Negado pedido de governadores sobre partilha de contribuições desvinculadas da seguridade social

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 523, em que 24 governadores solicitavam que a União partilhasse com os estados e o Distrito Federal 20% da receita das contribuições sociais desvinculadas do orçamento da seguridade social por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A decisão se deu na sessão virtual encerrada em 5/2.

 

Partilha

Os chefes dos Executivos estaduais alegavam que a DRU permite a inclusão, no orçamento fiscal, de 30% da arrecadação com contribuições sociais, da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e de taxas federais, a serem empregados de forma desvinculada de suas finalidades originárias. Eles sustentavam que, de acordo a Constituição Federal (artigo 157, inciso II, alínea “d”), pertencem aos estados e ao Distrito Federal 20% do produto da arrecadação do imposto que a União vier a instituir, por meio de lei complementar, com base na competência residual prevista no artigo 154, inciso I, da Constituição. Segundo eles, porém, a opção da União de adotar as contribuições especiais, em vez de impostos residuais, como forma de aumentar a arrecadação contorna a partilha constitucional de receitas tributárias, fraudando o princípio federativo.

De acordo com os governadores, a desvinculação se iniciou em 1994, com a criação do Fundo Social de Emergência, posteriormente transformado no Fundo de Estabilização Fiscal, até se tornar, em 2000, a DRU, com validade até 2023. Por isso, a seu ver, não se trata de medida temporária, prevista no artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), mas permanente, em evidente fraude à modelagem originária da Constituição.

 

Aperfeiçoamento

Em seu voto, a relatora, ministra Rosa Weber, explicou que o mecanismo da DRU foi criado pelo Congresso Nacional para autorizar a União a dispor, com liberdade, de fração da arrecadação tributária a que a Constituição confere destinação específica, vinculando-a a órgão, fundo ou despesa. Ela aponta que, ao contrário do exigido pelo artigo 154, inciso I, da Constituição, a DRU foi instituída não pelo legislador complementar, e sim pelo poder constituinte derivado, que não está relacionado aos mesmos limites que devem ser observados pela legislação infraconstitucional. Além disso, as contribuições sociais têm fato gerador e base de cálculo discriminados na Constituição.

 

Exceções expressas

De acordo com a relatora, sempre que pretendeu excepcionar determinada transferência de recursos dos efeitos da desvinculação, o legislador constituinte o fez expressamente nas emendas constitucionais sobre a questão. Ela destaca que, ao desvincular de órgão, fundo ou despesa, até 31/12/2023, 30% da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, o artigo 76 do ADCT afasta a incidência de qualquer norma que venha a incidir sobre esses recursos para afetar a sua destinação, à exceção do salário-educação.

 

Natureza dos tributos

A ministra assinala, ainda, que há jurisprudência reiterada do STF de que as alterações promovidas pelas sucessivas emendas constitucionais não modificaram a natureza dos tributos sobre os quais incidem os comandos de desvinculação. Em seu entendimento, apesar da destinação ser elemento essencial das contribuições, a decisão de desvincular percentual do valor arrecadado não descaracteriza a sua natureza jurídica, por traduzir exceção estabelecida na própria Constituição.

Quanto à alegação de fraude à Constituição com a suposta perenização da DRU, a relatora verificou que, no decorrer dos anos, foram adotados modelos de desvinculação significativamente distintos nas emendas constitucionais editadas sobre o tema. Segundo Rosa Weber, em todas elas houve "uma legítima e individualizada” manifestação de vontade do poder constituinte derivado exercido por deputados federais e senadores.

Por fim, ela lembrou que não se pode isolar a análise da DRU dos arranjos normativos estruturantes do regime de repartição de receitas. Lembrou, por exemplo, que o Fundo de Participação do Estados e do Distrito Federal passou, progressivamente, de 18% para 21,5% e que a Emenda Constitucional 42/2003 determinou que a União entregue aos estados e ao Distrito Federal 25% do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico.

 

 

Número do Processo

ADPF 523

 

Ementa

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. DESVINCULAÇÃO DE RECEITAS DA UNIÃO – DRU. PEDIDO DE EXEGESE AMPLIATIVA DO ART. 157, II, DA CF, A ALCANÇAR AS RECEITAS ORIUNTAS DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESAFETADAS NA FORMA DO ART. 76 DO ADCT. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO (ART. 1º, CAPUT, E 60, § 4º, I, DA CF). IMPROCEDÊNCIA.

1. No julgamento do RE 566.007/RS (Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 11.02.2015), em regime de repercussão geral, esta Suprema Corte reconheceu a constitucionalidade da desvinculação das receitas da União – DRU, instituto pelo qual o poder constituinte derivado autoriza a União a dispor, com liberdade, de fração da arrecadação tributária a que a Constituição confere destinação específica, vinculando-a a órgão, fundo ou despesa.

2. Instituída por emenda constitucional, não adstrita aos mesmos limites normativos e semânticos da legislação infraconstitucional, a DRU não é assimilável à espécie tributária objeto dos arts. 154, I, e 157, II, da Constituição Federal.

3. Ao desvincular de órgão, fundo ou despesa trinta por cento da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, o art. 76 do ADCT afasta a incidência de qualquer norma que venha a incidir sobre esses recursos para afetar a sua destinação, expressamente excepcionado, apenas, o salário-educação de que trata o art. 212, § 5º, da CF. Pela própria definição, seria paradoxal afirmar que as receitas desvinculadas, nos moldes do art. 76 do ADCT, estariam, para os efeitos, do art. 157, II, da CF, vinculadas a norma prescritiva de partilha. Receitas desvinculadas são, justamente, aquelas das quais se afasta a eficácia de normas veiculando comandos de vinculação.

4. Na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, por traduzir exceção estabelecida na própria Constituição, a decisão do poder constituinte derivado de desvincular determinado percentual das contribuições não descaracteriza sua natureza jurídica. Precedentes.

5. Adotando, os mecanismos de flexibilização do orçamento da União, diferentes configurações ao longo do tempo (ECR nº 01/1994, EC nº 10/1996, EC nº 17/1997, EC nº 27/2000, EC nº 42/2003, EC nº 56/2007, EC nº 59/2009, EC nº 68/2011, EC nº 93/2016 e EC nº 103/2019), resulta indiscernível a incorporação de mecanismo homogêneo e permanente de desvinculação ao sistema constitucional de repartição das receitas tributárias.

6. Inocorrência de vulneração ao princípio federativo (arts. 1º, caput, e 60, § 4º, I, da CF), bem como de fraude à Constituição.

7. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.

 

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do voto da Relatora e por unanimidade de votos, em sessão virtual do Pleno de 18 de dezembro de 2020 a 5 de fevereiro de 2021, na conformidade da ata do julgamento. Falaram: pelo requerente o Governador do Estado de Minas Gerais, Dr. Carlos Vitor Muzzi, Procurador do Estado; e, pelo interessado, Dra. Maria Helena Martins Rocha Pedrosa, Advogada da União.

Brasília, 9 de fevereiro de 2021.

Ministra Rosa Weber Relatora

 

Fonte

STF