Diante do conceito de Pornografia de VIngança, é possível elucidar as relações de gênero e poder e, por conseguinte, compreender o cenário de desigualdade que influencia diretamente na ocorrência de tal violência às mulheres. Ao partir do pressuposto de que homens e mulheres não são iguais, mas sim dotados de características e vocações divergentes, cria-se um imaginário social em que a subordinação feminina é aceita de forma institucional, pela mídia e pela sociedade como um todo.
É notório que os questionamentos acerca do revengeporn focalizam na origem do fenômeno – questiona-se o que leva o ofensor a praticar tal conduta. A partir do entendimento de que ele está inserido em uma sociedade estruturada pela lógica da Dominação Masculina, é possível compreender a essência da violência de gênero: o agressor se vale da sexualidade da mulher para depreciá-la e a coletividade, por encarar a sexualidade feminina como um ultraje, acaba sendo conivente para a naturalização e perpetuação do fenômeno aqui estudado.
É possível elucidar o forçado processo de construção dos gêneros, que se sedimenta sob o mito da feminilidade e masculinidade. À vista disso, há claro tratamento diferenciado dado a homens e mulheres influencia de forma contundente o desenvolvimento da virilidade masculina e o processo de negação da sexualidade feminina, desde a infância. Sendo assim, há maneiras de ressaltar que a notável maioria das vítimas desse fenômeno são mulheres, comprovando o viés sexista dessa conduta.
Deve-se analisar a Pornografia de Revanche como um dos mecanismos contemporâneos elaborados pelo sistema patriarcal para a manutenção de sua ordem. A partir do desenvolvimento dos papéis sociais destinados a cada gênero, cria-se limites para a expressão da feminilidade pela mulher e da masculinidade pelo homem. Mas, no processo desigual da construção dos gêneros a mulher é sempre a mais prejudicada – no que diz respeito à sua capacidade intelectual, política e, principalmente, no que toca à sua sexualidade.
Há meios de enxergar, por todo os estudos acerca da opressão feminina historicamente datada, que a mulher que subverte a ordem de dominação e expressa sua sexualidade da forma que pretende é punida por intermédio de ferramentas como a revengeporn. Sendo assim, a sociedade, diante da perpetuação do discurso de diferenciação sexual, naturaliza a reprovação moral conferida às pessoas que fujam dos estereótipos preteritamente determinados, o que agrava mais ainda a situação e nos distancia cada vez mais de uma sociedade igualitária.
Deve-se, acima de tudo, ilustrar o fenômeno da Pornografia de Vingança por meio da narração de alguns casos concretos de vítimas mulheres. A partir disso, é possível interpretar e sentir a história de cada uma das mulheres vítimas e o sofrimento que as abala (e que, muito provavelmente, permanece as abalando). Ao analisar os diversos casos que contemplam as vozes femininas caladas pela mídia tradicional e pela coletividade, buscando atribuir, mesmo que de forma simbólica, surge a oportunidade de oferecer uma maior representatividade para essas mulheres.
Além disso, cabem inúmeras críticas no concernente à utilização da mídia para reforçar a ordem de subordinação que a mulher e sua sexualidade estão impostas. A partir da existência de manchetes e apontamentos acerca do material midiático produzido para o público alvo feminino – sempre voltado para aptidões domésticas -, existe uma carga de machismo intrínseco também nos veículos propagadores de informações. Essa característica da instituição midiática impulsiona a ocorrência da culpabilização da vítima, visto que se preocupa em apresentar a mulher como o centro das notícias de violência.
Não obstante, é indispensável que se traga à luz a repercussão jurídica nas searas cível, constitucional e penal, demonstrando uma preocupação do Judiciário que cresce proporcionalmente ao crescimento dos casos judicializados de Pornografia de Vingança. Todavia, mesmo diante dos esforços legislativos, há uma inconsistência muito grande acerca da abordagem jurídica desse fenômeno. Isso ocorre porque, em grande maioria, a criminalização da conduta do ofensor torna-se a prioridade, ignorando questões essenciais como a desconstrução da ordem desigual dos gêneros.
Existe um apelo social e da própria vítima para que não haja impunidade para aquele que praticou a violência de gênero. E a punição, em regra, se materializa por meio da criminalização. No entanto, é necessário que se tenha em mente que a criminalização exclusiva nunca foi método plenamente eficaz para a redução de condutas reprováveis. Sendo assim, é preciso que se promova mudanças sociais e culturais, que possibilitem a igualdade e liberdade sexual à mulher. É evidente, portanto, que há um longo caminho a ser percorrido até a plena igualdade entre os gêneros.
Enquanto mulher, eu sofro e presencio diariamente a desigualdade dos gêneros – em que o feminino, por óbvio, é o menos favorecido. No entanto, nem sempre tive esse esclarecimento. Desde que iniciei a graduação, estabeleci contato cada vez mais íntimo com as causas feministas. Antes desse marco, não era capaz de compreender a relevância e presença do machismo durante a minha curta trajetória. Aos poucos pude compreender determinadas bandeiras e identificar que já havia as desrespeitado outrora. Olhando para o passado, me recordo de vezes em que proferi discursos sexistas e agi de forma contrária ao feminismo.
Indubitavelmente arrependo-me dessas condutas, mas tenho a plena consciência de que habitei, por muito tempo, uma bolha de alienação e desconhecimento – o que também integra o projeto de subordinação feminina na sociedade. A elaboração desse artigo me fez refletir sobre a estrutura de dominação patriarcal a qual estamos inseridas e desenvolveu em meu interior, diferente do sentimento de arrependimento, a convicção de que produzi uma pequena contribuição para angariar mais mulheres para a nossa luta longa e cotidiana.