/2012.

3) O tombamento do Plano Piloto de Brasília engloba o seu singular conceito urbanístico e paisagístico, que expressa e forma a própria identidade da capital federal. 

Julgados: 

AgRg nos EREsp 1166337/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2012, DJe 12/11/2012; 

REsp 1127633/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 28/02/2012.

4) A indenização pela limitação administrativa ao direito de edificar, advinda da criação de área non aedificandi, apenas cabe quando imposta sobre imóvel urbano e caso fique demonstrado o prejuízo causado ao proprietário da área. 

Julgados: 

AgRg no REsp 1113343/SC, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 03/12/2010; 

AgRg nos EDcl no REsp 883147/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 21/05/2010.

5) Não é devido o direito à indenização caso o imóvel expropriado foi adquirido após a imposição de limitação administrativa, pois se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço do imóvel. 

Julgados: 

AgInt no REsp 1732096/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 20/08/2018; 

AgInt nos EREsp 1533984/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/06/2018, DJe 22/06/2018.

6) As restrições referentes à exploração da mata atlântica instituídas pelo Decreto n. 750/1993 estabelecem mera limitação administrativa, e não desapropriação indireta, sujeitando-se à prescrição quinquenal. 

Julgados: 

REsp 1104517/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/03/2014; 

EDcl nos EDcl no REsp 1099169/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 19/06/2013.

7) A indenização relativa à cobertura vegetal deve ser calculada separadamente do valor da terra nua quando comprovada a exploração dos recursos vegetais de forma lícita e anterior ao processo de intervenção na propriedade. 

Julgados: 

AgInt no REsp 1326015/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 10/04/2019; 

REsp 1698577/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 19/11/2018.

8) Caso fique demonstrado que a servidão de passagem inclui área superior àquela prevista na escritura pública, impõe-se o dever de indenizar, sob pena de violação do princípio do justo preço. 

Julgados: 

REsp 1359575/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 15/10/2018; 

AgRg no REsp 949507/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 19/08/2015.

9) Os juros compensatórios incidem pela simples perda antecipada da posse, em hipótese de desapropriação, e pela limitação da propriedade, em caso de servidão administrativa, nos termos da Súmula n. 56/STJ. 

Julgados: 

AREsp 927490/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 27/06/2018; 

AgInt nos EDcl no REsp 1440177/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 02/10/2017.

10) Não incide imposto de renda sobre os valores indenizatórios recebidos pelo particular por servidão administrativa instituída pelo Poder Público. 

Julgados: 

REsp 1410119/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013; 

REsp 1474995/SC (decisão monocrática), Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2015, publicado em 08/04/2015.

11) É admitida a possibilidade de construções que não afetem a prestação de serviço público na faixa de servidão (art. 3º do Decreto n. 35.851/1954). 

Julgados:

AgInt no REsp 1370632/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019; 

REsp 86498/ES, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 09/04/1996, REPDJ 31/03/1997 p. 9633.